"Política de Estado, não de governo"

Presidente do COB pede perenidade ao avaliar disputa pelo Palácio do Planalto, defende mandatos de até oito anos nas confederações e fala sobre as relações estremecidas com a CBF depois da crise do uniforme

Marcos Paulo Lima Enviado especial*
postado em 24/03/2022 00:01
 (crédito: Miriam Jeske/COB)
(crédito: Miriam Jeske/COB)

Salvador — Aos 71 anos, o professor de educação física e judoca (8º dan) Paulo Wanderley Teixeira tem um desafio na gestão à frente do Comitê Olímpico do Brasil: quebrar, em Paris-2024, o recorde de 21 medalhas do país em Tóquio-2020 — sete ouros, seis pratas e oito bronzes. O primeiro passo foi dado pelo COB no último fim de semana. A capital baiana recebeu a segunda edição do Congresso Olímpico Brasileiro a fim de debater erros e acertos na caminhada até a abertura dos Jogos na França, em 26 de julho de 2024.

Em entrevista exclusiva ao Correio na última sexta-feira (18/3), o presidente da entidade falou sobre o impacto da acirrada disputa pelo Palácio do Planalto, provavelmente entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no planejamento da instituição. Segundo ele, 85% da captação de receitas do COB vem de recursos públicos, contra 15% da iniciativa privada. O dirigente potiguar defende o mandato de, no máximo, oito anos nas confederações conveniadas ao governo federal e fala em oxigenação até mesmo de funcionários. Um deles, inclusive, foi demitido por ele quatro dias depois desta entrevista. O diretor de esporte Jorge Bichara trabalhava no COB desde 2005. Além do substituto de um dos mentores dos recordes de medalhas do Brasil no Pan de Lima-2019 e em Tóquio-2020, está na fila o anúncio de um diretor exclusivo para a área de marketing.

Na conversa a seguir, Paulo Wanderley também fala sobre a relacionamento estremecido com a CBF depois que a Seleção Brasileira recebeu ordem para não exibir o agasalho da fornecedora de material esportivo chinesa Peak, no pódio, ao receber a medalha de ouro. Apesar da crise, o contrato está de pé, porém ocorre uma batalha jurídica nos bastidores.

Quando assumiu o COB, o senhor afirmou que não era momento de apontar dedos, mas de dar as mãos. Que balanço faz da sua gestão?

Temos entrelaçado os dedos, sim. Com a comunidade do esporte todo. Temos um bom relacionamento com o Comitê Paralímpico (CPB), com a CBDU, a CBDE, com o Comitê de Clubes e com os atletas. Houve um chamamento muito forte para eles integrarem a estrutura do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e é nessa batida que a gente segue. É do esporte? Conversa primeiro, vem para dentro e vamos discutir. Temos avançado. Nós propusemos isso e estamos seguindo.

O Governo Federal criou a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Imagina um plano semelhante a fim de captar recursos internacionais para o esporte olímpico?

São situações distintas. Nós somos entidades privadas sem fins econômicos. Isso é bom para nós. Temos algumas prerrogativas. Isenção fiscal, por exemplo. Isso é importante para o esporte olímpico. A maioria das modalidades olímpicas não tem exposição suficiente, a pluralidade necessária para trazer investidores. É mais correto estarmos dentro das normas reais. É uma dicotomia. Como vamos sair da sociedade econômica sem fins lucrativos para entrar na seara de fins econômicos? Tem lucro. Eu acho que isso não funciona para os nossos problemas. É outro caminho. Não é que não seja bom, é diferente. Temos o Novo Basquete Brasil (NBB), por exemplo, que é mais profissionalizado, mas é uma entidade à parte, não é da nossa nossa praia.

Uma Sociedade Anônima Olímpica, por exemplo, seria inviável…

A gente pensa em dar sustentabilidade ao esporte, sim, mas não com esse caminho. O futebol é um esporte essencialmente profissional. Nós estamos nos profissionalizando. Os atletas recebem, mas é bolsa daqui, bolsa dali, é um trabalho numa empresa que ele não vai, enfim, é diferente. Não é ruim, não. Eu não estudei como o futebol vai fazer isso, mas a gente entende que o futebol tem um mercado, é profissional, uma situação totalmente diferente do esporte olímpico.

