CRISE

Escolas privadas preveem fechamentos e falências com suspensão das aulas

Dados do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe/DF) mostram que, se a suspensão das aulas permanecer até o fim do ano, mais de 100 colégios poderão encerrar as atividades na capital federal

Jéssica Eufrásio
postado em 14/08/2020 18:55 / atualizado em 14/08/2020 19:24
As escolas particulares retomaram as aulas com protocolo de higienização, mas a volta durou apenas um dia -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
As escolas particulares retomaram as aulas com protocolo de higienização, mas a volta durou apenas um dia - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

A decisão da Justiça do Trabalho que mantém a suspensão das aulas nas escolas particulares do Distrito Federal divide representantes do setor. O Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (Sinepe/DF) tentou recorrer da mais recente determinação que impediu o retorno, publicada na semana passada, mas não obteve sucesso. O presidente da entidade patronal, Álvaro Domingues, acredita que a liberação ocorrerá apenas no fim do ano. Ele calcula que, até lá, dos mais de 570 estabelecimentos de ensino privados do DF, entre 120 e 150 devem fechar ou decretar falência.

Em vídeo divulgado a filiados ao sindicato, Álvaro afirmou que agosto é o momento em que as escolas começam a planejar o ano letivo seguinte. A preocupação nos colégios que permanecerem abertas é de que, em 2020, pagamentos de fim de ano, como 13º e férias, fiquem comprometidos. “A continuar com todos os prazos legais, as nossas escolas retornariam só no fim do ano. Isso muito nos aflige. De forma realista, temos de nos preparar para um quadro difícil”, afirmou o presidente do Sinepe/DF.

Além do material, o sindicato divulgou um comunicado na terça-feira. O documento mencionou que o prazo de quatro meses de validade da Medida Provisória (MP) 936 — que permite a suspensão de contratos, além da redução de jornadas e salários, temporariamente — acabou em agosto para alguns centros de ensino. “Vamos orientar escolas a fazer a reorganização orçamentária para finalizar o ano, cumprindo obrigações trabalhistas e tributárias, da maneira que for possível neste momento e tendo demissão como último recurso. Essa assistência àquelas em processo de dificuldade é o que está ao nosso alcance”, disse Álvaro ao Correio.

A educação infantil é o nível que mais apresenta evasão escolar na rede particular. Desde o início da pandemia, houve redução de 30% a 40% do total de 36 mil alunos matriculados no início do ano. A inadimplência é outro problema que afeta as instituições de ensino. Em colégios de regiões fora do Plano Piloto, cerca de 75% das famílias estão com mensalidades atrasadas. O cenário também alcança os professores. De março para cá, dos 12 mil da educação básica, aproximadamente 600 foram demitidos.

Diretor jurídico do Sindicato dos Professores em Estabelecimento Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinproep), Rodrigo de Paula considera que não há solução para o setor sem a ajuda do Estado. Ele afirmou que a expectativa é de que o governo federal prorrogue a validade da MP 936. “É preciso dar sobrevida às escolas. É um erro achar que só reabrir vai resolver o problema, porque muitos pais disseram que não vão levar as crianças. Continuamos achando muito prematuro voltar. Foram 55 mortes em um dia e mais de 2 mil casos (da covid-19 nesta semana)”, lamentou.

Estrutura

A decisão sobre o calendário da rede privada depende do julgamento de uma ação civil protocolada pelo Ministério Público do Trabalho no Distrito Federal e no Tocantins (MPT-DF/TO). O documento pede a suspensão da volta às aulas na rede particular até que se observe redução da curva de casos da covid-19, das taxas de ocupação dos leitos hospitalares do Distrito Federal ou quando uma autoridade pública de saúde atestar a segurança da retomada. O órgão também pede a expedição de um novo protocolo de saúde destinado às escolas particulares.

Ainda não há previsão de publicação da sentença da ação. Enquanto isso, representantes das instituições de ensino particulares tentam negociar com integrantes dos poderes Executivo e Legislativo a criação de um voucher educacional no DF. A proposta funcionaria como um cartão de financiamento destinado, principalmente, às famílias de rendas mais baixas. Algumas empresas também têm recorrido a linhas de crédito, ampliadas ou flexibilizadas durante o período de crise, para manter as contas em dia.

Diretora do colégio de educação infantil e berçário Bambini, no Jardim Botânico, Renata Rebouças recorreu à linha de crédito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e aderiu à MP 936. “Temos conversado bastante com os pais. Quando for possível que retornemos, vamos voltar com uma estrutura ao ar livre. Temos estudado o que outros países têm feito, além das medidas adotadas aqui no DF. O fato é bastante delicado, aula virtual nessa fase, também. Mas o nosso foco é a saúde das crianças”, comentou.

