A arma do amor

Depois do enclausuramento em um hotel de Kiev, na Ucrânia, jogadores brasileiros do Shakhtar Donetsk e do Dínamo desembarcam em São Paulo com histórias de terror. Grupo minimiza o papel do governo e exalta relevância da Uefa

Jéssica Gotlib
postado em 02/03/2022 00:01
 (crédito: Nelson Almeida/AFP)
(crédito: Nelson Almeida/AFP)

Quase uma semana depois do primeiro ataque da Rússia à Ucrânia, e cinco dias após um pedido público e coletivo de ajuda, jogadores, familiares e estafe de brasileiros do Shakhtar Donetsk e do Dínamo de Kiev desembarcaram, ontem, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.

Na saída do voo, o meia-atacante Pedrinho, ex-Corinthians e Benfica, contou que o pior momento foi no sábado passado. A notícia repassada ao grupo refugiado no bunker do Opera Hotel, em Kiev, era de que os russos estavam fechando o cerco contra a capital e, talvez, o grupo não pudesse deixar o país. "Ficamos três dias pensando no que fazer, se pegávamos trem, carro... Era complicado. Havia muitas crianças e o que nos motivava era protegê-las. Pegamos um trem no último dia. Teve um alerta de que as coisas piorariam muito e que, se não saíssemos em cinco minutos, não conseguiríamos mais", contou Pedrinho.

O jogador disse que, num primeiro momento, pensava, principalmente, na vontade de se reunir com a família no Brasil. "Foram dias difíceis. Nós achávamos, por algum momento, que não conseguiríamos", admitiu.

Segundo Pedrinho, faltou comida em alguns dias e isso foi difícil para as crianças. O maior desafio era não ter uma perspectiva. "Não sabíamos o que fazer, não tínhamos como reagir, então, creio que essa foi a maior dificuldade. Não ter um plano, não ter uma saída e ficar refém daquilo dia após dia", contou.

A ajuda do governo brasileiro foi colocada em xeque. "A situação foi muito complicada. Muitos governos, como o de Portugal, reagiram rapidamente, tiraram suas pessoas de lá e nós ficamos três dias no sufoco, complicado. Claro, no fim, eles tiveram alguma influência. Para falar a verdade, não sei explicar muito bem em qual momento. Mas, no começo, eles poderiam ter reagido melhor", ponderou.

O jogador destacou o auxílio da Uefa em busca de transporte para fora da Ucrânia. "A UEFA nos ajudou bastante com ônibus, hotel, para que a gente pudesse seguir em segurança", lembrou.

Ele finalizou dizendo que é muito cedo para falar sobre pretensões de voltar a jogar na Ucrânia ou mesmo na Europa. "Tudo aconteceu agora. O que eu mais quero é estar com a minha família, meus pais. Todas as vezes que eu falava com eles, sempre me despedia porque não sabia se seria a última vez. Quero esfriar a cabeça, poder estar com a minha filha porque são cenas lamentáveis. Desejo que ninguém passe por isso", encerrou.

Outros atletas, como Maycon, ex-Corinthians, e o zagueiro Marlon chegaram ao país. "Sensação de terror e de desespero a cada momento. Escutávamos barulhos de caças e de bombas. Era uma situação horrível. Alguns se arriscaram. O Junior Moraes foi atrás de alimentos, fraldas pra crianças e aí ficamos mais tranquilos e nos unimos para mantermos a calma e conseguir uma solução", relatou o zagueiro ao desembarcar no Rio.

Júnior Moraes, que vive na Ucrânia há mais de uma década, tem nacionalidade local e poderia ser convocado pelo exército ucraniano, mas cruzou a fronteira. Na última sexta-feira, quando começou a guerra, reportagem do Correio mostrou que o Brasil tem 43 jogadores vinculados a clubes ucranianos na primeira, segunda e terceira divisão.

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