Hoje, para receber recursos das Loterias, as confederações precisam ter trocas de comando no máximo a cada oito anos. Qual é o impacto na profissionalização?

Eu acho que a oxigenação, em qualquer entidade, é muito bem-vinda. Inclusive de funcionários. Tem que haver ideia nova, Agora, é importante ter oxigenação com qualidade. Sou favorável, sim, a essa oxigenação do esporte. E sim, quem tem convênio com o governo, principalmente, tem que obedecer essa lei. É um mandato e mais um, e até logo.

Que lugar as verbas das loterias ocupam no ranking de captações do COB?

Um lugar de pódio. O recurso oriundo das loterias Caixa é o primeiro aporte de recurso do COB e tem uma sequência também para as entidades.

Há patrocinadores oficiais privados como a XP, a Peak e a New On. Qual é o percentual entre os recursos públicos e privados.

Comparando público e privado, 85% x 15%, é por aí.

Até que ponto a aprovação dos jogos de azar é um ganho para o esporte olímpico?

Os estudos apontam que sim. Vamos ver na prática? No passado, os bingos também tinham isso. Olha o rolo que deu. Os estudos, as informações que temos, são de que é positivo. Eu sou sempre a favor de esperar. Nessa seara, nunca serei o primeiro.

Verifica-se que nossos melhores tenistas chegam a captar até US$ 500 mil anuais no circuito internacional. Atletas desse nível precisam de Bolsa Atleta?

Isso é humano. Pergunta a um xeque árabe se ele está suficiente com os poços de petróleo que tem. Ele vai dizer que não, precisar de mais. Você não pode dizer para a pessoa, 'pô você tá ganhando demais, vamos dividir esse dinheiro com a gente'. É difícil. É o órgão mais sensível do corpo humano, o bolso. É competência dele. O mercado aceita. Um jogador da NBA recebe milhões de dólares por ano. É fichinha o que o nosso pessoal ganha. O tênis tem apelo. A indústria da modalidade é poderosa. É sobrevivência. Não vejo problema nisso. Eles que tratem de subir igual. Se o cara ganha muito eu não posso dizer: 'deveria ganhar menos, hein'.

O Senado começou a analisar a Lei Geral do Esporte. O COB tem sugestões?

A Lei Geral do Esporte transcende a década. E parece que, agora, vem nos empurrões. O COB, lá atrás, não era nem na minha gestão, fez contribuições, mas você sabe que, quando ela vai para embate e o debate, a grande expectativa que fica é: quais são as emendas que virão? Essa é a questão. As boas ideias vão lá para dentro e começam a procriar de uma forma incrível. Então, é outro assunto que eu tenho a minha cautela.

O Brasil foi bem nos Jogos de Tóquio, 21 medalhas, recorde, e conquistas inéditas, como ouro em águas abertas, skate, boxe. Natação, judô e vôlei de praia poderiam ter melhorado muito esse desempenho. O que houve?

Em Londres-2012, a natação teve duas medalhinhas. Na Rio-2016, não. Em Tóquio-2020, três medalhas. Duas na piscina e uma no mar. Evoluiu. Pode crescer mais? Evidentemente. É uma modalidade que tem muitas disciplinas, provas. A possibilidade deles é grande, realmente. O vôlei de praia é um problema do histórico. O judô também. Eu fui presidente de uma confederação que, desde 1984, sobe no pódio. E continua subindo de patamar.

O que faltou a modalidades específicas como o vôlei de praia?

Eu acho que isso é muito mais uma questão de safra, entressafra, de dar um azar. E essa nossa cultura futebolística que você tem que ser primeiro. Quinto lugar você disputa medalha. Pelo menos no judô é assim. Mas essa pergunta vai ser melhor respondida pela própria entidade. Devolvo a bola.

Na prática, esportes como tênis, hipismo, triatlo, vela… oferecem premiações em dinheiro em eventos internacionais. Como explicar que atletas profissionais, inclusive nos ganhos financeiros, sejam contemplados com verbas públicas? Um atleta em iniciação ganha R$ 360 mensais. A matemática não é desproporcional?

Foi criada na nossa gestão uma área de desenvolvimento. Engloba exatamente os atletas que ainda não chegaram, que estão chegando. Tem um olhar para todas as modalidades. O processo é discutido com as entidades… Nós temos a nossa orientação. Nós achamos assim, mas pode ser que eles achem que não. A parte que nos compete é dar possibilidades. Não é só a questão dos Jogos Olímpicos. O COB dá muitas possibilidades ao esporte brasileiro. Nosso calendário de eventos é muito grande. A gente investe muito nos atletas. Não só os de excelência, de performance, mas de outras modalidades, como basquete, judô ou hóquei na grama. Tem que haver via de mão dupla, corresponder.

Em Tóquio-2020, passamos a ter mais modalidades com pódios olímpicos. Isso acirra a disputa pelo rateio das loterias?

Sim. Um matemático coloca uma pontuação em função de resultados obtidos. Não é somente resultado olímpico, não, o resultado obtido no campeonato mundial… E aí vem decrescendo. Se você realiza competições internacionais ou não. Tem os valores esportivos que são catalogados. Na base também. Além disso, há questões da avaliação de gestão, governança. Isso melhorou muito. Nós temos um programa chamado GET, que é Gestão Ética e Transparência. São 13 critérios: 11 de ordem esportiva e dois de governança. Isso é cobrado das confederações. A gente ensina como fazer. Temos pessoal especializado. A destinação é de acordo com a meritocracia. Aliás, é um dos nossos pilares: meritocracia, austeridade e transparência. Otimização dos recursos humanos.

O Brasil terá uma das eleições mais acirradas da história, provavelmente entre Lula e Bolsonaro. Como o COB acompanha esse processo?

O esporte na sua constituição é apolítico. Não tem religião e não torcemos para ninguém. Não somos partidários dessa ou daquela religião ou desse ou daquele partido. Somos apartidários e não podemos ser diferentes. Hoje, você tem um programa, uma situação que está favorável, amanhã, o que não estava favorável, agora está. Somos isentos, não entramos na seara política. O COB trabalha com o que tem. Obedecemos a lei, seguimos estritamente o que está definido para nós cumprimos a missão.

O que espera do futuro chefe do Palácio do Planalto?

Acima de tudo, nós precisamos de política de Estado. Ponto. É o que está se buscando com essa Lei Geral do Esporte. Política de Estado, e não política de governo. O esporte precisa de perenidade. Que se mude, evidentemente, porque nada é imutável. Todo dia muda tudo. O pensamento melhora ou piora, dependendo da sua concepção, mas as coisas têm que ser mais perenes, não podem ser mudadas ao sabor de uma discussão acirrada, apaixonada. Principalmente chamar todos os envolvidos com esporte. Perenidade, tem que ser perene. Política de Estado. tamo junto.

Como está a relação com a CBF depois do episódio do agasalho na final do futebol?

Não houve problema nos Jogos do Rio-2016 porque era o mesmo patrocinador. Mudou. Eu não esperava aquilo. Eu estava no estádio. Já estamos em um momento, não de esquecer, porque isso (processo) está andando ainda. A maior preocupação nossa era com a renovação de patrocínios. Houve realmente um questionamento momentâneo da empresa no dia seguinte. Nós tivemos de contornar com muita habilidade e muita conversa. Foram inúmeros telefonemas. Conseguimos renovar o nosso contrato. Pode não ter sido da forma como a gente gostaria que fosse.

A disputa judicial continua…

Está rolando, mas temos que reconhecer os valores da modalidade. O futebol foi bicampeão olímpico. Isso não o exime. Até hoje, não identificamos quem foi a orientação, Não foi agradável, mas não é motivo de a gente romper o casamento. Tenho um bom convívio com alguns dirigentes do passado. Não tenho amizade com ninguém, mas um bom relacionamento. Quando eu entrei, fui lá (na CBF). Trocamos visitas. Não com o presidente, mas com o vice, o secretário-geral (ex, Walter Feldman). Eu já conhecia de outra época.

Está uma dança das cadeiras na CBF. Há chance de reaproximação?

Isso deu uma esfriada, mas já já tá morno de novo. Eu espero que, muito em breve, a gente se reaproxime. A gente passa. Isso aqui é temporário. Eu tenho essa convicção desde quando fui presidente pela primeira vez da federação de judô do Espírito Santo, em 1978. O tempo resolve tudo.

» O repórter viajou a convite do Comitê Olímpico do Brasil (COB)

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