SOLIDARIEDADE

Voluntários ajudam estudantes da periferia a superar dificuldades da pandemia

A fim de ajudar estudantes da periferia, iniciativas levam conhecimento àqueles que, por conta da pandemia, enfrentam ainda mais dificuldades de aprendizado, sobretudo os vestibulandos. Falta de computador e de acesso à internet são grandes desafios

Luiz Calcagno
postado em 26/04/2021 06:00
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Às vezes, basta um empurrãozinho, e a periferia vai longe. Consequência direta do crescimento da cidade, ela tem vontade de ir além, entrar em universidade pública, mudar a situação das famílias. Ela quer aprender mais, embora tenha menos oportunidades. A começar pela educação, já renegada por governos a fio antes da pandemia e, especialmente, prejudicada com a chegada do novo coronavírus. Vivendo a própria guerra, há quem assista a aulas por celular. São histórias de superação que podem dar esperança aos que sentem medo pelo futuro.

Um dos professores e coordenador do pré-vestibular do projeto do Jovem de Expressão, Rodrigo da Silva Soares coleciona casos de alunos que tiveram sucesso. Ele mesmo teve ajuda de um cursinho gratuito para se formar em sociologia na Universidade de Brasília (UnB). O projeto que coordena conta com dois ciclos preparatórios, UnB e Enem, e funciona desde 2016. “Muito porque nossos alunos estavam interessados em passar na UnB, mas não tinham como pagar um cursinho particular. Pensando nisso, montamos o preparatório. Fizemos uma chamada pelo instagram”, lembra.

O pré-vestibular do Jovem de Expressão seguiu funcionando desde então, com a marca de manter professores e alunos próximos, o que ajuda a estimular os estudantes e a reforçar a importância da caminhada que estão trilhando. Inclusive, para que os próprios estudantes convençam os pais da importância do investimento em educação. Com a pandemia, foi preciso dar vez às aulas on-line, o que provocou afastamentos e prejudicou parte dos alunos. A procura caiu de 300 inscrições para 130. Para não deixar ninguém sem o conteúdo, Rodrigo grava as aulas e entrega em pendrives aos alunos que possuem computador, mas não têm acesso à internet.

Apesar da adaptação, uma parte dos estudantes perdeu o ânimo ou abandonou o curso. “A questão econômica pesou. Muitos tiveram pais demitidos, houve perda de renda. Temos alunos de 18 a 45 anos. Neste momento, eles têm que arrumar um emprego. Mesmo com o público de PAS (Programa de Avaliação Seriada), que tem mais acesso à internet, a pandemia também mexeu. Percebemos uma ansiedade. O fator psicossocial e questões políticas afetam o ritmo de estudo desses alunos. Percebemos um abandono. Muitos deles ficaram um ano sem professor de química ou de história nas escolas. Fazemos um corre para recuperar”, destaca.

Rodrigo destaca que os jovens da periferia querem “ocupar os outros espaços”. “Nós, os professores, não temos como medir a importância psicológica do trabalho. A gente está passando por tanta pressão, tanta coisa acontecendo, uma desvalorização grande, e você dar aula para um aluno que tem um interesse, que quer, e só precisa de um empurrãozinho, é um valor muito grande. E nós, que somos da periferia, vemos esses alunos, e nos enxergamos neles. Eu vim de um cursinho voluntário. E dá frutos. Muitas vezes, quem passa volta para dar aulas”, analisa.

Estratégia

Ana Letícia Souza da Silva, 21 anos, cursa antropologia pela UnB graças ao Jovem de Expressão. Diariamente, andava cerca de uma hora para ir do PSul ao cursinho. Vinda de um contexto de violência familiar, a jovem testemunhou e até interveio em diversas agressões contra a mãe. No fim do ensino médio, a diretora da escola onde estudava colocou a capacidade de Ana Letícia em xeque. “Ela perguntou se eu era inteligente, porque eu não tinha passado em nenhum vestibular. Disse que cotas era para aluno preguiçoso, que na escola dela não cabia aquilo”, recorda-se.