Mantenedor da Rede Objetivo DF, Hiago Vercino ressaltou que o impacto nas finanças tem sido “estrondoso”, especialmente na educação infantil. “A nossa receita caiu 30% desde que começou a pandemia, e estamos fazendo o máximo que podemos para readequar gastos”, detalhou. Hiago acrescentou que a rede não se encaixou nos perfis adotados pelos bancos para concessão de crédito e que o adiamento dos impostos não ajudará tanto. “Gastamos R$ 300 mil com adequações e, só com testes, foram R$ 50 mil. Todo mundo segurou e não fez demissões, mas, agora, estamos sem previsão”, explicou.

Negociações na rede pública

Nas escolas públicas, a volta às aulas começa em 31 de agosto, de maneira escalonada (veja Calendário). A mais de duas semanas da data de início, o Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro/DF) tenta manter as negociações, por considerar que as instituições de ensino não estão preparadas para o retorno presencial. Os argumentos envolvem a circulação de estudantes em transportes coletivos, a infraestrutura dos colégios e os recursos tecnológicos necessários.

Diretor do sindicato, Samuel Fernandes questiona como haverá fiscalização dos estudantes, para garantir que usem máscaras, higienizem as mãos e que os ambientes sejam desinfetados com frequência. “Muitos gestores que estão desde o início da pandemia trabalhando presencialmente nas escolas foram contaminados, mesmo com um número reduzido de pessoas. Imagina se acontecer um retorno nessas condições”, avaliou. Samuel acrescentou que o Sinpro/DF espera que o calendário de retorno presencial seja suspenso. Se a proposta permanecer, o sindicato pretende adotar medidas para impedir a retomada.

Presidente da Associação de Pais e Alunos de Instituições de Ensino do Distrito Federal (Aspa/DF), Alexandre Veloso afirmou que a organização acompanha as discussões e que responsáveis por estudantes da rede pública têm enviado pedidos pela manutenção do ensino a distância. “Vamos buscar que esse direito seja garantido. Se necessário, podemos acionar órgãos ou até o Poder Judiciário. Esperamos que o governo local tenha sensibilidade para atender à nossa reivindicação”, pontuou.

Matrículas

Além dos 465 mil estudantes atendidos pelo sistema público de ensino do DF, segundo dados do Censo Escolar de 2019, a demanda de alunos de colégios particulares na rede aumentou entre março e julho. A Secretaria de Educação informou que houve a incorporação de cerca de 1 mil pessoas. Apesar disso, a pasta informou que o DF está preparado para atender a “toda a oferta obrigatória da educação básica”.

A secretaria acrescentou que as inscrições para novos estudantes abrem, anualmente, no segundo semestre. “Todos que buscam vaga são atendidos. Durante a pandemia, os interessados em transferir-se para a rede pública devem enviar e-mail para a Unidade Regional de Planejamento Educacional e Tecnologia da Educação (Uniplat) da respectiva regional de ensino”, informou o órgão, em nota.

Desde 27 de julho, a Secretaria de Educação promoveu a desinfecção e a higienização de 626 unidades de ensino — 91,2% do total. O trabalho continuará a cada 15 dias. Outras medidas adotadas nas escolas preveem manutenção do distanciamento social, disponibilização de álcool em gel, uso de máscaras, aferição de temperatura e a disposição de tapetes com produto de limpeza na porta das salas de aula. Centros interescolares de línguas e escolas parque continuarão com atividades exclusivamente remotas. No restante da rede, as atividades ocorrerão de modo híbrido: metade da turma ficará na escola durante uma semana, enquanto os demais assistirão às classes pela internet, com o Google Sala de Aula. O sistema inverte-se na semana seguinte.

Calendário

De 17 a 28 de agosto — Ambientação dos profissionais das carreiras magistério e assistência, com formação para os protocolos de segurança nas escolas, de acordo com as orientações das autoridades de saúde pública

31 de agosto — Retorno de estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e da educação profissional

8 de setembro — Ensino médio

14 de setembro — Anos finais do ensino fundamental

21 de setembro — Anos iniciais do ensino fundamental

28 de setembro — Educação infantil

5 de outubro — Educação precoce e classes especiais

Aulas remotas na UnB

A Universidade de Brasília (UnB) retomará as atividades acadêmicas na segunda-feira, em ambiente virtual. A decisão resultou de debates com representantes de estudantes, técnicos e professores. Além disso, a universidade lançou um edital com foco na inclusão digital da comunidade: 2.009 alunos começaram a receber auxílio financeiro para comprar computadores, e outros 805, para acessar à internet. Em nota, a UnB acrescentou que, desde o início da pandemia, as atividades não pararam por completo. Houve lançamento de duas chamadas públicas de projetos e a aprovação de mais de 200 propostas relacionadas ao combate à covid-19 e a pesquisas envolvendo o novo coronavírus.

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