Eu, Estudante

Registro histórico

Livro sobre tragédia de Mariana tem lançamento em Brasília

Episódio que matou 19 pessoas e devastou áreas de proteção ambiental em Minas e no Espírito Santo foi resgatado por jornalistas brasilienses

Prestes a completar sete anos, a tragédia de Mariana (MG) - que devastou dois distritos rurais, matou 19 pessoas, com o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineradoras -, foi retratada no livro-reportagem Rejeitos: vidas marcadas pela lama (Editora Appris), dos jornalistas brasilienses Luana Melody Brasil, 29 anos, e Victor Pires Ferreira Corrêa, 28. Fruto de entrevistas com moradores, lideranças locais, ambientalistas, pesquisadores e pensadores, a publicação será lançada na noite desta quarta-feira (6), a partir das 19h, em Brasília, na Livraria da Travessa do Casapark, com sessão de autógrafos.

Além dos 19 mortos em Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, estima-se que pelo menos 700 mil pessoas de 35 cidades foram diretamente afetadas. Os danos provocados ao meio ambiente são computados até hoje e não é possível ainda estimar com precisão todos eles.

Victor Corrêa - Moradores retiram telhas de casa, em setembro de 2016, em Paracatu de Baixo, segundo distrito de Mariana (MG) destruído pela tsunami de lama de rejeitos da mineração.

A catástrofe aconteceu em 5 de novembro de 2015, quando a barragem de Fundão, que acondicionava toneladas de lama tóxica da Samarco, Vale e BHP Billiton, subitamente se rompeu, liberando uma avalanche de rejeitos quem, em questão de minutos, soterrou as comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.

A enxurrada carreou para o rio Doce 43,7 milhões de metros cúbicos de lama que, em poucos dias, chegaram ao Oceano Atlântico pela Vila de Regência Augusta, na costa do Espírito Santo, deixando pelo caminho um rastro de destruição.

Percepção

Um ano depois da calamidade, os então estudantes da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), Luana Melody Brasil e Victor Corrêa, decidiram registrar a história em textos e imagens. Foram até as localidades atingidas para ouvir as pessoas e tentar compreender o impacto provocado nelas  e no meio ambiente. Em 2020, eles voltaram a entrar em contato - virtualmente, devido à pandemia - com atingidos, pesquisadores e lideranças de movimentos sociais, para saber o que havia mudado e como o desastre continuava a ecoar nas vidas e nas comunidades ao longo do Rio Doce e na costa capixaba.

Luana pontua que a publicação é fruto de conclusão do curso de jornalismo da UnB. “Em 2016 ainda era possível fazer esse produto em dupla, e foi com esse trabalho que eu e Victor concluímos a graduação. Nós ficamos duas semanas viajando entre Minas Gerais e Espírito Santo. Fomos a Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, lá conhecemos as primeiras pessoas impactadas pela tragédia. Depois, seguimos para o litoral do Espírito Santo, porque a lama de rejeitos de mineração alcançou o Rio Doce e chegou ao Oceano Atlântico em cerca de 20 dias após o rompimento”, conta.

A experiência, segundo ela, mudou totalmente sua percepção e também a de Victor, sobre o que acontece quando grandes empresas de mineração negligenciam questões básicas de segurança. “Aquelas pessoas são agricultores, ribeirinhos, quilombolas, indígenas. Foram obrigadas a incluir em suas rotinas várias reuniões com representantes das mineradoras e do governo para reivindicar direitos”, diz.

Recorda também que as pessoas os receberam em suas casas contaram como era a vida antes da chegada da lama e compartilharam seus conhecimentos sobre o mar, o rio e a natureza com a qual elas conviviam diariamente. “Somos dois brasilienses que só visitavam o mar de vez em quando nas férias. Então, estar lá com essas pessoas, ouvindo o que elas sabem sobre como lutar por direitos, ser solidário com a comunidade e regenerar o meio ambiente, foi um grande privilégio e uma generosidade imensa dessas pessoas conosco.”

Luana foi repórter mirim do caderno Super!, publicação do Correio, em 2003, aos 10 anos de idade, por ocasião do Dia das Crianças. Segundo ela, a experiência foi determinante em sua trajetória como jornalista. “Eu passei o dia entrevistando outras crianças, fui para a redação, conheci jornalistas experientes e inspiradores. Escrevi uma parte do texto e ali me encantei de vez com a profissão. Depois dessa aventura, não tive dúvida ao escolher o jornalismo na faculdade e o Correio Braziliense fez parte dessa decisão”, afirma.

Mobilização

Victor observa que o que mais o marcou nessa investida foram a mobilização ativa das comunidades em busca de seus direitos e a rotina de vida dessas pessoas, também afetadas pelas mineradoras. “Além disso, fiquei impressionado com os protestos, acompanhar de perto a mobilização dos atingidos pela lama frente ao Estado e às mineradoras”, recorda.

“O nosso livro também é uma tentativa de entender as condições que permitiram que o crime ambiental acontecesse e as diversas dimensões dos impactos sobre as comunidades e o meio ambiente. Para isso, conversamos com pesquisadores, engenheiros, biólogos, cientistas sociais, gestores públicos, ativistas e lideranças locais e procuramos também as empresas responsáveis”, prossegue Victor.

Ele destaca que causou grande comoção o encontro que promoveram entre moradores do Espírito Santo afetados pela tragédia e de Mariana. “Acampamos com eles por um dia. Foi impactante ver a reação dos capixabas que não conheciam a região de Mariana. Lá eles puderam ver uma outra dimensão do desastre”, diz, ponderando que, mesmo transcorridos quase sete anos, o livro serve de alerta para o que ocorre no Brasil de hoje. “Nada mudou. Pelo contrário, as coisas estão só se agravando. Os sucessivos desastres provocados por barragens de rejeitos de mineradoras parece não terem sensibilizado os tomadores de decisão”, lamenta.

Entrevistas

As 208 páginas de Rejeitos: Vidas marcadas pela lama, registram em texto e imagens  dos autores os impactos causados pelo desastre ambiental, além de entrevistas com a liderança indígena e pensador indígena Ailton Krenak; Cristiana Losekann, socióloga e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); a pedagoga e surfista Thalena Maciel, moradora da vila de Regência (ES), uma das áreas afetadas pela tragédia no Rio Doce; Silvia Lafaiete, líder de pescadores, ribeirinha e poetisa, moradora de São Mateus (ES); Eliane Balke, liderança de pescadores que também mora em São Mateus; Hauley Valim, sociólogo e liderança comunitária em Linhares (ES); Bruno Milanez, engenheiro, analista ambiental e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e o cacique Antônio Carlos, líder indígena da aldeia de Comboios, em Aracruz (ES).

Divulgação - .

A publicação conta com a participação da professora da Faculdade de Comunicação da UnB, Dione Oliveira Moura, que assina o prefácio. A obra custa R$ 88 e o lançamento terá início às 19 horas, na Livraria da Travessa, no piso superior do shopping Casapark.