A Terra do Sol Nascente sagrou Wendell Belarmino campeão paralímpico nos 50m livre classe S11 da natação. Cada braçada dada na piscina do Centro Aquático da capital do Japão o deixava mais perto do maior sonho: a dourada e reluzente medalha paralímpica. O jovem brasiliense de 23 anos tem um longo currículo de conquistas e, somadas as de Tóquio, entra para o panteão do esporte brasileiro.
Wendell tem uma vida dedicada aos esportes. O atleta começou a nadar aos três anos de idade por motivos de saúde e, aos cinco, saiu das piscinas. Pouco mais de um ano depois, passou a cavalgar. O brasiliense fez hipismo por seis anos e deixou o adestramento paralímpico após fazer uma cirurgia nos olhos, em 2010.
Dois anos mais tarde, Belarmino voltou para as piscinas por meio de um projeto do Governo do Distrito Federal (GDF) voltado para deficientes. O atleta nasceu com glaucoma, o que lhe causou uma perda gradativa da visão. Por isso, ao fim das provas, o técnico Marcus Lima é o responsável por lhe informar o resultado.
Tóquio foi a grande recompensa do esforço do nadador, que retornou à capital federal com um pódio completo. Wendell também conquistou uma prata no revezamento 4x100m livre e um bronze nos 100m borboleta S11. O jovem brasiliense ainda teve a chance de acompanhar as últimas provas da carreira de Daniel Dias – grande influência para competir na natação.
De que forma Daniel Dias te influenciou?
Eu sabia que as Paralímpiadas existiam por conta do hipismo. A minha treinadora era esposa do atual presidente do Comitê Paralímpico Internacional e ela contou que foi para Pequim. Eu falei: “legal”. Mas era pequeno, não entendia direito. Em 2012, houve uma maior cobertura das Paralimpíadas. Liguei a televisão e a primeira coisa que acompanhei foi a natação, uma prova do Daniel Dias, e notei que aquilo era um evento gigantesco. Uma Olimpíada voltada para pessoas com deficiência. Foi quando percebi que era possível virar um atleta, eu queria ser igual ao Daniel e ganhar medalhas como ele. Eu queria viver um pouco dessa experiência. Em 2013, enchi muito o saco do pessoal de onde eu fazia natação para me colocarem em uma competição. Eles me inscreveram nos Jogos Escolares de Brasília (JEB’s). O que acabou sendo uma seletiva para formar uma seleção do DF para ir às Paralimpíadas Escolares, em São Paulo. Eu nadei minha primeira prova lá e quem me entregou a medalha foi o Daniel Dias. Foi ali que eu percebi que era aquilo que eu queria fazer. Eu gostei de competir, gostei da atmosfera da competição. Posso dizer que foi graças ao Daniel que percebi que era possível me tornar um atleta de alto nível.
Como foi estar com ele em Tóquio?
Incrível! Eu tive contato com ele em algumas competições, quando eu era da Seleção de jovens, em 2017/2018, mas foi breve. Tive um convívio maior no ParaPan de Lima e no Mundial de 2019. Ele passou o conhecimento e a experiência que tem para mim, pude aprender muito com o Daniel. Ele é super gente boa, muito solícito. E, em Tóquio, como foi a aposentadoria dele, eu não tenho nem uma palavra para explicar o que realmente senti, porque, desde que eu conheci o esporte, ele nadava. Cheguei à minha primeira Paralimpíada e ele estava se despedindo. Eu até comentei com o pessoal no Japão: “É tão estranho ver o Daniel se aposentando, eu nunca achei que isso aconteceria”.
Você enfrentou algum obstáculo na carreira esportiva?
O maior obstáculo foi não ter onde treinar durante a pandemia. Tivemos de fazer bastante adaptação, eu tenho uma piscina pequena em casa, de sete metros. Eu nadava com a corda amarrada para não ir para frente – o nado estacionário –, meu treinador fez uma planilha de exercícios. O Comitê Paralímpico Brasileiro ofereceu a equipe multidisciplinar: psicólogo; fisioterapeuta; nutricionista; preparador físico. Algumas coisas, eles fizeram com meu treinador. Então, esse foi meu maior obstáculo: conseguir treinar sem a piscina e a academia.
Como sua ida a Tóquio e as suas conquistas podem influenciar outros jovens a procurar o esporte?
Espero que eu tenha conseguido mostrar às pessoas que elas podem fazer o que quiserem. Claro que necessita de uma adaptação. Eu corri atrás do meu sonho: ser medalhista e campeão paralímpico. Preciso de algumas adaptações, obviamente, por causa da deficiência, mas todo mundo precisa de algum tipo de adaptação. Eu acredito que consegui inspirar essas pessoas. Eu recebo mensagem todos os dias de pais falando: “meu filho quer fazer natação, meu filho quer fazer esporte, porque viu você, de Brasília”. Não só no esporte, mas qualquer coisa que você queira fazer, desde que corra atrás, poderá alcançar o seu maior sonho.
O que passou por sua cabeça na reta final da prova dos 50m livre?
Foi uma prova que eu gostei muito de nadar. Estava mais consciente do que estava fazendo do início ao fim. Quando eu toquei na parede, meu treinador não acreditou que eu tinha ganhado a prova, ele se ajoelhou e começou a chorar. Eu perguntava para qual a posição em que cheguei e não me respondia. Foi quando ouvi o pessoal do Brasil gritando enlouquecidamente e pensei: “acho que eu ganhei medalha e, do jeito que o pessoal está ali, acho que eu ganhei o ouro. Vou comemorar agora, pelo menos, conquistei uma prata ou bronze e está ótimo! Depois descubro o que eu ganhei’”. Precisei de uns três dias para entender o que aconteceu. Realmente demorou, mas foi uma sensação muito boa em saber que todo o meu esforço foi recompensado.
Como foi voltar para casa com três medalhas conquistadas na primeira Paralimpíada?
Foi maravilhoso e melhor do que eu esperava, sinceramente. Geralmente, eu vou para as competições sem a expectativa de ganhar. Vou para me divertir e nadar. Se eu ganhar medalha, é uma consequência do meu trabalho bem-feito. Mas realizei o meu sonho de ir a uma Paralimpíada, de ganhar uma medalha e ser campeão paralímpico. Foi muito legal voltar para casa depois e encontrar a minha família.
Algum ensinamento das Paralímpiadas de Tóquio?
Encarar aquele grupo cinza, que passa por um isolamento. Ficamos um tempo sem treino, mas não importa o que aconteça, se você trabalhar duro, confiar no seu trabalho, ter a cabeça no lugar e lutar por isso, não importa as dificuldades, vai conseguir. Depois que voltei a treinar, não foi conforme o planejado. Era para eu ter alguns dias com dois treinos e acabou que eu só tive um. Então, não importa as dificuldades, se quiser e lutar, você chega lá.
* Estagiária sob supervisão de Marcos Paulo Lima
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