Olimpíadas de Tóquio

Melhor campanha do Brasil em Olimpíadas contrasta com cortes no esporte

Sem Ministério do Esporte, Brasil terminou as Olimpíadas com o melhor resultado da história em jogos

Thays Martins
Yasmin Ibrahim*
postado em 09/08/2021 15:50 / atualizado em 09/08/2021 15:50
 (crédito: Miriam Jeske/COB )
(crédito: Miriam Jeske/COB )

Atleta que treinava em açude, que começou com prancha de isopor… Como toda Olimpíada, a de Tóquio mais uma vez nos brindou com muitas histórias de superação que fazem refletir sobre o papel do esporte e oportunidades. Após um ciclo olímpico mais longo devido à covid-19 e muitas incertezas em relação a realização dos jogos, o Brasil conseguiu os melhores resultados em Olimpíadas da história, superando a conquista da Rio 2016. Os resultados, porém, contrastam com a queda nos investimentos em esportes que vem acontecendo nos últimos anos. O Ministério do Esporte foi reduzido a uma secretaria dentro do governo Bolsonaro e o Bolsa Atleta, principal política de fomento ao esporte, não tem reajustes desde 2010.


Durante os jogos foram muitas as cobranças dos atletas para que o país invista mais em esporte. Após ser eliminado no vôlei de praia, e pela primeira vez o país sair sem medalhas na modalidade, o capixaba Alison, dupla de Evandro, desabafou: "O mundo está investindo no voleibol de praia e a gente está ficando parado. Tem que investir mais”. No futebol, o artilheiro da seleção, o atacante Richarlison, usou uma carta para falar sobre a necessidade de investimento para que surjam mais talentos. "Passou da hora de nosso país entender que esporte não é só um cara chutando no gol ou enterrando a bola numa cesta: é bem-estar, saúde, disciplina e segurança. Nós levamos o nome do nosso país ao mais alto nível com muito orgulho, geramos exposição e rendimentos, além de representar nossa gente e nossa bandeira. Então, nada mais justo do que haver um retorno mais significativo", afirmou.


Outro que usou a visibilidade trazida pelo evento foi o paulista Altobeli da Silva. "Eu fico sem entender. Eu merecia me classificar. É uma decepção muito grande. A ponto de analisar se está valendo a pena. Se desse certo de fazer um camping com esses caras de ficar um tempo na Europa, seria excelente. Como esses caras sempre mantêm um alto nível", questionou logo após não conseguir se classificar nos 3000 metros com obstáculos.


Hoje, as três principais garantias de investimento do Brasil em esportes são por meio da Lei Agnelo/Piva, que garante R$ 300 milhões por ano repassados pela Caixa Econômica Federal por meio das loterias ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o Bolsa Atleta e a Lei de Incentivo ao Esporte. Juntas, elas têm garantido que recursos cheguem até os atletas, o que tem feito com que o Brasil aumente seus resultados em jogos olímpicos. Mas as legislações ainda têm problemas a serem resolvidos. “Falta investimento na base. Temos um modelo clubístico, nem toda a população tem acesso a clubes, algumas prefeituras têm espaços públicos, mas são poucos, e uma porcentagem bem baixa tem acesso a quadras. No Rio 2016, a Rafaela Silva, Isaquias e Michael Andrade começaram em projetos sociais incentivados, imagina se não tivesse isso? Para o esporte de rendimento não falta muito recurso. O que falta é saber usar melhor", explica Leandro Mazzei, presidente da Associação Brasileira de Gestão do Esporte (Abragesp). Ele destaca que, só a partir de 2009, é que se começou a fazer exigências para que as organizações recebam os recursos públicos.

Um retrato do esporte


Dos 309 atletas brasileiros em Tóquio, 80% são beneficiários do Bolsa Atleta. Os únicos medalhistas que não beneficiários do programa são a skatista Rayssa Leal, que ainda não tem a idade mínima exigida pelo programa, e os atletas do futebol masculino. Em 2020, devido à pandemia, não teve edital para novos atletas. Segundo o Ministério da Cidadania, no ano passado todos os que tinham sido contemplados pelo edital de 2019 continuaram a receber a bolsa. 

Ao todo, 89 estão ligados às Forças Armadas, por meio do programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR). Além disso, somente 178 atletas contam com algum tipo de patrocínio.


