GUERRA NO LESTE EUROPEU

O preço do resgaste dos jogadores brasileiros na Ucrânia

Entenda por que nem mesmo o dinheiro de Rinat Akhmetov, homem mais rico da Ucrânia e dono do Shakhtar Donetsk, é capaz de bancar uma rota de fuga para os brasileiros do time. Saiba quem são os 30 jogadores tupiniquins empregados na primeira divisão

Em tempos de guerra, ser amigo do rei não significa, necessariamente, ter na palma da mão o mapa da rota mais segura para driblar os ataques da Rússia e deixar o país em segurança. Treze jogadores brasileiros em busca de um destino são colaboradores do Shakhtar Donetsk. O clube mais bem sucedido da nação do Leste Europeu é bancado por Rinat Akhmetov. Segundo o último ranking da revista Forbes, o senhor de 65 anos nascido em Donetsk é o 378º mais rico do mundo. Nem mesmo o dinheiro do magnata número 1 do território sob ataque compra a liberdade dos valiosos patrimônios da marca campeã da Liga Europa na temporada 2008/2009 e segundo mais vitorioso do país com 13 títulos.

Influente nos dois lados da guerra iniciada na madrugada de ontem, Rinat Akhmetov é um dos mecenas de times de futebol mais prejudicados pela instabilidade na região. Em 2014, a Donbass Arena, suntuoso estádio erguido por ele para o Shakhtar Donetsk, foi atacado. Desde então, o time leva vida cigana. Manda jogos nacionais e internacionais nas cidades de Kharkiv e de Kiev. Um hotel da capital ucraniana usado pelo elenco nas concentrações antes das partidas virou uma espécie de bunker para os brasileiros do plantel.

Revelado pelo Corinthians, o volante Maycon de Andrade Barberan é um dos jogadores abrigados na região. Em entrevista ao Correio, o jogador de 24 anos explicou a estratégia dos 13 atletas do Shakhtar Donetsk e um do Dínamo de Kiev em busca de proteção.

"Nós decidimos ficar todos juntos para facilitar a logística caso apareça alguma ajuda", explicou Maycon. Questionado se eles retornariam ao país em uma aeronave da Força Aérea, caso o Ministério das Relações Exteriores consiga negociar diplomaticamente a retirada de brasileiros do país, Maycon respondeu, convicto: "Com certeza, é o que esperamos", afirmou. Até a noite de ontem, o governo não tinha um plano de resgate.

Como o espaço aéreo ucraniano está fechado, a alternativa mais viável é a transferência via terrestre para países vizinhos em segurança. A Ucrânia tem fronteiras com a própria Rússia, além de Polônia, Estônia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária e Turquia. Há rota de escape via Belarus, mas o vizinho apoia as ações de Vladimir Putin.

Maycon está no Shakhtar desde julho de 2018. O clube ucraniano mais brasileiro da Europa contratou o jogador, à época, por 6,6 milhões de euros. Ele é um dos 30 jogadores do país inscritos na Premier League da Ucrânia — como é chamada a liga nacional.

Segundo o volante, os 13 jogadores do Shakhtar Donetsk e um do Dínamo de Kiev estão no bunker à espera do resgate. "É uma situação difícil. Estamos apreensivos, sem saber para onde ir. Queremos ajuda da embaixada", reforçou Maycon. Donetsk, sede original do clube, na região de Donbass, é alvo dos ataques russos e de separatistas desde 2014, quando a Donbass Arena, casa do time, foi bombardeada.

Além de Maycon, o hotel é refúgio de Marlon, Vitão, Ismaily, Dodô, Vinicius Tobias, Marcos Antonio, Alan Patrick, David Neres, Tetê, Pedrinho, Fernando, Junior Moraes e Vitinho, jogador do Dínamo de Kiev, principal concorrente do Shakhtar Donetsk no país. Todos eles levaram as respectivas mulheres, filhos e parentes para o local.

"Temos duas preocupações: uma delas é com a alimentação. Não sabemos até quando teremos comida, principalmente para as crianças. Muitos de nós estamos com os filhos aqui. A outra questão é a comunicação. Não sabemos até quando teremos internet para falar com os nossos parentes e, principalmente, solicitar ajuda", explicou Maycon.

A esposa do volante se manifestou nas redes sociais. Os noticiários dizem que já está tudo certo, tudo calmo, só que não está. Nós ainda estamos presos no hotel e ninguém dá uma posição do que a gente pode fazer, de como podemos sair daqui. E é desesperador ver nossos filhos... as pessoas que estão aqui. Não são só os brasileiros que estão se abrigando no hotel. Queria pedir muito a ajuda de quem puder espalhar para chegar em uma cadeia maior, para nos dar uma força. A embaixada diz que aqui é o melhor lugar para ficar, mas não queremos ficar aqui", desabafou Lyarah Vojnovic Barberan em um vídeo.

Jovem, Maycon está no Shakhtar Donetsk desde a temporada 2018/2019. De lá para cá, ajudou o clube a conquistar os títulos de 2019 e 2020 da liga nacional, uma Copa da Ucrânia e uma Supercopa. Acumula oito gols em 88 exibições pelo time. Há quatro anos, ajudou o Corinthians, de Fábio Carille, a conquistar o Campeonato Brasileiro. Também participou da campanha do bicampeonato paulista em 2017 e 2018.

Escape

O Campeonato Ucraniano tem um brasiliense. Revelado pelo São Paulo, o ponta-esquerda Paulinho Bóia, de 23 anos, trabalha no Metalist Kharkiv, time da segunda divisão do país. Embora a cidade do time seja um dos principais alvos da invasão russa, ele escapou dos ataques porque o elenco, líder da Série B com 53 pontos, faz intertemporada na Turquia.

O Correio também conversou com Edson, ex-Bahia. Recém-contratado pelo Rukh Lviv, da primeira divisão, o jogador de 23 anos sequer estreou. O Ucranianão seria retomado neste fim de semana. Em situação de vulnerabilidade no país, ele e o colega de time Talles Brenner foram transferidos pelo próprio time para a vizinha Polônia.