Em uma Ucrânia em paz, fazer check-in no Opera Hotel, em Kiev, recomendaria pedido imediato de senha wi-fi para ostentação nas redes sociais. Localizado no coração da cidade, no cruzamento dos distritos comerciais, culturais e históricos, a uma curta distância a pé dos cartões postais da capital do país do Leste Europeu, como o Opera House e as catedrais de Santa Sofia e de São Volodymyr, o endereço fica em uma zona tranquila para passeios e compras. Mas é tempo de guerra.
Ontem, a Khmelnytskogo Street, cenário de chegadas e partidas de hóspedes, virou rota de fuga para jogadores, familiares e estafe de 14 atletas brasileiros do Shakhtar Donetsk e do Dínamo de Kiev. Enclausurados desde a última quinta-feira no auditório Sinfonia — um salão do hotel que funcionava como bunker em meio à invasão russa —, eles bateram em retirada. Carros particulares identificados com a bandeira do Brasil, em uma ação coordenada pelo Palácio do Itamaraty, partiram em comboio rumo a uma estação de trem. De lá, iniciaram viagem para a Romênia.
Um dos passageiros da fuga sobre trilhos é o agente de jogadores de futebol Marcelo Müller, sobrinho de Carlos Müller, tio residente em Brasília. "Eu estava na Ucrânia desde a noite do dia 22. "Acompanho o Vinicius Tobias (ex-lateral do Inter negociado com o Shakhtar Donetsk). Até o dia 24, estava tudo tranquilo, sem carros militares e nada na rua", conta Marcelo por telefone ao Correio.
O cenário mudou radicalmente. Tropas russas invadiram Kiev. O medo virou pânico. "Caminhávamos até a esquina do hotel e víamos ruas vazias. Quando passavam carros, eram em alta velocidade", testemunha. Com o avanço da ação bélica da legião de Vladimir Putin, os brasileiros enclausurados no Opera Hotel começaram a ficar sem mantimentos e artigos de primeira necessidade.
Os ataques estrondosos e os cenários de destruição estavam cada vez mais perto. "Ouvíamos. Tudo acontecia num raio de 1,5km a 5km de onde estávamos", relata Marcelo Müller.
Impasse
A evacuação do hotel começou a ser negociada pela embaixada do Brasil, em Kiev. "Queriam que a gente caminhasse 2km com crianças e idosos para chegar numa estação sem saber se conseguiríamos pegar o trem", conta o agente. Houve resistência, principalmente, porque o governo de Portugal enviou carros para a retirada dos lusitanos de Kiev. Um deles, o técnico Paulo Fonseca. Pressionados, os jogadores decidiram partir em carros particulares depois da certeza de que dois trens esperavam pelos brasileiros inscritos, com passagem gratuita.
Marcelo Müller partiu com o cliente Vinicius Tobias, Ingrid Tobias, companheira do jogador, os demais integrantes do estafe da cria do Inter, e outros 13 atletas do Shakhtar e do Dínamo no comboio rumo a Chernivtsi, no Oeste da Ucrânia. De lá, pegariam outro trem para a Romênia.
Ontem, jogadores do Dnipro, como Bill, deixaram o país e estão retornando ao Brasil via Romênia. Mas há outros dramas. O lateral Juninho Reis, a mulher e um filho pequeno caminhavam na região de Lviv em busca de escape.
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