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do gama para o mundo

Alunas de escola pública ganham competição científica internacional

Adolescentes do CEM 2 do Gama foram contempladas com o 2º lugar em campeonato na Malásia com pesquisa que produz plástico a partir das cascas da laranja

De acordo com dados do Banco Mundial, mais de 2,4 milhões de toneladas de plástico são descartadas de forma irregular no Brasil. A maioria desse material tem como destino o mar, causando a morte de pinguins, golfinhos, tartarugas, entre outros animais marinhos. Além disso, segundo grupo de pesquisadores da Universidade de Exeter, do Laboratório Marinho de Plymouth e do Greenpeace, todas as tartarugas marinhas do planeta têm plástico no organismo. Foi pensando nessa grande repercussão dos últimos anos que duas estudantes do Gama decidiram propor uma solução: produzir um plástico biodegradável.

 

Arquivo pessoal - Bárbara Wingler e Kazue Nishi queriam propor uma solução para o tema em pauta, o plástico, por meio das ciências exatas


Bárbara Wingler, ex-aluna do Centro de Ensino Médio 2 do Gama, e Kazue Nishi, estudante do 3º ano da instituição, ambas de 18 anos, começaram a pesquisar metodologias e matérias primas para tirar a ideia do papel, no início de 2019. Até que se depararam com a laranja, fruta que tem uma substância capaz de formar polímero para produzir plástico biodegradável. A pesquisa faz parte do Clube de Ciências do colégio, que estimula os alunos a proporem soluções, fazerem levantamentos bibliográficos e pesquisarem metodologias aplicáveis. Posteriormente, os estudantes encaminham a ideia a um professor, que orientará o projeto. Contudo, a escola não dispõe de recursos e boa parte dos materiais são os próprios discentes e docentes que arcam com os custos.


Para conseguir desenvolver o plástico, elas construíram uma estufa, por exemplo. “A gente viu uma caixa de microscópio quebrada, um vidro de um aquário, também quebrado. Ia tudo pro lixo, e a gente resolveu construir nossa própria estufa”, relata Kazue. “Uma estufa é muito cara, não tinhamos esse dinheiro e a escola também, não.”

 

Elas trituram as cascas de laranja, dissolvem o pó em água, usam um reagente e deixam o material secando na estufa, até se tornar o bioplástico, por 10 dias. Confira abaixo, um vídeo da produção:

 

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Em agosto do ano passado, as alunas começaram a ver resultados e se inscreveram em diversas feiras de ciências. Na época, Bárbara era estudante do 3º ano e Kazue do 2º no CEM 2 do Gama. Atualmente, Wingler já está no ensino superior e cursa biotecnologia.


Brasil bem representado

Quando cientistas participam de uma feira e são premiados, eles garantem uma credencial para outros eventos. Durante uma dessas feiras de ciências que as estudantes participaram, a Associação Mundial de Feiras Internacionais (Wifa) se interessou pelo projeto das meninas e as premiaram com uma entrada para a Competição e Exibição de Invenções Mundiais (Wice), que seria feita em Kuala Lumpur, na Malásia em outubro. 


As estudantes, inclusive, chegaram a fazer uma vaquinha para arrecadar recursos para a viagem. Porém, devido à pandemia, o evento acabou sendo feito de maneira remota, e Bárbara e Kazue apresentaram o projeto em inglês. A pesquisa do bioplástico feito a partir das cascas de laranja ganhou medalha de prata, no último dia 18 de setembro, e estava competindo com projetos do mundo todo. As meninas ficaram surpresas com o resultado, pois não esperavam que chegariam ao pódio da competição. “Foi uma honra representar o Brasil. As pessoas no mundo sabem agora que o Brasil tem pesquisa, tem tecnologia e tem ciência. Mesmo que no próprio país não haja investimento, os brasileiros tentam, de toda maneira, inventar, mudar alguma coisa dentro e fora do país”, conta Bárbara. Mesmo sem equipamentos e sem apoio, Kazue explica que o sentimento ainda é de incredulidade. “Foi tipo alguém falando pra gente: ‘A pesquisa de vocês valeu a pena’”.


Democratização da ciência


A pesquisa, formada apenas pelas duas estudantes, sob orientação do professor Alex Aragão, mostra um impacto em relação ao momento atual de mudanças climáticas e desastres ambientais. “O meio ambiente tem sido negligenciado, e esse foi nosso maior objetivo quando decidimos fazer um projeto que busca reduzir a poluição causada pelo plástico derivado do petróleo”, pontua Bárbara. O plástico é um componente inevitável para a vida das pessoas, por isso elas propuseram uma solução para “fazer com que o meio ambiente não sofresse as consequências da nossa industrialização e das nossas ações diariamente.”


Outro aspecto positivo é a possibilidade de fazer um projeto ainda no ensino médio, o que para muitas pessoas é uma realidade só na graduação. “O Clube de Ciências dá uma estrutura em relação à pesquisa e à vida acadêmica que a gente acaba descobrindo apenas no ensino superior. O projeto proporciona um pouquinho do que é a vida acadêmica antes de fazer parte de uma universidade”, ressalta Bárbara Wingler, Para Kazue, fazer uma pesquisa, ainda no ensino médio, representa uma quebra de paradigma de que cientista não precisa ser um homem branco dentro da universidade. “Fazer ciência no ensino básico é possível e também é uma forma de democratizar a ciência”, afirma a estudante.


Próximos planos


Para o futuro, elas pretendem terminar o projeto com uma análise da produção do plástico biodegradável. Durante a pandemia, Bárbara e Kazue continuam com a pesquisa e pretendem finalizar até janeiro de 2021. Com o dinheiro arrecadado para a competição da Malásia, elas querem investir tanto nas próximas feiras de ciência que cobram taxas de inscrição quanto no próprio projeto, com aquisição de reagentes e vidrarias necessárias para manter a pesquisa.

 

*Estagiária sob supervisão da editora Ana Sá