No próximo domingo, o vôlei de praia brasileiro vai completar dois anos de uma era iniciada para reencontrar o caminho das medalhas olímpicas. Alçado pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) ao cargo de gerente da modalidade em agosto de 2021, Guilherme Marques, 54 anos, mesclou a experiência dentro e fora das quadras na missão de recolocar o esporte no trilho das conquistas visando a próxima edição olímpica.
Mineiro de Juiz de Fora, o medalhista de bronze em Barcelona-1992 percebeu a afinidade para a gestão ainda nos tempos de jogador. O gosto de mergulhar na engrenagem do vôlei de praia, aliado à formação em Engenharia e à experiência de mais de 10 anos em cargos na CBV, no comitê organizador da Rio-2016 e no Comitê Olímpico Brasileiro (COB) nortearam o trabalho de valorização geral da modalidade no Brasil e o ajudaram na missão.
Em entrevista concedida ao Correio durante a etapa de Brasília do Circuito Brasileiro, em julho, Guilherme Marques fez um balanço das conquistas dos dois anos como gerente do vôlei de praia na CBV e dos desafios na rota rumo a Paris-2024.
Qual raio-x você faz dos dois anos como gerente da CBV?
A evolução demora um pouco mais do que em outras indústrias. O sucesso do esporte você percebe com tempo de trabalho. A gente mexeu um pouquinho na engrenagem, com a proposta nossa do sistema mais desafiador para todo mundo. Trouxemos essa sensação de pressão, a conquista por pontuação. Se você vai bem, isso favorece para crescer no ranking. Se não vai, vem alguém mais debaixo e sobe. A gente produz mudanças para que os atletas comecem a ganhar experiência esportiva. Um garoto de 20 anos que saiu da categoria de base e inicia a carreira adulta pode vivenciar os desafios para melhorar esportivamente. Uma percepção minha e o que eu tenho recebido desses atletas novos, de treinadores com uma opinião de fora do sistema, é um feedback muito positivo.
Quais os impactos esportivos?
Criamos duas competições (Torneio Aberto e Top 12) que ocorrem em paralelo e proporcionam momentos importantes. Em um campeonato onde todos jogavam juntos, quem tinha menos pontos fazia duas partidas, perdia e ia embora. Quando a gente dividiu, esse grupo passou a ter quatro, cinco partidas, experimentando uma semifinal, uma final. Isso para o desenvolvimento é fundamental. É o fruto que a gente espera colher daqui a algum tempo. O nível das competições sempre levou os nossos atletas a ficarem no topo da carreira internacional, com as conquistas dos campeonatos mundiais, olímpicos.
Chegou a enfrentar resistência ao implementar ideias?
Todo começo causa certa estranheza. Todo mundo defende o seu interesse. Mas isso acalmou, as pessoas compreenderam e é quando a gente vai aperfeiçoando o modelo a cada ano. Era muito tempo fazendo da mesma forma. A nossa mudança veio no mesmo momento da Federação Internacional. A gente aumentou um pouquinho mais este ano em quantidade de vagas. São 28 premiados. Isso deu mais conforto para os atletas e, hoje, é uma aceitação boa.
Não tivemos medalhas em Tóquio-2020. Há pressão para voltar ao pódio em Paris-2024?
Tem em todos do ambiente. Na CBV, nos atletas, nos técnicos. Às vezes, você faz um excelente trabalho e a medalha não vem. Em outras, faz um trabalho não tão bom e vem. Com a falta de medalhas em Tóquio, veio a primeira sensação de que está tudo errado e não é verdade. São momentos particulares. A pandemia desestabilizou várias duplas. Foi um ano atípico. A gente percebe os resultados da Duda e da Ana Patrícia, o masculino conquistando medalhas. Estamos competitivos. Vamos trabalhar com a confiança que retomaremos o lugar do Brasil no pódio olímpico.
Em 2021, o Alison Mamute pediu reflexão da modalidade no Brasil. Foi um pouco antes de você assumir. Como você enxerga o papel de contribuição dos atletas?
É o tempo inteiro. Têm atletas com mais vivência, que gostam de participar. Quando fui jogador, após decidir parar, a primeira coisa que veio na minha cabeça foi ir para o outro lado. Me considerava participativo como colaborador, dando sugestões. E temos atletas com essas características. Treinadores que gostam de sentar, dar uma sugestão, entender esse processo. Acho que estamos em uma sintonia muito boa. É importante quando a gente defende as ideias. Este ano, é muito emblemática essa boa negociação. Com esse astral, criamos algumas competições extras para desenvolver mais o aspecto competitivo, dar chance para novos atletas.
Você tem experiência no COB, na Rio-2016... qual o peso disso?
