Doha — "O que acontece em Las Vegas, fica em Las Vegas." A icônica frase pode ser adaptada à concentração em que a Seleção Brasileira ficou hospedada durante 21 dias, no Catar, na campanha do sétimo lugar na Copa do Mundo — a pior desde 1990.
Vinte e quatro horas depois do check-out de Tite, Neymar e companhia, o hotel era uma caixinha de segredos. Um compliance pesadíssimo no Westin Doha Hotel & Spa torna quase impossível arrancar alguma história da boca de um funcionário sobre a passagem da delegação pelo enorme complexo. Muito menos se aprofundam na relação deles com os badalados hóspedes. A reportagem esteve lá, ontem, para conferir a retomada da rotina 24 horas depois do adeus.
Para o Brasil, o prejuízo foi esportivo. No caso do hotel, financeiro. A partir das oitavas, as diárias são renovadas de acordo com a classificação (ou não) de cada seleção. O adeus representou perda. A diária varia de R$ 3,5 mil a R$ 12,4 mil. Além da grana, havia exposição diária da marca.
O semblante de alguns colaboradores estampa a vontade de contar boas histórias, mas também o temor de perder o emprego. A maioria deixou Índia, Bangladesh e Malásia em busca de serviço no Catar. Todos falaram sob anonimato e pediram para não ser fotografados.
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Um deles revelou uma regra: deixar o aparelho celular guardado ao bater o ponto e só retirá-lo ao fim do expediente. Há quem sofra horrores com isso. Um fã assumido de Neymar, por exemplo, lamenta ter topado quase diariamente com o craque e não ter imagem de recordação. Entre a idolatria e o emprego, óbvio, ele preferiu se enquadrar às regras da casa para sobreviver.
A reportagem deu a volta completa nas áreas externas antes blindadas pela Fifa e a segurança na passagem do Brasil pelo hotel. Um setor havia sido fechado para garantir privacidade total. Ficava cercado com uma grade e outras barricadas policiais. Ontem, dois trabalhadores celebravam a volta ao cantinho deles na firma. Dizem que estavam com saudade.
Ambos foram deslocados para outra função. Até comemoram com sorriso de canto de boca. Dizem que o serviço interno lhes deu o direito de conviver com o ídolo. Curtiram Neymar. Questionados sobre o que acharam dele, resumem em uma palavra: "simples". Ambos contam que acompanharam o esforço do camisa para voltar a jogar na Copa do Mundo.
Garçons costumam ter ouvidos e línguas afiadas. Não no hotel da Seleção. A boca deles é um túmulo. Estão ali para servir, não para falar da vida privada. Desconfiado, um diz que viu, sim, os jogadores, mas é curto e grosso: tudo o que sabe é que eles foram embora no sábado. O outro se diverte. Relata que sempre achou Neymar mais alto. Ao vivo, considera baixinho.
Sentado em um carrinho de golfe, um funcionário tira hora de descanso dedilhando o celular. Entre o sobe e desce do indicador na tela, diz entre os dentes, de cabeça baixa, que viu quase todos os jogadores caminhando para lá e para cá, principalmente, na folga. A conclusão dele é de que todos são muito simpáticos, educados, divertidos, alegres. Encanta-se, também, com a cor do cabelo de alguns deles no estilo platinado. Recorda ser até difícil diferenciá-los.
O compliance depois da passagem da Seleção pelo complexo é o mesmo dos dias seguintes ao check-in. A reportagem transitou mais de uma vez pela recepção e áreas comuns do hotel enquanto o elenco estava lá. Todos davam a menor quantidade possível de informações. O argumento era o mesmo: questões de segurança. As travas delimitando o espaço separado para a torcida e a imprensa não mais existiam. Havia muito silêncio. O calor humano da primeira noite deu lugar ao frio e ao vento gelado no deserto. Culpa de uma Seleção que se foi tão cedo.
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