BRASILEIRÃO

Série A boicotou mulheres e estressou árbitros no primeiro turno

Levantamento da Associação Nacional de Árbitros (Anfaf) mostra que nenhuma mulher apitou na elite até a primeira metade do Brasileirão. Jejum só foi quebrado neste fim de semana na abertura da 21ª rodada. Sobrecarregado nas escalas cada vez mais restritas da CBF, juiz catarinense apitou em 17 das 19 partidas

Marcos Paulo Lima
postado em 07/08/2022 00:01 / atualizado em 07/08/2022 09:22
Melhor árbitra do país, Edina Alves Batista só voltou a figurar na escala da elite do Brasileirão neste fim de semana, na 21ª rodada -  (crédito: JUAN MABROMATA)
Melhor árbitra do país, Edina Alves Batista só voltou a figurar na escala da elite do Brasileirão neste fim de semana, na 21ª rodada - (crédito: JUAN MABROMATA)

No ano em que a Fifa rompeu definitivamente com o preconceito e convocou mulheres pela primeira vez para assumir o apito na Copa do Mundo masculina, de 21 de novembro a 18 de dezembro, no Catar, a Comissão Nacional de Árbitros (CNA) da CBF retrocedeu assustadoramente no primeiro turno da Série A. Um levantamento elaborado pela Associação Nacional dos Árbitros de Futebol (Anaf) mostra que nenhuma profissional entrou na escala das 190 partidas disputadas até a metade da competição. Todos os 26 juízes utilizados até então são homens. Dos 53 assistentes, só duas mulheres.

O tabu só foi quebrado ontem, no início da 21ª rodada do Brasileirão. Edina Alves Batista voltou à escala para apitar na derrota do anfitrião Juventude para o América-MG, por 1 x 0. O curioso é que, internamente, ninguém sabia ao certo porque as mulheres foram colocadas para escanteio no primeiro turno. Um figurão chegou a alegar a Copa América Feminina disputada como razão, mas o argumento não cola. O torneio continental foi disputado de 8 a 30 de julho. A primeira divisão começou em 9 de abril.

Edina Alves Batista não apitava na Série A desde 19 de setembro de 2021, ou seja, há quase um ano. A última aparição havia sido na vitória do Internacional sobre o Fortaleza, por 1 x 0, no Beira-Rio. Um dos motivos não assumidos para o sumiço dela das escalas seriam os erros cometidos, em fevereiro, no clássico entre Santos e São Paulo pelo Paulistão. À época, a Federação Paulista de Futebol admitiu que Edina deixou de assinalar dois pênaltis favoráveis ao Peixe. O tricolor paulista venceu a partida por 3 x 0.

Geladeira

Muito requisitada até então, ela passou a ser escanteada. Apitou apenas 8 jogos neste ano: um no Brasileirão Feminino, seis na Série B e um, ontem, na Série A. Aparentemente, o castigo chegou ao fim. Para se ter uma ideia, ela trabalhou em sete confrontos da elite em 2021, e em 15 na temporada de 2020. Selecionada pela Fifa para o Mundial de Clubes em 2021, ela esperava ir à Copa do Mundo neste ano. O castigo da CBF a prejudicou.

O Mapa da Arbitragem da Anaf traz outros dados preocupantes. Em 2021, a CBF utilizou 38 árbitros na Série A. A quantidade foi enxugada a 26 em 2022. Houve redução, também, na escala dos assistentes. Caiu de 74 para 53. Uma fonte da CBF ouvida pelo Correio alega questões econômicas. Uma outra fonte indicou que a entidade será cada vez mais seleta.

Estresse

Curiosamente, nesta semana a Comissão de Arbitragem enxugou o quadro de árbitros da primeira divisão em 38%. A medida pode gerar outro problema: o desgaste físico. Dados da Anaf mostram que o catarinense Braulio da Silva Machado trabalhou em 17 jogos nas 19 rodadas do primeiro turno. Levando-se em conta que ele é requisitado para jogos da Libertadores, Sul-Americana e outras competições, a sobrecarga emocional é pesada.

Um outro problema é a concentração regional na definição das escalas. O levantamento da Anaf mostra que São Paulo foi o estado mais presente nas escalas do primeiro turno com 39 escolhas. Santa Catarina (32) e Rio Grande do Sul (29) aparecem na sequência. A entidade de classe reclama que 14 estados não tiveram profissionais escalados e destaca a desigualdade. Em 2021, a concentração em juízes do eixo Sul-Sudeste era de 70,5% contra 29,5% do restante do país. Nesta temporada, subiu para 73,2% contra 26,8% no turno. Dos 26 utilizados, 10 são do Sudeste, 7 do Sul, 5 do Centro-Oeste e nenhum do Norte.

"Esses números são uma agressão a quem sonha e luta por uma arbitragem verdadeiramente nacional. Está claro para nós que o sotaque e o gênero têm pesado mais do que a competência na hora de serem feitas as escalas. Se estivermos errados nessa avaliação, desafiamos a CNA a mostrar os critérios que têm embasado as suas decisões na hora de distribuir as oportunidades na Série A", diz o presidente da Anaf, Salmo Valentim.

Nesta semana, o presidente da CNA, Wilson Seneme, convocou os árbitros para um período de reciclagem na Granja Comary, em Teresópolis, e conversou com a imprensa. Em entrevista ao ge.com, ele falou sobre a confecção das escalas. "Identifiquei muitos árbitros jovens, era de alto risco (apitarem). Cometiam erros e chamavam muito a atenção. Foi estratégia inicial reduzir esse grupo de árbitros para a gente poder ter mais garantias da prestação de serviço", alegou.

Sobre o enxugamento do número de árbitros e a possibilidade de sobrecargas como a de Bráulio da Silva Machado, ele admitiu o risco. "Equilibrada como está a tabela, eles (árbitros) sabem disso, o sacrifício tem que existir neste momento. É uma estratégia momentânea. Os clubes passam por isso. Vai me dizer que um jogador que joga quarta e domingo, no domingo ele não vai estar cansado um pouco da quarta? Claro que ele vai estar cansado, mas existe essa superação. A gente se preocupa com isso e vai controlando dentro do possível esses descansos que a gente tem que dar para cada um", alegou.

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