É hora do intervalo. Sai de cena o Campeonato Brasileiro e entra em campo a Data Fifa. A pausa de mais de 10 dias nos gramados do país pode ser lamentada pela ala de torcedores que detestam a janela de compromissos entre seleções, mas, para os treinadores, ela tende a ser comemorada. O período, claro, beneficia ajustes táticos, técnicos, mas também abre brecha para o cuidado com a saúde mental em períodos de extremo desgaste.
Ao colocar o cargo à disposição após a primeira derrota do Botafogo no Nilton Santos, no 2 x 1 para o Flamengo, o técnico Bruno Lage surpreendeu diretoria e torcida. Em pouco menos de dois meses de trabalho no Rio de Janeiro, o português revelou pressão e reforçou um quadro elevado de estresse entre os donos das pranchetas das principais equipes do Brasil.
"Sobre essa coisa de só olharem para o meu percurso no Botafogo, acho que é uma pressão muito grande sobre os jogadores. E isso não admito. Só há uma forma de libertá-los dessa pressão. Por isso estou aqui perante vocês. Não falei com ninguém, pensei muito e, neste momento, coloco o meu lugar à disposição do diretor", discursou na coletiva após o revés.
Momentos depois, Lage se reuniu com diretores botafoguenses e optou pelo "fico". A postura, no entanto, de cabeça quente ou não, segue a tendência. Em agosto, Jorge Sampaoli evitou projetar a final da Copa do Brasil contra o São Paulo e justificou que não saberia se ficaria no cargo até os jogos em 17 e 24 setembro. Outro estrangeiro no Brasileirão, o lusitano Renato Paiva costuma protagonizar momentos de tensão com jornalistas em entrevistas no Bahia. A torcida tricolor também não costuma aliviar as críticas ao treinador.
Na Data Fifa anterior, em junho, Eduardo Coudet tirou folga no Atlético-MG, mas não voltou à Cidade do Galo. O clima ruim nos bastidores provocou o rompimento precoce. Felipão assumiu o desafio e Coudet retornou ao Internacional. No domingo, após o empate sem gols com o Palmeiras, Luxemburgo voltou a subir o tom com jornalistas ao ser questionado sobre a sequência no clube e relação com os jogadores. No alviverde, Abel Ferreira parece passar longe do mantra "cabeça fria, coração quente". As coletivas do bicampeão da Libertadores com o time da Barra Funda costumam render rodada após rodada.
Mas a pergunta é: a Data Fifa pode aliviar o estresse dos professores à beira do gramado? Para o psicólogo do esporte Yghor Gomes, o calendário exige muito dos técnicos e os compromissos de seleções podem ser bem aproveitados para evitar sobrecargas. "O benefício é de que as pessoas possam realmente tirar um momento para refletir sobre o que precisam fazer, reavaliar. A folga e o descanso são necessários. Poder ter uma pausa com qualidade é importante. Parar só por parar, não. É parar para refletir e recuperar", explica.
Treinadores também são gestores. Os atos deles respingam no elenco. Gomes faz um alerta sobre essa realidade. "A máxima de estar bem para cuidar de alguém vale principalmente para a equipe técnica. Se estiverem estressados e sempre no limite, não conseguirão enxergar os problemas. Estarão sempre preocupados em responder às demandas", destaca.
Memória
Com grandes responsabilidades, vêm grandes pressões. É necessário que treinadores estejam com o fator psicológico em dia para colaborar de forma eficiente e fugir de novas doenças. Em 2006, Muricy Ramalho sofreu uma arritmia cardíaca. Dez anos depois, quando comandava o Flamengo, foi internado com o mesmo problema. Em 2016, foi diagnosticado com diverticulite — uma inflamação das bolsas no intestino grosso.
Ricardo Gomes sofreu um susto devido a uma inflamação nos vasos sanguíneos quando comandava o São Paulo contra o Palmeiras em 2010. Ficou duas semanas fora, mas o drama maior foi no ano seguinte, à frente do Vasco. O ex-zagueiro teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico contra o Flamengo e teve de deixar o Estádio Nilton Santos de ambulância. O episódio o afastou dos gramados por quatro anos. A lista do plantão médico também tem Telê Santana, Paulo Autuori, Cuca, Guto Ferreira, Oswaldo de Oliveira, Antônio Lopes, Abel Braga.
"O estresse é o grande vilão do século 21, causador de inúmeras doenças, não somente no ambiente competitivo. O mais importante é entendermos que o estresse precisa ser prevenido com cuidados para que o corpo possa suportar os momentos de pressão. O futebol, como qualquer outra modalidade, tem muitas cobranças internas e externas. É preciso ter o cuidado no dia a dia, com meditação, relaxamento, desligar de equipamentos eletrônicos e focar naquilo que traz paz e serenidade", alerta Gomes.
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