TÊNIS DE MESA

Atleta trans disputa a última competição feminina de tênis de mesa

Primeiro atleta trans da modalidade, Luca Kumahara faz "turnê" de despedida do calendário feminino com a participação no Mundial de Durban, na África do Sul. Ao Correio, ele desabafa sobre o tema e vislumbra a nova fase da vida

O Campeonato Mundial de Tênis de Mesa 2023, em Durban, na África do Sul, é um marco para o esporte brasileiro e mundial. Luca Kumahara, um dos principais nomes das modalidades, com três Olimpíadas no currículo (Londres-2012, Rio-2016 e Tóquio-2020), disputará, pela última vez, uma competição oficial do calendário feminino.

Isso porque o atleta iniciou o processo de transição de gênero no ano passado e anunciou publicamente a intenção de ser identificado pelo nome social Luca Kumahara. O nome de batismo, Caroline, ficou para trás com a disputa na África do Sul. Para quem está costumado a golpes firmes com a pequena raquete, esse foi um golpe de coragem. O paulistano de 28 anos se tornou o primeiro atleta trans da história da modalidade.

Quando retornar da despedida das disputas femininas na África, o brasileiro iniciará os procedimentos de hormonização para estrear nos torneios masculinos. Contente pelo novo passo na carreira, a figura olímpica do Brasil compartilha um pouco da intimidade com retrato da infância e projeto a sequência da jornada no esporte.

Luca foi uma criança que encontrou dificuldade para entender os próprios sentimentos. Ele revela ter tentado decifrar as mensagens do próprio subconsciente a respeito de como se sentia e se identificava. "Sempre me senti como um menino, e, por isso, ficava um pouco deslocado perto de outras meninas, não me identificava", compartilha.

Embora se reconhecesse como homem há um bom tempo, tomou a decisão de iniciar o processo de transição aos 26 anos. Um dos maiores motivos foi a sensação de não se sentir pertencido ao tênis de messa, diante do sucesso de tentar se "conectar" com as demais atletas. "O esporte é algo muito binário, muito dividido entre os gêneros. Ou é um, ou é outro. Sempre foi muito duro me identificar como menina, além de estar jogando em uma categoria feminina e ser tratada no feminino", explica.

Kumahara conta que a mudança fez bem para o âmbito pessoal e profissional. Ele conta finalmente ter conseguido receber o tratamento que gostaria, da forma como sempre se identificou. A situação traz leveza para a rotina. "Depois disso eu comecei a jogar melhor, inclusive, me sentindo mais livre e mais solto para ser o quem sou, quem sempre fui", discursa.

Decisão antecipada

Como nem tudo são flores, Kumahara compartilha que colocou um prazo para dar sequência ao processo de transformação. As Olimpíadas de Paris eram a data limite para o mesa-tenista seguir o procedimento. Caso se classificasse, começaria depois da competição, mas caso não a alcançasse, começaria imediatamente. No entanto, percalços no meio do caminho fizeram com que ele mudasse de ideia.

Luca conta que um episódio envolvendo a diretoria da Seleção Brasileira feminina de tênis de mesa, em abril, foi determinante para se despedir do time na África do Sul. "Pela primeira vez, tivemos um treinador realmente bom, de quem todos do grupo gostavam, o (Hideo) Yamamoto. Mas a Confederação decidiu dispensá-lo da equipe, sem consultar a gente", reclamou. Jorge Fanck assumiu o lugar de Yamamoto.

O trabalho de Yamamoto, segundo o mesa-tenista, era muito positivo e promissor. Apesar de ter argumentado contra a decisão da entidade que rege o tênis de mesa brasileiro, Kumahara não teve sucesso. "Não fomos escutados. Foi um golpe muito duro, independentemente de quem entrou e de quem saiu. Para mim, foi uma falta de consideração muito grande com o nosso trabalho. Até hoje não consegui aceitar isso", frisa.

Agora, Luca se prepara para disputar a última competição pelo feminino antes de realizar o sonho. Ainda sem saber como serão os próximos passos para continuar representando o Brasil no esporte, o paulistano tem consciência do próximo passo. Ao finalizar a hormonização, fará a transição para a equipe masculina do clube pelo qual atua: o Priego de Córdoba, da Espanha.

"Vou tentar me desenvolver o máximo possível. Mas sobre a Seleção (masculina) vou ter calma, são muitas coisas envolvidas. Não quero dar um passo maior do que a perna. Vou pertencer a um lugar onde sempre quis estar", pondera Kumahara.

Campanha na África do Sul

Luca estreou com derrota. Ontem, caiu diante da dominicana Adriana Diaz, por 4 sets a 1. Hoje, às 9h30 tem compromisso pelos 16 avos da disputa de duplas mistas, com Eric Jouti, contra os indianos Batra e Gnanasekaran. Uma hora e meia antes, encara as belgas Dragoman e Samara, ao lado de Bruna Takahashi, no round entre os 64 melhores pares femininos.

*Estagiário sob a supervisão de Victor Parrini