Risco de apagão educacional

Carta de educadores, pesquisadores e estudantes reúne assinaturas

Segundo o documento, que já conta com mais de 3 mil assinaturas, há risco de um apagão educacional a partir das políticas adotadas nos últimos anos

EuEstudante
postado em 01/04/2021 15:55 / atualizado em 01/04/2021 15:59
 (crédito: REUTERS / Amanda Perobelli)
(crédito: REUTERS / Amanda Perobelli)

Carta aberta de educadores, pesquisadores e estudantes à sociedade brasileira alerta para a ameaça de um apagão educacional a partir das políticas adotadas nos últimos anos. O documento, que também aponta um aparelhamento das políticas públicas, está aberto para quem quiser apoiá-lo a partir de assinatura até segunda-feira (5/4).

“Ao mesmo tempo, vem priorizando pautas negacionistas e ultraconservadoras, estranhas às urgências educacionais do país e marcadamente ligadas aos interesses específicos de determinados grupos ideológicos, num claro aparelhamento das políticas públicas”, observa.

Além disso, a carta elenca políticas em curso que causam perplexidade, por exemplo, a definição de prioridade à aprovação de uma lei para regulamentar a educação domiciliar e veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao Projeto Lei (PL) n° 3.477/2020, que garantiria acesso à internet a alunos e professores da educação básica pública.

Também são destacadas medidas que merecem atenção, como o “compromisso com a redução das desigualdades educacionais, articulando políticas intersetoriais entre as áreas da Saúde, da Educação e da Assistência Social, com foco no desenvolvimento integral de nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos”. Até o fechamento desta matéria, o documento contava com 139 assinaturas de Representantes de instituições e movimentos e 3.215, de pessoas físicas.

Acesse o link onde é possível demonstrar apoio à iniciativa.

 

Confira a íntegra da carta aberta:

“São Paulo, 1º de abril de 2021.

Ao longo dos últimos 30 anos, a educação brasileira teve avanços importantes, ainda que num ritmo mais lento do que o desejado e necessário para que pudéssemos dar um salto de qualidade e de equidade capaz de promover o tão almejado desenvolvimento humano, econômico e social do país. A partir do diálogo democrático, do debate público e da construção de consensos possíveis, conquistamos relevantes avanços na legislação e nas políticas públicas educacionais em âmbito federal e nos estados e municípios, em governos de partidos e orientações políticas diversas.

Nos últimos 30 anos, o Ensino Fundamental foi quase universalizado e a Educação Infantil e o Ensino Médio tiveram ganhos importantes na cobertura. O percentual de crianças matriculadas na pré-escola passou de menos de 30%, em 1980, para 92,7% em 2019, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). No Ensino Fundamental, esse índice chegou a 99,7% em 2019 e, no Ensino Médio, a quase 90%. Considerando o aprendizado, o analfabetismo absoluto caiu de 25%, em 1990, para 6,6% em 2019. Entre 2007 e 2017, o percentual de estudantes com aprendizado adequado no 5º ano dobrou: em língua portuguesa aumentou de 27,9% para 60,7% (aumento de 32,8 pontos percentuais) e, em matemática, cresceu de 23,7% para 48,9% (aumento de 25.2 pontos percentuais). No período, também houve queda significativa das taxas de reprovação e alguma melhoria na infraestrutura das escolas e na formação, condições de trabalho e remuneração dos profissionais da educação.

Em que pese um investimento por aluno ainda muito aquém dos países com os melhores indicadores de desenvolvimento educacional, os dados apontam uma progressiva melhoria nos índices educacionais do país, acompanhado ainda pela criação de uma política de avaliação que permitiu identificar avanços, desafios e gargalos a serem enfrentados. Os indicadores demonstram também o que há muito pesquisadores, gestores, conselheiros e educadores repetem: a educação exige um processo de formação ao longo da vida, portanto resultados educacionais consistentes não são alcançados de um ano para o outro, sendo necessária a continuidade e o aprimoramento contínuo das políticas públicas.

Contudo, nos últimos anos, o Brasil tem caminhado na contramão dessa trajetória de conquistas, promovendo desarticulação entre diferentes entes federados e o desmonte das políticas construídas nos últimos trinta anos e bem avaliadas pela comunidade educativa.

