Escolha a escola do seu filho

Adaptações curriculares

Mariana Machado
Augusto Fernandes
postado em 10/12/2020 06:00
Geovana Ramalho sabe que fará uma universidade na área de ciências da natureza: apoio do pai, Carlos Sadarque, para trilhar o caminho escolhido -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press                 )
Geovana Ramalho sabe que fará uma universidade na área de ciências da natureza: apoio do pai, Carlos Sadarque, para trilhar o caminho escolhido - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press )

As escolas brasileiras têm até 2022 para implementar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio. Com as novas diretrizes, homologadas em 2018, esses estudantes terão organização curricular de três mil horas ao longo de três anos, divididas em duas partes indissociáveis: formação geral básica e itinerários formativos.


A primeira parte é composta pelas competências e habilidades da BNCC, organizadas dentro das áreas de conhecimento — linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e sociais aplicadas —, enquanto a segunda tem como objetivo a ampliação das aprendizagens nas áreas do conhecimento ou educação profissional técnica.


Segundo o Ministério da Educação, o objetivo é promover a elevação da qualidade do ensino no país por meio de uma referência comum obrigatória para todas as escolas de educação básica, respeitando a autonomia assegurada pela Constituição aos entes federados e às escolas.


Até lá, as instituições de ensino se preparam. Para Eli Guimarães, diretor pedagógico do colégio Sigma, 2021 será um ano difícil, em que as escolas continuarão a lidar com os desafios de manter a qualidade de ensino durante a pandemia, enquanto se preparam para estabelecer o novo ensino médio. “Você tem um modelo de escola morrendo, e outro nascendo”, avalia. “Há três anos, estamos fazendo uma série de cursos e estudos para compreender o que a BNCC permite. Para o próximo ano, estamos desenhando a escola, quais caminhos e opções”, explica.


Ainda não há previsão de oferecer cursos técnicos, mas o assunto será debatido. “A escola tem de se reinventar e entender que tem caminhos a trilhar. É possível ter a área técnica, mas as famílias estão interessadas nisso?”, questiona o diretor. “Temos três grandes desafios pela frente: aprimorar a escola on-line, fazer a implementação efetiva da nova escola, com as habilidades exigidas, e conviver com esse momento de mudança. O antigo está findando, e os alunos precisam ter contato com pelo menos parte do que vem aí.”

Preparação

Geovana Ramalho, 14 anos, prepara-se para o novo método da última etapa do ensino básico. Em 2021, no 1º ano do ensino médio, ela ainda terá aulas no formato tradicional. De qualquer forma, já foi consultada pela escola em que estuda, o Sesi de Taguatinga, sobre qual itinerário formativo quer cumprir a partir de 2022, quando a metodologia passará a ser aplicada na instituição, e optou pela área de ciências da natureza.


“É uma vertente com a qual eu me identifico. Como ainda não defini qual curso vou fazer na universidade, acho que isso pode me ajudar a tomar uma decisão ou até mesmo mostrar um caminho sobre qual profissão eu quero para o meu futuro”, acredita.


Pai de Geovana, o consultor em telecomunicações Carlos Sadarque, 42, acredita que a nova fórmula de ensino médio pode tornar a filha mais independente. “É ela quem tem a responsabilidade de escolher o futuro que quer. E, como já definiu qual área quer seguir, pode ter uma decisão mais acertada do que quer estudar na universidade”, observa.

Desafios à vista

A fase de mudanças no ensino médio, contudo, preocupa especialistas. Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Edileuza Fernandes Silva, os maiores desafios, principalmente na rede pública, estão ligados à infraestrutura. “Temos, no Brasil, uma estrutura física e tecnológica muito precária em relação a laboratórios de tecnologia, de ciências, e quantitativo de salas de aula”, avalia.


A professora destaca a necessidade de se vencer a evasão escolar antes de haver uma alteração no sistema. “Não se pode atribuir a responsabilidade apenas ao estudante. Inúmeros fatores contribuem para que isso aconteça: muitas reprovações, questões sociais e econômicas”, elenca. “O momento é de os gestores das escolas, secretarias de Educação e universidades pensarem alternativas para resolver os problemas de aprendizagem que ficarão com o ensino on-line.”


Coordenadora de políticas de ensino médio do Instituto Unibanco, Rita Jobim acrescenta que será necessário aprimorar a formação dos professores, que terão de deixar de lado um modelo de ensino em que são os “protagonistas” para dar vez a um método em que o estudante é o personagem principal. “O estudante precisará ser orientado a desenvolver pensamento crítico, autonomia, preocupação social, autoestima e outras competências, algo que nunca esteve acostumado. Isso vai levar tempo para funcionar, não será de uma hora para outra.”


Além disso, ela alerta que os exames de admissão para as universidades terão de sofrer alterações. Como os alunos vão trilhar um caminho específico ao escolher determinado itinerário, não é justo que os vestibulares sejam formulados com questões de matérias de outras áreas. “É imprescindível que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e os vestibulares se adéquem à BNCC”, pondera.

Entrevista

Júlio Furtado, psicopedagogo e doutor em ciências da educação

Ao lidar com o ensino médio, principalmente na fase de transição do fundamental para o 1º ano, quais são as principais preocupações dos jovens?
Todo jovem concluindo o ensino fundamental e indo para o ensino médio, geralmente, está pressionado de alguma forma para a escolha profissional. É típico da idade. Por volta dos 15 anos, escuta cobranças sobre o que está pensando da vida. Essa pressão é ampliada pelo fato de enxergar no Enem ou no vestibular um portal para o sucesso. O ensino médio é, naturalmente, redentor, porque, como é o último segmento da educação básica, o aluno precisa consertar tudo o que deu errado para trás. A gente verifica um altíssimo nível de evasão, porque o jovem não aguenta a pressão.

Como tornar esse período de transição algo mais fácil, especialmente quando é preciso mudar de escola?
A maneira de abrandar é a escola ser definida com a maior antecedência possível. Aconselho pais a escolherem a escola com os filhos, visitarem e iniciarem a aculturação o quanto antes. As escolas estão percebendo que é um processo necessário. Algumas promovem cursos de adaptação ao aluno que confirma a matrícula para, quando chegar no ano seguinte, não ser mais algo tão novo. Isso ajuda a amenizar o impacto.

Como aliviar a pressão de escolher uma profissão?
O alívio do impacto é cultural. Tem a ver com alívio da pressão que sofre da família e até da escola. Dizer que ele não está fazendo a escolha da vida, para não encarar aquilo como algo que vai definir o destino, e, sim, como um caminho. Aos 17 e 18 anos, o adolescente pode achar um caminho profissional bacana, mas ele tem todas as portas abertas para novas possibilidades que vão surgir a partir da primeira profissão. Precisa entender que uma escolha profissional é um primeiro passo.

A pandemia contribuiu para aumentar essas angústias?
O aluno do ensino médio desenvolveu ansiedade grande com relação à própria incerteza que tem diante de coisas que eram certas: data do Enem, como vai ser a prova. Tudo hoje é uma grande interrogação. É como se ele passasse por um processo de fechamento de uma etapa que, em plena pandemia, fica comprometido. Tenho visto bastantes jovens prestes a entrar no ensino médio se sentindo desanimados. Há um comportamento de desânimo por imaginar mais um ano letivo estudando remotamente, de forma híbrida e cheio de incertezas.

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