Criadores de conteúdo

"Blogueiras da educação" difundem conhecimento científico na internet

Com o uso de redes sociais e plataformas como Spotify e YouTube, profissionais popularizam discussões sobre ciência de forma mais dinâmica e simplificada

Gabriella Castro*
postado em 05/04/2021 16:33 / atualizado em 06/04/2021 10:55
 (crédito: Rawpixel )
(crédito: Rawpixel )

Divulgar ciência é algo importante não só no meio acadêmico, mas para diferentes públicos. Sobretudo no contexto de pandemia, a difusão do conhecimento científico tem se tornado ainda mais relevante.


Seja qual for a área do conhecimento, desmistificar a ciência e trazer conteúdos de forma lúdica e mais simplificada tem sido a missão de diversas educadoras. Com o uso de ferramentas virtuais de disseminação de conteúdo, como podcasts, vídeos no YouTube, postagens no instagram e até mesmo fios no twitter, a discussão sobre ciência tem se tornado mais acessível.


Gabrielle Weber, 36 anos, e Rebeca Bacani, 37, são professoras do Departamento de Física na Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP) e coordenam o projeto Mamutes na Ciência. Criada em 2014, a iniciativa ganhou mais presença nas redes sociais com a pandemia de covid-19. Foi quando Rebeca deu a ideia de gravar o Mamucast, podcast do Mamutes na ciência.


Elas explicam que o objetivo do Mamucast é despertar pensamento crítico e mostrar que há formas divertidas de se aprender física, com linguagem mais acessível, mas com conteúdo aprofundado. “É banalizar ciência, transformar ciência em conversa de botequim”, explica Gabrielle.


Rebeca, professora da graduação e do ensino médio, complementa: “É você desconstruir essa ideia de que não se pode questionar nada, tem que questionar tudo”. Ela ainda afirma que outro objetivo é “desmistificar essa aura de gênio incrível que o cientista tem”.

 

Rebeca e Gabrielle, da esquerda para a direita, buscam trazer o conhecimento científico de forma mais lúdica e despertar o senso crítico com o Mamucast
Rebeca e Gabrielle, da esquerda para a direita, buscam trazer o conhecimento científico de forma mais lúdica e despertar o senso crítico com o Mamucast (foto: Arquivo pessoal)


O nome Mamutes foi escolhido em uma tentativa de se aproximar dos discentes, pois o animal é o mascote da atlética. Atualmente, o projeto conta com dois estudantes bolsistas do Programa Unificado de Bolsas (PUB) e dois voluntários.


Visibilidade LGBTQIA+ dentro da ciência


Trabalhar gênero e sexualidade dentro da ciência também é um fator essencial para o Mamutes na Ciência. Como mulher que se relaciona com outras mulheres, Rebeca explica que algumas vezes é melhor “chutar a porta do armário” porque a academia prefere que LGBTs se escondam.


Em janeiro, mês da visibilidade trans, o Mamutes na Ciência fez publicações que contavam a história de cientistas transgênero. Elas explicam que, além de desmistificar a aura de gênio do cientista , é necessário tirar a imagem de homem branco cisgênero à qual são associados e mostrar que há pessoas diversas na ciência.


Como travesti e transativista, Gabrielle explica que é impossível não abordar questões de gênero. “Não que eu queira esconder, porque eu acho importante ter essa visibilidade”, pontua.


Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a média de idade em que pessoas trans abandonam os estudos é 13 anos. Isso ocorre devido à expulsão dessas crianças de casa. Como consequência, estima-se que 72% não têm ensino médio e 56% não completaram o ensino fundamental. Os números do ensino superior são ainda piores, apenas cerca de 0,02% das pessoas trans chegam à universidade.


“É difícil porque a academia não gosta que a gente fale sobre isso, mas não tem outra opção", aponta Gabrielle. "Mas eu também não gosto de reduzir minha resistência a só falar disso”.


Professora começou a dar aulas no YouTube para produzir material para os alunos


Quando Rafaela Lima, 34, começou a dar aulas de biologia no YouTube, em 2015, ela identificou um nicho ainda pouco explorado, o do ensino fundamental. Atualmente professora de duas escolas públicas no Rio de Janeiro, ela lançou o canal Mais ciência para produzir material didático para os alunos. “Eu via que muitos não tinham esse material para estudar, às vezes, não tinha livro para todo mundo, faltava aula e não sabia repor”, explica.


“Acabei mirando neles mas alcançando mais gente e não alcançando tanto eles porque muitos não tinham a cultura de estudar on-line”, afirma a professora. Segundo ela, hoje o público principal do canal são os alunos de ensino fundamental 2, ensino médio e professores, além de pais e estudantes de ensino técnico em enfermagem para rever conteúdos.


Ela explica que a ciência ainda é mais restrita ao ambiente acadêmico, mas o conhecimento científico vem se popularizando durante a pandemia por meio de jornais, programas, desenhos e divulgadores científicos. A docente ressalta a necessidade de se ensinar ciência de forma simples e relacionada a exemplos do cotidiano.

 

Rafaela criou o canal Mais Ciência para produzir material didático para os próprios alunos
Rafaela criou o canal Mais Ciência para produzir material didático para os próprios alunos (foto: Arquivo pessoal)


Rafaela afirma que seu trabalho pode ser comparado ao de blogueiros. “Eu sou uma professora e eu sou uma produtora de conteúdo, com potencial para influenciar”, explica. “Tem uma Rafaela que vai se preocupar em se capacitar com questões pedagógicas e uma Rafaela que se preocupa com marketing, precificação e mercado da influência”.


Capacitar mais professores é uma maneira de atingir centenas de pessoas


O YouTube rendeu novos projetos para a docente. Em 2019, Rafaela foi convidada pelo Canal Futura para gravar videoaulas de biologia. “Foi a partir do Mais ciência que meu trabalho teve visibilidade de alcançar outras pessoas”, relata.


Em 2020, o mesmo canal fez outro convite para a professora. Dessa vez, Rafaela foi chamada para apresentar a websérie “E aí Professor?”. A série de 12 episódios, dá dicas para educadores que enfrentam desafios para se adequar às novas modalidades de ensino.


Além dos programas no Futura, ela e algumas amigas lançaram a capacitação Girls in Space. O curso visa capacitar professores para o ensino de astronomia. “É legal para lidar com realidades diferentes e capacitar um professor, porque se eu alcanço um professor, eu alcanço centenas de alunos”, explica.


“O meu objetivo é conseguir alcançar cada vez mais estudantes, conseguir dar um acompanhamento maior e desenvolver mais a minha vertente de trabalho com a comunicação”, relata.


Atualmente, o canal conta com suporte de outros profissionais para produção de conteúdo. A professora tem o auxílio de editores de vídeo e designers para as redes sociais, além de roteiristas para alguns vídeos.

 

*Estagiária sob supervisão da editora Ana Sá

  • Rebeca e Gabrielle, da esquerda para a direita, buscam trazer o conhecimento científico de forma mais lúdica e despertar o senso crítico com o Mamucast
    Rebeca e Gabrielle, da esquerda para a direita, buscam trazer o conhecimento científico de forma mais lúdica e despertar o senso crítico com o Mamucast Foto: Arquivo pessoal
  • Rafaela criou o canal Mais Ciência para produzir material didático para os próprios alunos
    Rafaela criou o canal Mais Ciência para produzir material didático para os próprios alunos Foto: Arquivo pessoal
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