Pretos no topo

Garota de 8 anos faz reeleituras fotográficas de mulheres negras

Clara Larchete e sua mãe compartilharam em seu perfil do Instagram ensaios de personalidades como Maju Coutinho, Michelle Obama, Taís Araújo

Júlia Mano*
postado em 27/05/2021 13:15 / atualizado em 27/05/2021 13:53
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

As fotos feitas da menina Clara Larchete, 8 anos, pela sua mãe, Daiane Braz, 38 anos, foram compartilhadas por diversos usuários nas redes sociais. O motivo é o conteúdo das fotografias em que a menina fez releitura de várias mulheres negras que deixaram suas contribuições na história e também aquelas que estão em atividade atualmente. Com a produção e os cliques da mãe, a menina já se transformou em Marielle Franco, Michele Obama, Frida Kahlo, Conceição Evagelista, Lélia Gonzalez, entre outras.

Os ensaios estão sendo feitos desde o ano passado. As primeiras montagens foram para um trabalho da escola sobre Tarcila Amaral, mas Daiane decidiu apresentar à filha outras referências e  postar as fotos no Instagram, Os ensaios viralizaram. Em 24 de abril, o perfil da menina atingiu a marca de 30 mil seguidores. 


A mãe conta que para fazer o trabalho da escola, os pais foram orientados a pesquisar e entender quem tinha sido Tarsila do Amaral, para depois fazer a explicação para a Clara sobre a vida, obra e a importância da artista. Após esse processo, ela fez uma releitura de um quadro apenas com objetos que ela tinha em casa. “A gente fez (a releitura) da Tarsila do Amaral e minha mãe postou no Instagram. Aí, a gente viu que o pessoal tinha gostado bastante da releitura. Então, começamos a fazer mais”, lembra a menina.

Daiane conta que o processo para fazer as demais releituras continua sendo o mesmo. Primeiro, ela faz uma pesquisa, depois conversa com a filha para transmitir o conhecimento sobre a personalidade e, só assim, é feito o ensaio por ela própria. Por meio dessas informações, a mãe percebeu que é uma forma de ensinar a filha sobre a história de grandes mulheres, principalmente, pelo fato delas terem vivenciado dificuldades e não terem desistido. “Eu sei que ela não vai gravar tudo, pois ela tem 8 anos. Mas vai ficar ali uma sementinha plantada”, conta Daiane.

Apesar disso, o contato de Clara com as redes sociais não começou com as releituras, mas depois que ela sofreu situações de racismo na escola, quando  ainda tinha 4 anos de idade. Na época, a menina começou a se preocupar demais com a aparência para uma criança da idade dela, isso afligiu a mãe e ela foi conversar com a filha para entender o que estava acontecendo. Clara, então, contou que os colegas estavam rindo do cabelo dela e zombando da roupa, chegando a falar que a menina era feia.


Com isso, a mãe criou um perfil no Instagram para mostrar à filha crianças parecidas com ela e pessoas negras influentes que ela poderia se identificar. “Ela precisava ver em outras crianças uma beleza que existe. Cada uma com a cor da sua pele, seja ela mais retinta ou mais clara. Seja ela com o cabelo mais crespo ou mais ondulado”, relata Daiane. No entanto, Clara voltou a enfrentar situações de racismo na escola em 2019, nessa época, ela estava cursando o 1º ano do ensino fundamental.

Atualmente, a menina está no 3º ano e diz que gosta da escola e que tem amigas. Mas, a mãe pondera que o contato que Clara teve com os colegas ainda não foi intenso, por causa da pandemia. Então, ela teve contato virtual com a maioria dos alunos de sua série e eles ainda não viram a repercussão de suas fotos.

Antes dessas situações que Clara viveu, Daiane buscou, aliado ao pai Flávio, fortalecer a essência da filha como uma criança negra, eles diziam que ela era linda e buscavam empoderar ela.


A mãe lembra que quando descobriu que estava grávida, a primeira coisa que se questionou era "e se fosse uma menina", pois ela sabia que ela seria a primeira referência para a filha. Nessa época, ela tinha acabado de fazer uma progressiva e estava com o cabelo em tom loiro, ao descobrir o sexo do bebê, ela decidiu fazer a transição capilar. O cabelo de Daiane, assim como o de Clara, é cacheado e castanho escuro.

Hoje, ela percebeu que precisa pesquisar mais sobre pessoas negras, saber de onde veio elas, o que fizeram, o que trouxeram de mudança e o que estão buscando. Além disso, reconhece que o aprendizado tirado das releituras é que há um pensamento coletivo e afirma que as pessoas que foram retratadas não pensam em conquistas próprias, mas em coletivas. Daiane também relatou que a própria filha já ocupa um espaço de referência para mulheres adultas – que enviam mensagens no perfil da menina – e também para algumas mães que têm filhas negras. 

Das releituras feitas, Daiane destacou a da antropóloga brasileira Lélia Gonzalez, pelo trabalho desenvolvido por ela, e o da líder quilombola Tereza de Benguela, que ela não conhecia até fazer a pesquisa. “São mulheres que têm um marco muito grande na nossa história”, afirma a mãe.

Clara gostou de fazer a releitura da pintora mexicana Frida Kahlo. No entanto, a menina afirma que gostou de conhecer todas as histórias e que sente muita felicidade ao fazer os ensaios. “A gente está lembrando de pessoas que lutaram ou que lutam pelos seus sonhos e que não devemos desistir dos nossos sonhos, nem mesmo com as dificuldades”, conta a menina.

Além das personalidades que foram feitas as releituras, ela também afirma que gosta bastante da personagem Ofélia do “Quintal da Cultura”, por ela ser “pretinha e, desde que entrou, no quintal foi uma influência para mim”. Clara também gosta de assistir animes com o pai, sendo um dos seus preferidos “Naruto”, e escutar Ariana Grande.

Ela também descobriu que tem talento para pintar e desenhar e afirma que, quando pode, está sempre desenhando. Com isso, a mãe, Daiane, disse que, no futuro, suas artes podem estar também no perfil e que ele vai sendo alterado de acordo com o desenvolvimento da filha e com o que ela quer estar compartilhando.

A mãe também salienta e ensina a Clara que a rede social é boa, mas também é perigosa. “Eu converso com ela que a gente não tem que viver disso aqui. A rede social pode te trazer alguns benefícios? Lógico que pode, como ela tem recebido os mimos dela, mas a gente tem que viver a nossa realidade. Os sonhos a gente só conquista estudando”.

Dentro de casa, a educação, respeito e valorização da família são pontos que norteiam a criação de Clara. Para a filha, Daiane ensina que não há ninguém superior a ela e nem inferior, que Clara também tem direitos e deveres. E faz uma reflexão de que colocar uma criança no mundo é fácil, o difícil é educar para ser um bom cidadão, e que o papel dos pais é ensinar as crianças a respeitarem o próximo.

 


*Estagiária sob a supervisão da editora Ana Sá

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