Em âmbito federal, observamos com preocupação a queda dos investimentos do Ministério da Educação (MEC). Em um dos momentos de maior emergência para a história da educação pública brasileira, o governo federal tem proposto ações extremamente tímidas para coordenar as ações e apoiar redes públicas de educação básica, colocando o país sob ameaça de um apagão educacional. Ao mesmo tempo, vem priorizando pautas negacionistas e ultraconservadoras, estranhas às urgências educacionais do país e marcadamente ligadas aos interesses específicos de determinados grupos ideológicos, num claro aparelhamento das políticas públicas.

Causa perplexidade, por exemplo, que o estudo que irá amparar a formulação de novas avaliações externas para a educação básica tenha sido tirado das atribuições da equipe técnica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); que, entre as agendas priorizadas pelo governo junto ao Congresso, esteja a aprovação de uma lei para regulamentar a educação domiciliar; que, em desrespeito à Constituição e à nossa legislação educacional, tenha sido excluída do edital de compras do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2023 a exigência de que as obras não promovam preconceitos de raça, gênero, orientação sexual ou socioeconômicos; que o Presidente Jair Bolsonaro tenha vetado integralmente o Projeto Lei 3.477/2020, que buscava garantir acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e professores da educação básica pública; que a Política Nacional de Alfabetização não observe outros marcos normativos em vigor; entre outras ações que desconsideram as urgências do país, a legislação e os consensos construídos entre pesquisadores, educadores, estudantes, famílias, representantes da sociedade civil organizada e outros atores da comunidade educacional.

Diante da tragédia que se anuncia, é preciso urgentemente retomar a racionalidade e o rigor técnico na condução das políticas públicas educacionais. Exigimos que os Poderes constituídos se pautem pelos princípios democráticos básicos e inegociáveis de:

Respeito à Constituição Federal, à legislação infraconstitucional e às demais normativas educacionais vigentes, com especial atenção àquelas que ainda carecem de regulamentação específica, como a normatização do Sistema Nacional de Educação e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) e a regulamentação do Custo Aluno-Qualidade;

Compromisso com a implementação integral do Plano Nacional de Educação 2014-2024, com atenção especial às metas e estratégias estruturantes;

Compromisso com a redução das desigualdades educacionais, articulando políticas intersetoriais entre as áreas da Saúde, da Educação e da Assistência Social, com foco no desenvolvimento integral de nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos;

Sentido de urgência e capacidade de coordenação, em âmbito nacional, dos esforços de resposta aos desafios educacionais impostos pela pandemia de Covid-19 para os 48 milhões de estudantes e 2,2 milhões de docentes brasileiros da educação básica, com especial atenção aos 5,5 milhões de crianças e adolescentes que, em 2020, ou não estavam matriculados na escola ou não receberam qualquer atividade educacional;

Diálogo entre o governo federal e órgãos públicos dos diferentes entes federativos que colaboram para a formulação e execução de políticas públicas de educação no país, notadamente o parlamento brasileiro, o Conselho Nacional de Educação e entidades representativas dos sistemas públicos de educação básica, como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed);

Diálogo com estudantes, educadores, pesquisadores das universidades brasileiras e com representantes sindicais, de entidades estudantis e da sociedade civil organizada como um todo, para um processo democrático de tomada de decisão sobre as políticas públicas educacionais, capaz inclusive de torná-las mais efetivas.

Neste momento de múltiplas crises, os prejuízos da falta de coordenação entre diferentes ações e do desmonte das políticas já em curso se traduzirá, em médio e longo prazos, em prejuízos ainda maiores para aqueles que historicamente foram excluídos do direito à educação - pessoas vivendo em situação de pobreza ou extrema pobreza, negras, indígenas, quilombolas, com deficiência, meninas e mulheres, populações LGBTI+, moradoras das regiões Norte e Nordeste, de áreas rurais ou das periferias de grandes centros urbanos -, e também para o futuro do Brasil como um todo.

Não aceitaremos nenhum direito suprimido, nenhuma conquista a menos e que nenhuma pessoa fique para trás!”

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