A polêmica envolvendo a Seleção Brasileira de futebol expôs ainda mais a delicadeza desse cenário. Os medalhistas de ouro não usaram o uniforme da Peak, patrocinadora do COB, no pódio, conforme era combinado. No contrato, os atletas podem usar uniformes de outros fornecedores em campo, como a maioria fez, mas ao receber medalhas era necessário utilizar o uniforme da marca chinesa. A atitude dos campeões do futebol, foi critica por outros atletas. "A mensagem foi clara: não fazem parte do time e não fazem questão. Também estão completamente desconexos e alienados as consequências que isso pode gerar a inúmeros atletas que não são milionários como eles", escreveu no Twitter, Bruno Fratus, medalhista de bronze na natação.

Por outro lado, projetos sociais têm demonstrado a importância nesse processo. A exemplo disso, a ginasta Rebeca Andrade, dona de um feito inédito nesta Olimpíada: duas medalhas na ginástica artística, rosto que marcou esta Olimpíada, começou em um projeto social. Da periferia de São Paulo, Rebeca começou a carreira aos 4 anos no Projeto Iniciação Esportiva de Guarulhos, com treinamentos no ginásio municipal Bonifácio Cardoso.


Este também é o exemplo do boxeador, medalha de ouro, Hebert Conceição. O baiano começou no projeto Campeões da Vida, que além de ter revelado ele também foi responsável por mais duas medalhas nos jogos do Rio e de Londres.

Falta de políticas públicas


Leandro explica que o grande desafio para o Brasil é a formação de atletas na base. Falta estruturas e projetos para encontrar e formar talentos. A escola, que poderia fazer este papel, também não tem condições de fazê-lo. De acordo com o Censo Escolar de 2020, somente 37% das escolas públicas têm quadra de esportes. “Uma parte muito baixa das escolas têm estruturas esportivas, muitas não têm nem quadra descoberta, imagina outras estruturas. Não basta construir uma quadra, tem que ter um treinador, um programa, os talentosos que aparecerem vão pra onde? Tem que ter um sistema, nós não temos”, ressalta Leandro. “O Brasil deveria investir mais na base e no esporte para a população em geral. Tem um sistema que investe em quem já está no topo e não em quem quer chegar. Você vê medalhistas que ganharam em edições anteriores perdendo, porque é muito difícil se manter no topo. Tem que criar um sistema mais sustentável, com pessoas jovens aparecendo no topo também”, completa.


Com a Rio 2016, muito se acreditou que o cenário poderia melhorar. “O evento foi muito bem organizado. Só que o legado da gente não é muito grande. Teve alguns investimentos que estão colhendo os frutos. Mas a sensação é de que perdemos uma oportunidade, poderia ter desenvolvido um sistema, poderia ter feito um plano para melhorar as estruturas esportivas na escola. Mas todo o país que tem organizado eventos eles têm problemas de legados”, lembra Leandro.

Desafios aumentaram com a pandemia


A pandemia da covid-19 interrompeu treinamentos e campeonatos, o que prejudicou muitos atletas nesta Olimpíada. “O ciclo olímpico é de quatro anos e a pandemia quebrou isso, além da limitação de treino. Modalidades que treinam ao ar livre conseguiram superar mais rápido os problemas de lockdown, mas algumas outras tiveram que sair do país para treinar. Sem falar na questão psicológica, a questão dos adiamentos dos jogos, teve atleta que perdeu parentesco, medo de que a covid causasse alguma consequência física. O esporte é retrato da sociedade, então tudo o que a sociedade têm sofrido com a pandemia eles também sofreram”, destaca.


E nesta Olimpíada não faltou debate sobre isso. O Brasiliense Bruno Schmidt teve covid-19, ficou cinco dias internado, mas mesmo assim conseguiu fazer uma boa atuação nos jogos, apesar da eliminação nas oitavas. Darlan Romani, do arremesso de peso, foi outro que falou sobre as consequências da pandemia. Após ter covid-19, ele teve uma hérnia de disco. Além disso, para treinar, ele precisou usar um terreno baldio ao lado de sua casa. Em Tóquio, conseguiu terminar em quarto lugar.


Além das consequências para esses jogos, Leandro destaca que o país ainda vai sentir no futuro. "O esporte vai ser muito afetado, porque o pessoal mais jovem que está começando foram impedidos de treinar e aí provavelmente vai ter um número grande de atletas que vão desistir da carreira esportiva porque campeonato de base não está tendo e isso desmotiva. Você tinha 16 anos, agora 18. Não só o Brasil, mas todo o mundo vai passar por isso", alerta.

* Estagiária sob supervisão de Roberto Fonseca

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação