Olhar para o futuro

Gerente de seleções da CBV, Julia Silva fala ao Correio sobre gestão consciente e engajada em questões como a igualdade de gênero. Ela é peça importante do processo que deseja retomar o topo da modalidade em Paris-2024

Victor Parrini*
postado em 14/06/2022 00:01
 (crédito: Divulgação/CBV)
(crédito: Divulgação/CBV)

Uma gestão consciente, com base teórica e ações visando o prolongamento dos êxitos. Não importa o segmento, esse é sonho de qualquer organização. Na realidade do esporte, essas são qualidades ainda mais requisitadas. No país onde o esporte é coisa séria, muitos gestores parecem cair de paraquedas, com pensamentos arcaicos e amadores, que só prejudicam o cenário. Mas o vôlei rema contra a maré de outras paixões nacionais. Com uma liga consolidada e popularidade crescente, a modalidade tem uma visão diferenciada, encabeçada por Julia Silva, gerente de seleções da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV).

Formada em Administração e Marketing pela Universidade de Tulsa e pós-graduada em Gestão esportiva pela Universidade do Alabama, ela sempre teve o esporte como objetivo profissional. Os aprendizados teórico e como ex-jogadora do Flamengo a credenciaram como nome forte para aumentar o nível administrativo da CBV.

Ao Correio, Julia fala sobre a importância do conhecimento teórico alinhado à prática na administração das seleções do esporte que mais trouxe medalhas olímpicas para o Brasil, ao lado do judô (24), em época de renovação para os Jogos Olímpicos de Paris-2024. Na última semana, o time masculino iniciou o clico na etapa de Brasília da Liga das Nações. De hoje até domingo, será a vez do feminino atuar no Nilson Nelson. Engajada nos movimentos de igualdade de gênero, a gestora também é inspiração na inclusão de mulheres no vôlei.

Como foi o início na CBV?

Retornei ao Brasil após 10 anos nos Estados Unidos. Estava sozinha e quis ficar próxima da família. Não queria deixar de trabalhar com vôlei e pensei na CBV. Consegui uma entrevista. O gestor gostou de mim, falou sobre a vaga, mas morar fora do país era um impasse. Me virei, arrumei minhas coisas e, em 2013, estava trabalhando.

E o caminho até a gerência?

Comecei na unidade técnica da Superliga, onde trabalhei dois anos na organização das competições nacionais. Em 2015, recebi o convite para ser supervisora da Seleção Feminina, que tinha os jogos Rio-2016 como o principal objetivo. Fiquei no cargo até 2016, com atribuições administrativas, cuidando de aspectos como logística e treinamento. Depois das Olimpíadas, me foi ofertada a função de gerente de seleções.

Como vê a responsabilidade?

Sou responsável não só pelas seleções adultas, mas também pela base. Atualmente, contamos com seis times: os principais, o sub-19 e o sub-21 para homens e mulheres. Tenho uma equipe de seis funcionários e me divido entre o Rio de Janeiro e Saquarema. Desde a apresentação da primeira seleção até a última, eu organizo. Acho importante estar próxima.

Tem boa relação com as comissões?

Costumo dizer que o meu trabalho é atender os pedidos dos treinadores. A função deles é me dizer qual é o mundo ideal e a nossa é como fazer chegar nesse mundo ideal ou o mais próximo possível dele em termos de estrutura para fazerem o dele trabalho deles.

Como aplica o aprendizado dos EUA no cargo?

Ter sido atleta, treinadora me deu mais bagagem para lidar com gestão. Entendo melhor as dores, as demandas, oportunidades. A teoria é ótima, pois te dá base de conhecimento. Porém, nada substitui a prática e a experiência de ter vivido a função. Não posso ser uma gestora que cai de paraquedas, sem saber como, de fato, é estar do outro lado.

Não ter a bagagem teórica e prática atrapalharia?

Talvez, se eu não tivesse tido as experiências em quadra, eu precisasse ser mais compreensiva em algumas questões. É óbvio que conhecimento é muito importante, mas acho que teoria e prática tem que andar lado a lado.

Qual foi a primeira impressão?

Quando assumi, em 2017, o cenário era muito desafiador, não só para mim, mas para a CBV. Todo final de ciclo olímpico é, porque há revisões de contratos e questões burocráticas. Assumi tendo experiência na Rio-2016, como integrante da comissão feminina. Isso facilitou. Mas como qualquer pessoa que assume um cargo novo, o meu objetivo inicial foi entender como as outras seleções funcionavam, a base e os processos. De 2017 para cá, revisamos os processos, compreendemos muitas coisas. Posso dizer que tenho outra mentalidade.

O trabalho está no rumo certo?

Acreditamos que sim. O objetivo é claro para todos envolvidos. Estamos muito focados na base. Obvio que as seleções adultas chamam mais a atenção, mas o nosso trabalho com as outras divisões não vão tirar nossa atenção dos elencos principais. A base é o que vai manter a roda girando.

Quais são os desafios?

Em quadra, não existem mais países que podem ser a grande força mundial. Com toda a globalização, desenvolvimento e técnicas, não existem mais bobos. Acredito que a questão física também um grande desafio. Não produzimos atletas com grandes estaturas, como outras nações. Fora das quadras, as distrações podem ser empecilhos. Os jovens estão muito ligados na tecnologia. Estamos vendo os números da prática esportiva cair e precisamos saber lidar com isso.

A CBV discute a saúde mental?

Temos quatro psicólogos que trabalham diretamente com as seleções. Existe um acompanhamento deles como membros das próprias comissões técnicas. Entendemos que a saúde mental é um treinamento mental, assim como os fundamentos. Encaramos o trabalho como uma parte do treinamento, levando muito a sério não só para os atletas, como para as comissões também.

Há promoção de igualdade de gênero?

É um dos pilares, com a chegada da Adriana Behar. O estímulo para a igualdade, diversidade vem desde o topo. Em 2022, pela primeira vez, contamos com duas treinadoras nas comissões de base, além das duas psicólogas que trabalham com os times adultos. Vamos continuar para incluindo mulheres nas funções de um mundo predominantemente masculino. Quando abrimos o processo seletivo para a escolha das profissionais, foi uma grata surpresa, não só para mim, mas também para os treinadores. Foi bom conhecer e ouvir as histórias de ótimas profissionais.

O Brasil voltou de Tóquio-2020 com a prata feminina e sem medalha no masculino. Como avalia?

Passamos por um período de transição. Sabemos que as expectativas são sempre grandes, pois a modalidade costuma trazer medalhas olímpicas. Não foi o caso em Tóquio-2020. Porém, temos que olhar calmamente. O quarto lugar com a Seleção masculina não reflete o ótimo trabalho no ciclo preparatório. Não adianta olhar apenas para os Jogos Olímpicos. Está longe de ter sido uma participação ruim.

O que pode dizer sobre a renovação?

Sabíamos que precisaríamos de uma renovação, principalmente nesse ciclo olímpico mais curto. Até temos a impressão de que Paris-2024 está longe, mas está batendo à porta. Tivemos a oportunidade de ver alguns atletas disputando os Jogos Pan-Americanos da Juventude no ano passado. Estamos muito otimistas, sabendo que é preciso ter paciência. Temos alguns pilares experientes que colaboram na sincronia com o time.

Almeja cargo para além da gestão de seleções?

O meu foco está em Paris-2024. Pensamos em curto, médio e longo prazo, mas confesso que evito fazer planos longos. Trabalho em uma modalidade esportiva que depende de resultados. Nosso planejamento é pautado nos ciclos olímpicos. Meu foco está em melhorar os processos e continuar o desenvolvimento dos atletas da categoria de base.

Como vê a modalidade no DF?

Brasília sempre produziu bons atletas para as seleções e vem sendo super presente na nossa temporada. Acompanhamos o cenário, conversamos com os profissionais e mostramos presença enquanto entidade. Buscamos entender como podemos ajudar, fomentar atletas, treinadores e nos aproximar de qualquer estado.

O casamento com a bicampeã olímpica Fabi

É interessante que as pessoas acham que eu e Fabi falamos de vôlei 24h. É o contrário. Evitamos, pois já é nossa vida. É tudo muito corrido. Eu fico muito ausente por causa de Saquarema. Mas é um convívio saudável. Ela é comentarista e tem uma função analítica, enquanto eu sou voltada para a gestão. Mas é obvio que o vôlei está presente na nossa casa.

Maternidade

A maternidade muda qualquer mulher. Uma criança tem um impacto muito grande na vida. Hoje, entendo e me coloco no lugar das atletas que também são mães e falo para aquelas que têm a vontade de se tornar: não abram mão por causa do esporte e da rotina.

* Estagiário sob a supervisão
de Danilo Queiroz

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