Pandemia

Pesquisa: escola é pior que EAD para a saúde mental de professores

Levantamento do Instituto Tim mostra que a sala de aula virtual deu certo alívio ao professor por causa de problemas como a violência escolar

João Carlos Magalhães*
postado em 02/03/2021 16:19 / atualizado em 02/03/2021 20:58
 (crédito: EPM/Divulgação)
(crédito: EPM/Divulgação)

Uma pesquisa do Instituto TIM constatou que o ambiente em sala de aula é muito mais prejudicial à saúde mental dos professores do que trabalhar em casa.

Apesar das dificuldades que os educadores enfrentam para dar aulas a distância, situações precárias de trabalho e violência na modalidade presencial de ensino trazem mais impacto negativo.

Depois do período de adaptação ao ensino on-line, docentes aumentaram o interesse pela profissão e diminuíram o desânimo no dia a dia. O resultado é de levantamento do projeto “O círculo da matemática no Brasil”.

Conflitos nas turmas e violência nas escolas foram apontados como os principais fatores negativos do trabalho presencial.

Na pesquisa, 64% dos docentes responderam que presenciaram agressão física ou verbal contra professores ou funcionários feita por alunos nas escolas. Outros 72% relataram ter presenciado brigas entre estudantes.

Participaram do estudo 770 professores de ensino fundamental de todo o Brasil. A amostra tem nível de confiança de 95% e margem de erro de 5% a 6%. O levantamento foi feito entre janeiro e novembro de 2020.

O coordenador da pesquisa, Flávio Vasconcellos Comim, 54 anos, esclarece que os dados estão ligados às situações precárias de trabalhos. “Infelizmente, no Brasil, grande parte dos professores trabalha em condições degradantes, e os números refletem isso”, diz.

O levantamento mostrou que professores vivem em um contexto de violência extrema no ambiente escolar. Na pesquisa, 6% dos profissionais de educação foram vítimas de atentado à vida por parte de alunos, 21% foram diretamente ameaçados e 16% foram furtados.

Quanto ao uso de drogas por parte dos estudantes, 19% dos professores alegaram ver uso de bebida alcoólica pelos alunos e 16% tiveram alunos que estavam sob efeito de drogas ilícitas, mostra o estudo.

“Quando iniciamos a pesquisa, não esperávamos esse resultado. A gente ainda não tinha se dado conta de que as condições de trabalho dos professores são tão ruins e de que, com a pandemia, lecionando de casa, eles tiveram um respiro (para a saúde mental)”, explica Flávio. 

 

Flavio Comim, professor da IQS School of Management (Barcelona) e da Universidade de Cambridge, responsável pela pesquisa e um dos idealizadores do projeto do Instituto TIM
Flavio Comim, professor da IQS School of Management (Barcelona) e da Universidade de Cambridge, responsável pela pesquisa e um dos idealizadores do projeto do Instituto TIM (foto: Divulgação Tim Brasil )

 

Apesar de estarem inseridos neste contexto de violência, Flávio notou que há, entre os professores, um sentimento de normalidade com a situação. “Quando a gente pergunta para o profissional se tem violência no contexto escolar, a maioria responde que sim, mas que é normal. Isso mostra que os professores naturalizaram essa violência”, constata.

Ademais, a situação se agrava por causa da qualidade de vida dos professores. Seguindo a tendência mundial, profissionais de educação também foram afetados economicamente pela pandemia uma vez que 66,7% tiveram perda de renda ou dinheiro. 

A pesquisa mostrou que 77% dos docentes trabalham em bairros economicamente mais vulneráveis e 33% estão em escolas onde faltam recursos ou material didático para as aulas.

Além disso, 24% exercem outra atividade para complementar renda e 12% experimentaram, no ano passado, algum período de desemprego ou trabalho temporário. Os que têm medo de perder o emprego atual são 17% e 10% sofrem com atrasos frequentes de salário.

De acordo com o levantamento, 17% dos professores testaram positivo para o covid-19 ou achara que tiveram a doença. Nas famílias de 53% dos docentes alguém foi infectado e 66,8% conhecem alguém que faleceu por causa do coronavírus. 

Vítima de violência na escola

Diretora da Escola Classe 42 de Taguatinga, Rejane Freitas, 42 anos, atua na Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) há 23 anos. Em ambiente escolar, foi agredida por um homem que dizia ser pai de uma aluna.

Ele chegou para buscar a estudante durante o horário de aula e estava alterado. Rejane não permitiu a entrada, seguindo o regimento escolar. Então, o homem a empurrou contra o portão e funcionários precisaram chamar a polícia. A diretora foi encaminhada a um hospital com um ferimento na coluna.

