JUBs

Lutadora redireciona histórico violento para tornar-se promessa olímpica

Brasiliense Ana França sagrou-se campeã do wrestling (luta livre) até 62kg dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs) e visa ser a primeira brasileira medalhista olímpica da modalidade

Maíra Nunes
postado em 15/10/2021 17:29 / atualizado em 15/10/2021 17:31
Ana Luiza França comemora a medalha de ouro nos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs) 2021 -  (crédito: Saulo Cruz/FESU-DF)
Ana Luiza França comemora a medalha de ouro nos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs) 2021 - (crédito: Saulo Cruz/FESU-DF)

Aos 21 anos, Ana Luiza Pereira França vive uma realidade que os colegas das muitas escolas por onde passou no Distrito Federal dificilmente imaginariam. Dos 10 aos 17 anos, ela foi a garota brigona, que colecionava expulsões nos colégios onde estudou. “Eu batia nas meninas, ameaçava, pegava as dores dos outros, fazia de tudo. Era um terror”, conta. Até que, em 2013, conheceu o professor José Neto, no CEF 02 do Paranoá. “Ele me perguntou se eu era a tal garota que gostava de brigar”, lembra, ao contar como surgiu o convite para conhecer uma arte marcial.

De aluna rebelde a estudante do 4º semestre de Educação Física no Centro Universitário Estácio, a brasiliense abraçou a oportunidade que o esporte lhe deu e, hoje, é uma das grandes promessas do Brasil. Na quinta-feira (14/10), ela sagrou-se campeã do wrestling (luta livre) feminino na categoria até 62kg dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), disputado em Brasília. E não para por aí. Esse é o caminho rumo a meta de se tornar a primeira brasileira medalhista olímpica da modalidade.

Até assumir a mentalidade de atleta, porém, a trajetória foi longa para a menina do Itapoã, que saiu da casa da mãe, aos 15 anos, para morar sozinha. O objetivo era afastar-se do ambiente violento onde morava. Mas, naquela altura, a agressividade estava entranhada nela. Com dois meses no projeto social que busca talentos para a luta, Ana conseguiu classificação para os Jogos Escolares da Juventude. “O gênio de querer bater em todo mundo continuava em mim”, pondera.

Por um lado, ela vivia a experiência de disputar o primeiro campeonato de wrestling da carreira. Para isso, fez a primeira viagem de avião e conheceu a praia. “O esporte estava me dando algo e eu ainda não estava sabendo retribuir, ainda estava brigando muito”, reconhece. Com 13 anos, Ana tinha a marca nas costas de uma facada que poderia ter lhe tirado a vida precocemente. Na escola, diziam que aquela era praticamente a última chance de ela estudar. “Eu era muito nova. Não sabia o que eu estava fazendo.”

Os resultados obtidos no wrestling seguiram mostrando que ela tinha muito talento para o esporte. Nos cinco anos consecutivos nos Jogos, Ana conquistou quatro medalhas (um ouro, duas pratas e um bronze). O oposto do rendimento em sala de aula. Ela chegou a reprovar a sexta série quatro vezes. “O professor Neto me cobrava muito as reprovações, contava para os outros nas viagens que fazia para competir e comecei a ficar com vergonha”, conta.

Em 2017, Neto estava agoniado de ver um talento desperdiçado e teve uma conversa dura com a pupila. “Ele disse que eu era muito boa no esporte, mas tinha que acordar, porque o meu tempo de brigar com professor, rasgar diário da direção e arrumar confusão tinha acabado.” Aquele era o último ano em que Ana poderia disputar os Jogos Escolares por causa da idade. Foi quando veio a preocupação do que iria fazer da vida depois.


Das expulsões na escola ao topo do pódio

Em 2018, Ana foi para o pensionato de freiras Lar Madre Eugênia Ravasco, na Asa Norte, que aceitou abriga-la de graça. A adolescente buscava um lugar tranquilo para entrar na vida adulta e achou. “Comecei a cuidar de mim. Depois disso, minha história fica muito mais bonita”, orgulha-se.

Em 2019, a brasiliense fez a primeira viagem internacional para competir no Lady’s Open, nos Estados Unidos, onde ganhou a prata. No mesmo ano, o desempenho no Campeonato Brasileiro lhe rendeu uma convocação para o Pan-americano Juniores, na Guatemala, onde faturou o ouro, com o inédito feito de não ser punida com perda de pontos.

Em 2021, Ana foi vice-campeã sub-23 e campeã regional, em Manaus. “Precisei me vencer antes de vencer minhas adversárias.” O wrestling brasileiro ainda não tem medalha em Jogos Olímpicos. “A primeira será Ana França”, aspira, com a confiança de quem descobriu a força que possui.

“Minha trajetória não foi fácil, mas o esporte me deu uma segunda chance. De optar por não estar hoje grávida, como as minhas primas, que não terminaram o ensino médio”, desabafa, valorizando a chance de estar no ensino superior. Antes de estudar Educação Física, Ana começou o curso de Direito. Nas duas graduações, foi convidada para representar as instituições em competições.

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