Artigo

Desalento na juventude é reflexo da precarização do ensino em todos os níveis

Falta ao Brasil uma política pública de acesso à educação, que convença os jovens de que estudar vale a pena e pode ser a saída para a evolução social, com maiores chances de empregabilidade

César Silva*
postado em 20/01/2022 17:51
César Lima, diretor-presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo, é autor do artigo -  (crédito: Arquivo pessoal)
César Lima, diretor-presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo, é autor do artigo - (crédito: Arquivo pessoal)

A tentativa de flexibilização do programa Jovem Aprendiz, criado há 21 anos, fracassou. Ao menos no ponto em que permitiria às empresas contratar jovens não matriculados. Mas ainda há na proposta do governo pontos obscuros que precisam ser esclarecidos, como a redução das cotas. É preciso muita atenção da sociedade agora para não se dar um passo na direção errada.

O problema brasileiro é estrutural. Falta ao país uma política para a juventude. Principalmente que estabeleça estratégias para aumentar o acesso à educação de qualidade para qualquer um dos níveis de ensino. Esse cenário se reflete na dificuldade em convencer os jovens de que estudar é o caminho para a sua evolução social, com possibilidade de ampliar seus conhecimentos e aumentar a chance de empregabilidade.

O Brasil tem 12,3 milhões de jovens que não estudam nem trabalham. O número é superior ao da população da Bélgica e já representa 30% dos jovens na faixa etária até 29 anos. Os números da consultoria iDados revelam um desalento generalizado.

Motivos não faltam e as causas são muitas. À pandemia, crise econômica, política e de valores soma-se uma percepção de que estudar já não garante coisa alguma. Muito menos investir tantos anos de vida para obter um diploma universitário.

Por décadas, a prioridade do Estado foi tentar assegurar condições de oferta de educação básica para todos os brasileiros em suas idades corretas. Mas a educação infantil continua um problema social sem solução e a oferta de creches é o único plano de governo de todos os secretários municipais de educação, eleição após eleição.

Ao final da educação fundamental nos deparamos com as maiores dificuldades na manutenção dos alunos nas atividades. Sem contextualização ou conexão com a realidade dos estudantes, as atividades são um estímulo a insatisfação e descontentamento. Os alunos não veem razão em aprender o que estão aprendendo. Aí está a chance de trazer temas de empregabilidade, com educação profissional.

A etapa do ensino médio, por sua vez, é quando ocorre a maior saída de alunos do fluxo educacional porque falta motivação para estudar mais 3 anos daquilo que já estudaram, ao menos, nos 9 últimos anos.

Apesar da aguardada implantação da reforma do ensino médio, que começa este ano, há consenso de que as mais 600 horas atribuídas a esta etapa da educação serão mais do mesmo.

A educação profissional contextualizada assegurando uma habilitação para o concluinte, integrada a demanda de mercado local, seria a alternativa mais adequada para prepararmos os jovens para a realidade do país: mais de 13 milhões de desempregados, com mais de 2 milhões de vagas qualificadas existentes, sem brasileiros capacitados para ocupá-las.

O Brasil é um país que tem cidadãos com baixa capacidade produtiva. Quando comparamos em valor de produto o que um americano e um brasileiro produzem, temos uma relação de um para cinco. Assim, um americano produz, em dinheiro, o que cinco brasileiros produzem.

Nesta condição, é claro, conta também a estrutura produtiva do país. É uma equação simples: se a educação é falha desde a origem, a capacidade de produzir com alto valor agregado é mínima.

Na educação superior, a situação não é muito diferente. Sem políticas públicas claras vive-se da minimização do problema de formação, sem estimular o saber, o fazer e o ser. O que resulta, ao final de décadas de estudos, que profissionais altamente graduados aceitem empregos precarizados para sobreviver.

E a situação tende a se agravar, pois com o fim do chamado bônus demográfico, enfrentaremos uma conjuntura de um Brasil de idosos, sem renda e improdutivos. O ex país do futuro - se não tiver políticas adequadas nas próximas duas décadas -, vai experimentar o envelhecimento populacional sem produzir riquezas suficientes para manter as condições de vida de seus cidadãos.

* César Silva é diretor-presidente da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e docente da Faculdade de Tecnologia de São Paulo -- FATEC-SP há mais de 30 anos. Foi vice-diretor superintendente do Centro Paula Souza. É formado em Administração de Empresas, com especialização em Gestão de Projetos, Processos Organizacionais e Sistemas de Informação.

 


 

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