VOLTA ÀS AULAS

Retomada remota da UnB gera discussão sobre aulas ao vivo ou gravadas

Resolução deixa a cargo dos professores optar por sistema a usar e por modelo síncrono ou assíncrono. Alunos reclamam de excesso de plataformas

Mateus Salomão*
postado em 19/08/2020 10:00 / atualizado em 19/08/2020 16:02
Prédios da UnB estão esvaziados: semestre foi retomado em formato remoto pela primeira vez -  (crédito: Vinicius Cardoso Vieira/CB/D.A Press)
Prédios da UnB estão esvaziados: semestre foi retomado em formato remoto pela primeira vez - (crédito: Vinicius Cardoso Vieira/CB/D.A Press)

As aulas da Universidade de Brasília (UnB) retornaram de maneira remota na segunda-feira (17/8) e, antes da volta ou até mesmo na véspera, houve alunos que perceberam sinais de problemas. Há casos de professores que avisaram que não dariam aula nesta primeira semana e de docentes que alegaram problemas de conexão, entre outras questões, em e-mails enviados aos estudantes. Depois de tanto tempo sem aulas e com um bom período do anúncio da retomada, esse tipo situação gera estranhamento. 

Há discussões ainda sobre outras questões relacionadas ao ensino remoto. Por exemplo, a falta de plataforma única para as aulas. A continuação do primeiro semestre de 2020 a distância é fruto de decisão do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe). Na resolução que autorizou o retorno do semestre, ficou definido que professores tinham liberdade para determinar a forma que usariam para ministrar as aulas remotamente.

Plataforma Teams é uma das muitas que têm sido usadas no ensino remoto: alunos dizem preferir ter uma plataforma única
Plataforma Teams é uma das muitas que têm sido usadas no ensino remoto: alunos dizem preferir ter uma plataforma única (foto: Microsoft Teams/Reprodução)

Assim, há estudantes que relatam terem de usar até quatro plataformas diferentes ou mais. Segundo a resolução nº 0059/2020, estão autorizadas tanto a modalidade síncrona (com videochamadas e chats ao vivo) quanto a assíncrona (com o uso de videoaulas gravadas, sites e e-mail). Uma das principais desvantagens do segundo modelo é que ele se parece menos com uma aula presencial, em que os alunos conseguem interagir com o professor em tempo real para tirar dúvidas e participar.

A orientação da UnB é que professores deveriam avaliar os cenários de seus alunos e escolher o mais adequado. Tanto para alunos quanto para professores, o período de adaptação vai até 4 de setembro. Neste momento, estudantes se ambientam não só às diferentes plataformas (SIGAA, Teams, Google Classroom e Aprender 3), mas também ao modelo de ensino escolhido pelos professores.

Por aulas ao vivo

A estudante de gestão de políticas públicas Thayla Souza afirma ter preferência pelas aulas síncronas
A estudante de gestão de políticas públicas Thayla Souza afirma ter preferência pelas aulas síncronas (foto: Arquivo Pessoal)

A estudante do segundo semestre de gestão de políticas públicas Thayla Souza, 19 anos, até esta terça-feira (18/8), teve contato com três disciplinas. Porém, consegue definir uma preferência entre o modelo síncrono e o assíncrono. “O modelo síncrono é mais acessível no sentido de você poder ter um diálogo com o professor ali na hora. Fora que você pode deixar gravado e a pessoa que não puder assistir naquele horário pode assistir mais tarde. Na minha opinião, a melhor forma é o modelo síncrono”, afirma a estudante do segundo semestre.

Ela observa que a principal diferença entre os modelos é o contato com os professores e a possibilidade de tirar dúvidas na hora. A estudante pondera que, no ensino síncrono, é possível um contato que se aproxima um pouco mais do contato presencial. “Com certeza, o conteúdo gravado afeta o aprendizado. Por mais que a gente tente se adaptar, por mais que a gente tente dar o nosso máximo, neste novo modelo de retorno às aulas, não é a mesma coisa”, pontua. “Eu acho que muda um pouco a forma de aprender.”

Porém, a aluna pondera que, se pudesse mudar apenas um aspecto nas disciplinas, ela alteraria a falta de unificação de plataformas. Ela afirma ter dúvidas sobre onde terá as aulas. “Tem o Aprender 3, o Teams, e tem professores que estão dando aulas de formas muito variadas. Então, acaba que confunde bastante a cabeça da gente”, afirma.

O estudante de ciências sociais Carlos Davi Moreira prefere encontros ao vivo, mas aprova a mescla entre aulas síncronas e assíncronas
O estudante de ciências sociais Carlos Davi Moreira prefere encontros ao vivo, mas aprova a mescla entre aulas síncronas e assíncronas (foto: Arquivo Pessoal)

Carlos Davi Moreira da Silva, 18 anos, está no primeiro semestre de administração e prefere as aulas em tempo real. “O modelo síncrono se assemelha e é o mais próximo da sala de aula ao vivo. Ele cria um senso de pertencimento a uma sala de aula e acredito que aumenta o engajamento entre os alunos e professores”, pondera o estudante.

Para ele, a disciplina Introdução à ciência política é obrigatória e uma das que cursará agora. A matéria aposta em mesclar conteúdos assíncronos e síncronos. Apesar de preferir sessões ao vivo, ele acredita que esse formato não prejudicará o aprendizado. “Considero que os dois podem ser complementares. A matéria de introdução à ciência política faz isso muito bem”, avalia.

Conteúdos gravados

Vanessa, estudante de medicina veterinária, considera uma boa forma de aprendizado o sistema de aulas mistas, entre gravadas e ao vivo
Vanessa, estudante de medicina veterinária, considera uma boa forma de aprendizado o sistema de aulas mistas, entre gravadas e ao vivo (foto: Arquivo Pessoal)

A estudante do segundo semestre de medicina veterinária Vanessa de Jesus, 18 anos, está cursando Introdução à economia como matéria optativa. Os professores da disciplina escolheram um modelo que mescla aulas síncronas e assíncronas, o que ela considera uma boa forma de aprendizado. As sessões, de modo geral, serão gravadas, mas serão marcados alguns encontros ao vivo, durante os quais será possível fazer perguntas em tempo real.

“Considero uma ótima opção, pois quando se trata de EAD (educação a distância), há diversas circunstâncias que podem impedir um bom aproveitamento. Neste caso, as aulas gravadas ajudam para revisar depois”, afirma. “As atividades síncronas dependem de diversos fatores para que, em um dia e no mesmo horário, aquilo dê certo pra todos alunos.”

Ana Beatriz Ogélio, de ciências sociais, acha as aulas gravadas menos excludentes
Ana Beatriz Ogélio, de ciências sociais, acha as aulas gravadas menos excludentes (foto: Arquivo Pessoal)

Ana Beatriz Ogélio, 18 anos, estudante do primeiro semestre de ciências sociais, considera “o modelo assíncrono menos excludente às diversas situações que vivem os estudantes”. Também entende que “a forma síncrona exclui uma faixa de pessoas em diversas situações de vulnerabilidade”. Isso porque, na visão da estudante, muitas pessoas estão mais atarefadas em decorrência da pandemia. Ela dá exemplo de mães que não podem levar seus filhos à creche, mas que precisam estudar. Aulas gravadas dariam mais liberdade de escolha de horário de estudo.

Ana Beatriz está matriculada na disciplina de Introdução à ciência política e apoia o modelo misto implantado. Ela destaca que a principal diferença estaria na oportunidade de poder ter acesso ao conteúdo em outro momento por não ter conseguido acessar a aula em seu horário habitual. No entanto, as aulas ao vivo também podem ficar disponibilizadas para serem assistidas depois. Assim como outros estudantes, Ana Beatriz também é a favor de o uso de apenas uma plataforma para transmissão das aulas de modo unificado entre as disciplinas.

Liberdade dos professores

Segundo o coordenador da disciplina Introdução à economia na UnB, Pedro Zuchi, antes do início das aulas, os professores estabeleceram ministrar a disciplina por meio de alguns encontros ao vivo, aulas gravadas em que professores se revezam, textos e resolução de exercícios com monitores.

O coordenador conta que, nas aulas gravadas ocorrerá o revezamento entre professores de acordo com a especialidade de cada um. Sendo assim, professores lecionarão os conteúdos com os quais mais têm familiaridade, o que o coordenador considera um ganho para o aluno. “A ideia era estabelecer um conteúdo um pouco melhor com esses professores.”

Há estudantes e pais de estudantes que enxerguem nessa alternativa uma maneira de “diminuir o trabalho dos docentes”. Pois, se no modelo presencial, com várias turmas diferentes, era preciso dar a mesma aula para diferentes turmas, é possível reduzir parte do esforço fazendo gravações e, ainda por cima, revezando com outros colegas de equipe.

Pedro Zuchi argumenta que o modelo de assincronia será adotado por permitir que alunos que não conseguem ou que têm acesso lento à internet tenham mais facilidade de acompanhar as aulas. Ele reforça a ideia dando como exemplo uma casa onde o tráfego de internet em determinado horário fica congestionado por vários membros da família usarem a conexão. “Então, para ninguém ficar para trás, preferimos fornecer essas aulas gravadas”, diz.

O coordenador entende que, comparado ao ensino presencial, o aprendizado pode ser, sim, comprometido. Entretanto, ele destaca que, dentro de sala de aula, não existia um modelo em que tudo era gravado, permitindo revisões posteriores. Pedro afirma que ainda não é possível mensurar as perdas de aprendizado no ensino remoto. Ele acredita que isso poderá ser mais bem avaliado nas provas, que cobrarão conteúdos semelhantes a quando o ensino era feito de forma presencial.

Flexibilidade na elaboração do plano

Na disciplina Introdução à ciência política, foi adotado projeto parecido, mesclando conteúdos ao vivo e gravados. Assim como em Introdução à economia, a disciplina também não permite que cada professor desenvolva plano de aulas próprio, sendo necessário basear-se em um programa único desenvolvido conjuntamente com outros professores.

O coordenador do projeto unificado da disciplina de Introdução à ciência política, Thiago Trindade, relata os esforços na elaboração de um plano de ensino remoto
O coordenador do projeto unificado da disciplina de Introdução à ciência política, Thiago Trindade, relata os esforços na elaboração de um plano de ensino remoto (foto: Arquivo pessoal)

“A gente fez um esforço muito grande para construir um modelo em conformidade com a resolução do Cepe que deliberou sobre o ensino remoto mesclando atividades síncronas com atividades assíncronas”, afirma o coordenador do projeto unificado da disciplina de Introdução à ciência política, Thiago Trindade.

Ele conta que as 17 aulas baseadas em textos que estavam programadas para o semestre serão assíncronas. Sendo assim, os professores se dividiram na gravação de aulas em vídeos ou podcasts para serem disponibilizados aos alunos antes dos encontros. No horário da aula, o professor estará disponível para tirar dúvidas e conversar sobre o conteúdo gravado.

“A gente entendeu que o retorno remoto não é a situação ideal, não é o procedimento que a gente gostaria. A gente gostaria de voltar presencialmente, mas não há condições neste momento por causa da pandemia”, admite. “Então, a gente fez um esforço muito grande para adaptar o curso, que era de modelo presencial, para um curso remoto. A gente não simplesmente transpôs o programa de curso presencial para o programa de curso remoto porque isso é errado”, afirma o coordenador

Entre aulas síncronas e assíncronas, o melhor é fazer o aluno aprender

Segundo a ex-secretária de Educação do Distrito Federal e professora aposentada da UnB Fátima Guerra, o importante na hora de escolher o modelo de ensino remoto a adotar é procurar medidas que atinjam os alunos. A professora aposentada da Faculdade de Educação avalia que alguns materiais utilizados no modo presencial podem ser reutilizados nas aulas remotas, mas entende que, neste momento, é necessário adaptá-los. 

Professora aposentada da UnB, Fátima Guerra diz que mais importante que o formato escolhido é achar uma maneira que faça os alunos aprenderem
Professora aposentada da UnB, Fátima Guerra diz que mais importante que o formato escolhido é achar uma maneira que faça os alunos aprenderem (foto: Arquivo Pessoal)

“Recursos, meios e linguagens são diferentes”, defende. Ao optar entre sessões ao vivo ou gravadas, ela entende que é necessário ter em mente que não se trata do mesmo modelo e que “não se absorve conhecimento, se constrói”. Segundo Fátima, os processos de ensino e aprendizagem estão intimamente ligados: “Todo mundo ensina e todo mundo aprende”.

Ou seja, é preciso procurar modos de interação entre docentes e estudantes, mesmo se a opção for por aulas gravadas. Fátima acrescenta que é trabalho do professor observar bem de perto o aluno tanto como indivíduo quanto como membro de um coletivo. Neste momento, o melhor é otimizar, pensar na melhor maneira de fazer o estudante aprender. “O melhor, em primeiro lugar, é chegar ao aluno”, reflete.

Diretrizes da UnB

“Na Universidade de Brasília, nós entendemos que o professor é quem conhece a disciplina, quem conhece seus estudantes e, dessa forma, tem plenas condições de definir quais são as melhores práticas pedagógicas, a melhor metodologia a ser utilizada”, afirma a professora Letícia Lopes Leite, diretora do Centro de Educação a Distância (Cead/UnB). 

A diretora do Cead/UnB, professora Letícia Lopes Leite
A diretora do Cead/UnB, professora Letícia Lopes Leite (foto: Cead/UnB)

A porta-voz da universidade lembra que todas as diretrizes que dão liberdade de escolha aos docentes com relação a métodos e plataformas de ensino remoto foram estabelecidas em resolução do Cepe. Entre elas, a que determina que os professores devem submeter aos colegiados dos cursos os planos de suas disciplinas e que é desses conselhos deliberativos a responsabilidade de supervisionar o cumprimento.

“O que existe é uma orientação dos docentes no sentido de que as aulas síncronas têm características muito específicas. Então, o aluno tem que estar à frente do computador naquele determinado momento”, diz. “Problemas de internet podem impactar numa prática prevista de forma síncrona. Então, essas atividades síncronas devem ser analisadas, é preciso verificar se são essenciais para aquela aula ou se elas podem ser substituídas com qualidade por atividades assíncronas”, afirma,

Sobre o revezamento de professores nas aulas gravadas, a porta-voz afirma que não há regras para isso, mas, sim, uma intenção e recomendação de valorizar atividades que potencializem o aprendizado. Portanto, se há a possibilidade de um especialista lecionar aulas da matéria, orienta-se que a colaboração deverá ser aproveitada.


*Estagiário sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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