Eu tive a oportunidade de começar a me dedicar exclusivamente ao vôlei de praia como atleta e terminar a faculdade. Eu sou engenheiro. Nessa época, o vôlei de praia deu um boom. Foi em 1992, com a criação do circuito. Mas esse meu lado de participar foi o que me chamou atenção. A carreira de gestão esportiva nem existia e eu pensei "é isso que eu gosto". Quando eu parei de jogar, me aproximei da CBV. As pessoas acharam um currículo interessante, porque eu juntava vivência de quadra, do crescimento do esporte, modificações de regras, de premiações, com essa parte acadêmica, de números, de organização, de planejamento. O COB me deu um complemento dessa experiência do esporte brasileiro. Como funciona, as fontes de recursos, os projetos de lei, que hoje são fundamentais para a engrenagem esportiva. Isso facilita para te direcionar em um caminho.
O circuito deste ano ganhou uma roupagem nova. Qual é a importância disso?
Todos mudamos de tempos em tempos. A ideia foi trazer uma cara nova, aspectos estruturais, uma área VIP mais próxima da área de competição. A gente está tentando trazer o espectador para próximo da quadra para ele sentir a emoção do jogo, o barulho da bola na mão do atleta. Temos uma linguagem estratégica nas rede sociais, trazendo engajamento e de promover os nossos atletas. Trazer histórias de fora das quadras para as pessoas se identificarem e passarem a acompanhar. Estamos bastante ativos. Criando um hábito de valorizar o nosso produto. Isso tudo é uma mudança de cultura. O esporte olímpico brasileiro precisa disso.
A CBV tem a intenção de ampliar o circuito? Hoje, são nove etapas
Estamos entregando 15 eventos adultos este ano, entre nacionais e internacionais. As realidades mudaram. Quando eu jogava, eram 18 etapas, mas não existiam os mundiais. Dezoito etapas é muito para um atleta profissional. Temos 53 semanas no ano. Se eu pegar 18 só para o Brasileiro… Se olhar o calendário internacional, ele não comporta. No ano que vem, temos os Jogos Olímpicos. Um mês antes, todo mundo praticamente para. É um desafio. Acho que 10, nove etapas é um bom número para as principais duplas. Elas têm acesso a várias competições. Concordo em promover mais etapas para o grupo de entrada. Quanto mais entregarmos, melhor.
Os estaduais e regionais são caminho para as revelações?
O Campeonato Brasileiro, eu tenho que lembrar a todos, precisa ter, realmente, os melhores atletas do Brasil. E o que a gente via era um desejo das pessoas de participarem nas nossas etapas, mas com nível técnico muito baixo. Isso porque não tinham competições. A gente tem o nosso classificatório com inscrições de 50, 60 duplas. Conseguimos aceitar, no máximo, 40 no masculino e 40 feminino. Falei: "vamos ajustar isso". A gente precisa resgatar o valor dos campeonatos estaduais. Eu jogava um campeonato estadual no final de semana e não tinha necessidade de viajar. Os estaduais é que me fizeram despertar para o vôlei, tomar gosto, evoluir tecnicamente.
E aí entra a ajuda das federações?
Sem ajuda nos estados, a gente não vai conseguir jogar atletas de alto nível para o Brasileiro. Eu preciso ter uma máquina girando aqui embaixo e que jogue com bons atletas o tempo inteiro. A CBV tem 27 filiadas. Eu tenho que olhar isso como um ponto forte. Estamos ajudando financeiramente com R$ 15 mil de premiação para cada estadual. Os quatro primeiros ganham essa premiação e, além disso, recebe pontuação no circuito brasileiro sem sair de casa. Eu quero dar chance das pessoas fazerem isso jogando localmente. É caríssimo competir no Brasil. É começar a dar relevância para os estaduais. Antes, não tinha link com nada. Agora, tem ajuda financeira e em pontos.
A CBV tem um projeto de comissão técnica permanente. Como funciona?
Criamos uma comissão com o Leandro Brachola, campeão olímpico com o Alison e o Bruno. Ele é nosso supervisor. Temos fisiologista, estatístico, fisioterapeutas. Esse grupo está 60% do tempo focado na assistência das nossas principais equipes nas competições internacionais. Viajam, conversam com os atletas e os técnicos para a gente melhorar a performance e, no final, conquistar a medalha. Foi um arranjo muito interessante e damos um tratamento igual para todo mundo. As duplas têm as comissões técnicas próprias. Dá para criar uma equipe super especializada. Esse mesmo grupo dedica tempo às categorias de base. Temos nomes contratados pela CBV para monitorar e identificar os atletas. O sistema de competição inteligente é como a gente entende que consegue construir um vôlei campeão.
Isso vai impactar diretamente em Los Angeles-2028, Brisbane-2032...
Vai refletir. Em Paris, já vai ter frutos. Às vezes, uma conversa do Brachola com um técnico pode mudar o resultado de uma partida. Por exemplo, para o Lucas Palermo (técnico de Duda e Ana Patrícia) ter abertura com um técnico demora um tempo. Estamos há dois anos fazendo isso. Mais um ano, essa conexão traz resultados de curto prazo.
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