Mesmo após o ocorrido, a diretora não pensa em trocar de profissão. “Sou apaixonada pelo meu trabalho, mas é fato que convivemos diariamente com a insegurança e a violência nas escolas”, afirma. “A violência interfere muito na vida de todos e, quando acontece no interior da escola, ficamos vulneráveis e nos sentimos muito inseguros”, diz.

Para Rejane, a saída para a violência no ambiente escolar está na educação “A única solução é educar a sociedade e disseminar a cultura da não violência e do diálogo. Precisamos aprender a ser mais tolerantes uns com os outros”, argumenta.

Apesar dos problemas do trabalho presencial, Rejane lembra que vários colegas de profissão que conhece tiveram depressão, bem como alunos, durante a pandemia. "Os professores com que eu trabalho detestaram as aulas remotas", recorda. No entanto, ela entende a importância do ensino remoto para lidar com a crise sanitária. Diante de mais um lockdown no Distrito Federal, a docente entende que não é o momento de voltar às aulas presenciais ainda. "A gente quer voltar, mas com segurança." 

A diretora da Escola Classe 42 de Taguatinga, Rejane Freitas, já presenciou e foi vítima de violência escolar
A diretora da Escola Classe 42 de Taguatinga, Rejane Freitas, já presenciou e foi vítima de violência escolar (foto: Arquivo Pessoal )

Saúde mental foi aspecto importante do levantamento

Embora a pesquisa ressalte que o ambiente em sala de aula é mais prejudicial à saúde mental dos professores do que trabalhar em casa, o número de profissionais que tiveram sintomas de doenças psicopatológicas é alto.

De acordo com o levantamento, 78% dos docentes tiveram problemas de insônia e 82,5% apresentaram (ou tiveram alguém na família que teve) sintomas de ansiedade ou depressão por causa da pandemia.

Flávio Comim explica que, mesmo com os números altos, as aulas de casa são mais saudáveis para o professor. Até porque problemas de saúde mental por causa da pandemia são esperados e independem da categoria profissional. "Ainda é mais vantajoso trabalhar de casa levando em consideração a pesquisa completa”, diz.

“De fato, a saúde mental é afetada, mas a gente não pode esquecer que quase 15% dos professores têm menos vontade de morrer ao trabalhar de casa. Isso é muito significativo”, destaca. 

Insônia no começo da pandemia

A pedagoga e professora de anos inciais da Escola Classe 614 de Samambaia Norte, Maria Santana, 47, teve problemas com insônia após a pandemia. “Eu deitava e não conseguia dormir. Ficava pensando em como dar aula para meus alunos de um computador”, lembra.

Após um período de adaptação, ela superou o problema. “Para nós, professores, trabalhar de casa foi uma grande oportunidade de sair do comodismo. Foi bom porque desenvolvemos novas habilidades”, diz. Apesar disso, Maria prefere trabalhar de modo presencial.

"O ensino remoto não alcança todas as crianças e o resultado da aprendizagem não é o mesmo", explica. 

Professora de alfabetização, Maria Santana teve dificuldades com o ensino a distância
Professora de alfabetização, Maria Santana teve dificuldades com o ensino a distância (foto: Arquivo Pessoal )

 

Visão de uma pesquisadora: não é possível tirar conclusões definitivas do estudo

Professora de pedagogia da Universidade de Brasília (UnB), Maria de Fátima Guerra afirma que alguns aspectos da pesquisa não permitem conclusões definitivas. "Para definir pontos, a gente precisaria definir qual o contexto da pesquisa, por exemplo, onde está cada um desses professores entrevistados", reflete. 

Outro fato que dificulta a generalização da pesquisa é a presença de outras evidências. "A comunidade precisaria de mais pesquisas nesta linha", reflete a mestra em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora em educação de primeira infância pela Universidade Estadual de Ohio.

O estudo do Instituto TIM utiliza metodologia mais comum no exterior e, para a professora, este é outro fator que dificulta poder tirar conclusões dos resultados. "Como eu posso julgar contextos tão diferentes dos professores brasileiros, com métodos que não levam em consideração essa particularidade?", questiona. 

Por esses fatores, Maria de Fátima afirma que "a pesquisa traz indicadores, mas não conclusões". Para a docente, não é possível definir qual é o melhor dos contextos para os professores, se é o ensino virtual ou se é o presencial. "O processo de ensino-aprendizagem depende do objetivo que o professor quer atingir e de qual o público alvo dele. Entre os alunos, eu tenho diferente realidades. Depende muito", conclui.  

*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

 

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