FUTEBOL

Série A vive racismo estrutural com a presença de apenas um técnico negro

Vanderlei Luxemburgo, do Corinthians, é o único treinador negro entre os 20 clubes da primeira prateleira nacional. Engajados na questão, Roger Machado e Marcão alertaram sobre isso

Victor Parrini
postado em 26/05/2023 06:00
 (crédito: Mailson Santana/Fluminense FC)
(crédito: Mailson Santana/Fluminense FC)

O país que acusa a Espanha de racismo por conta dos reiterados ataques a Vinicius Junior e a outros jogadores é o mesmo que conta com apenas um treinador negro empregado na elite do futebol nacional. Dos 20 donos de pranchetas na Série A do Campeonato Brasileiro, apenas Vanderlei Luxemburgo, do Corinthians, "desafia" o problema estrutural nos clubes e à beira do gramado.

A situação nos bancos de reservas dos times do primeiro escalão do país não condizem com a realidade. Embora dados de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontem para uma população majoritariamente negra, com 54%, a representatividade entre os "professores" do futebol pentacampeão mundial é quase nula.

Luxemburgo é o único efetivo. Mas existe outro personagem negro que costuma aparecer à beira dos campos do país. Marcão é auxiliar fixo do Fluminense e, nos momentos de necessidade, socorre o Tricolor das Laranjeiras. Em 2021, ele lamentou o contexto no país. "Não era para ser assim. Mas a gente sabe que há muitos outros muito capacitados que poderiam estar sentados nestas mesmas cadeiras que nós. No país do futebol, onde a maior parte é negra, ainda temos que reforçar isso a todo momento", ressaltou.

"É lógico que a gente clama por igualdade, por excelência nos estudos. Temos que estar sempre melhorando e nos capacitando para que no momento que a oportunidade surgir isso se iguale. A partir do momento em que a gente está aqui nessa cadeira, acaba se tornando normal. Até chegar aqui, até a oportunidade aparecer, a gente sabe que ainda há uma barreira", lembrou Marcão.

É uma questão de racismo estrutural, quando grupos são discriminados e desfavorecidos na organização política, econômica e educacional de uma sociedade. Embora negros ainda sejam maioria dentro das quatro linhas, fora dela, as oportunidades são menores. Afinal, trata-se de cargos de gestão, direção em um mundo corporativo velado pelo apelo esportivo.

A falta de mão de obra, porém, não é um problema. O país tem profissionais competentes para comandar os principais times do cenário. Lembra de Cristóvão Borges? Ele integrou a comissão técnica que guiou o Vasco ao título inédita da Copa do Brasil, em 2011. No ano seguinte, assumiu o boné e colocou o Cruzmaltino entre as principais equipes da América com a campanha de quartas de final da Libertadores, quando caiu diante do campeão invicto Corinthians.

Cristóvão ainda acumulou rodagem por Athletico-PR, Bahia, Fluminense e o próprio Corinthians. Em 2022, treinou o Atlético-MG. Depois, ficou três anos desempregado até fechar com o Figueirense. Foi demitido em março e está novamente no mercado. Essa também é a situação de um campeão brasileiro pelo Flamengo. Mentor do hexacampeonato em 2009, Andrade não comanda times profissionais desde 2017. A última experiência foi há seis anos, pelo Petrolina-PE.

Jair Ventura está aberto a conversas. Não treina equipes desde a saída do Goiás em novembro do ano passado. Outro treinador negro escanteado no Brasil é Roger Machado. Engajado em questões sociais e raciais, o ex-lateral esquerdo está disponível desde setembro, quando foi substituído por Renato Portaluppi no Grêmio. Roger revelou ter a capacidade profissional questionada pela cor da pele.

"No campo, a gente tem 50% de brancos e 50% de negros. Só que quando o campo acaba para ambos, nessa estrutura social do futebol, a gente olha para o topo da pirâmide e vê que os filtros começam a aparecer. Isso sempre me chamou a atenção e passou a me incomodar depois que virei treinador. Naquele espaço, muitas vezes era só eu que estava ali. Não tinha essa mesma proporção de representatividade que o campo dava. Isso, para mim, mostra que temos um filtro, e esse filtro é a cor (da pele)", ressaltou em 2022.

Para Roger, o futebol é reflexo da sociedade. "A representatividade da população negra em outras áreas é muito parecida com a do futebol. Quando negros e brancos decidem ascender na pirâmide social, os filtros começam a aparecer. São os filtros da ideologia que criou o racismo e que atribui ao negro uma condição de menor inteligência, menor capacidade de liderança e gestão, justamente as competências de um treinador de futebol", explicou.

A Série A do Campeonato Brasileiro tem apenas um treinador negro empregado. Dá para dizer que foi por acaso, pois Vanderlei Luxemburgo não foi contratado pensando no trabalho médio ou longo prazo. Chegou para apagar o fogo após a saída de Cuca e a forte rejeição ao próprio Roger Machado. O gaúcho teve negociações avançadas com o Corinthians, mas viu a diretoria recuar diante do posicionamento da torcida.

Preferência gringa

Um entrave para a maior presença de treinadores negros no futebol brasileiro pode ser a moda estrangeira. Os gringos estão em alta devido aos sucessos recentes dos portugueses Jorge Jesus, no Flamengo, e Abel Ferreira, no Palmeiras. A atual disputa da Série A começou com 11 estrangeiros entre os 11 treinadores efetivos no cargo. Os gringos, inclusive, são os mais cotados para assumir a Seleção Brasileira.

A CBF tem o italiano Carlo Ancelotti, do Real Madrid, como plano "A". Jorge Jesus e Abel Ferreira também tem os nomes comentados nos bastidores da entidade, assim como Fernando Diniz, único brasileiro. Vale ressaltar, também, que o último técnico negro da Seleção Brasileira foi Vanderlei Luxemburgo, de 1998 a 2000. De lá para cá, em Copas do Mundo, estiveram à frente do escrete canarinho: Zagallo, Felipão, Parreira, Dunga e Tite.

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