“Decidi que não ia deixar ela passar por cima de tudo que eu estava superando, com professores ótimos. Nesse dia, eu fiquei muito mal. Eu cheguei no cursinho muito estressada. Quando eu passei no vestibular, falei para todos os meus professores, tanto do cursinho quanto do ensino médio, e eles ficaram muito felizes por mim”, conta a estudante. Um dos segredos foi ser estratégica. Descobrir assuntos de interesse nas matérias mais difíceis e se reunir com colegas para somar força no estudo.

Ela lembra da mãe emocionada quando foi aprovada. “Filha de costureira também entra na universidade’”, disse a mulher. Pela UnB, Letícia viajou o país, escreveu um livro, fruto de pesquisa, deu aulas. No entanto afirma que, para isso, o apoio do Jovem de Expressão foi fundamental. “Não precisamos do pessimismo dos outros. Nós, que somos da periferia, não podemos deixar uma oportunidade dessa passar. Qualquer pessoa da periferia vive de estratégias. É o mínimo. Nossa vida se faz de planos e estratégias. Eu planejava comer no restaurante universitário, sentar lá, bem exibida. Quando entrei, pensei, ‘a UnB é minha’”, comemora.

Engajamento

Outro cursinho voluntário, o Galt, que funciona na Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (Eape) da Secretaria de Educação do DF, na 907 Sul, observou uma parte considerável dos alunos deixarem as aulas por conta da pandemia. O projeto começou em 2015, formado por alunos da UnB, e tem seu corpo de voluntários constituído 80% por universitários. Para manter a proximidade entre estudantes e professores, a ideia foi criar um sistema de apadrinhamento e amadrinhamento. “A primeira preocupação que vem em mente é a motivação dos alunos. Já tínhamos começado o primeiro semestre no presencial. Veio a notícia que teríamos que nos reinventar para nos adaptar ao modelo virtual. Tivemos perdas, pois o público-alvo é baixa renda”, conta a presidente institucional do Galt, Victória de Andrade Eufrasio.

A exigência de um computador exclui muitos alunos. Nesse caso, o semestre que começou com 230 estudantes terminou com cerca de 150. A dificuldade das instituições de ensino de marcarem as provas de vestibular, devido ao risco de infecção, minou a perspectiva de muitos jovens. Para motivar os que ficaram, os voluntários investiram em oficinas de planejamento financeiro e de metas. Victória destaca que o cursinho tenta passar aos pré-vestibulandos estabilidade para não desistirem.

“É preciso deixar claro que eles não estão sozinhos. Neste momento, o que a gente pode oferecer é acolhimento. A esperança é que isso vai passar, e vamos vencer juntos”, afirma Victória. Lucas Sousa Cavalcanti, 23, concorda. Ex-aluno do Galt, ele está concluindo economia pela UnB. O jovem se tornou voluntário e responsável pela área administrativa do cursinho. “É união. Nosso planejamento, este ano, é baseado no engajamento, união e apoio. Não tem como passar por este período de uma forma melhor que juntos e unidos em prol de uma causa”, destaca.

Arrecadação

Presidente institucional do Vestibular Cidadão, que funcionava no Cesas, na 602 Sul, Vinícius Machado relata uma queda de 700 para 200 inscritos. Os voluntários estão arrecadando apostilas para os estudantes e fazendo a triagem do material. Vinícius destaca que os vestibulandos precisam focar nas dificuldades que podem solucionar, para não perderem seus objetivos de vista.

“Temos que entender que os problemas são divididos em várias partes. E boa parte dos problemas que temos nem sempre conseguimos resolver sozinhos. Quando existe uma limitação no que eu posso fazer, e já fiz o que era possível, tenho que esperar e ter esperança no que vai melhorar. Nem sempre conseguimos resolver problemas que não são passíveis de resolução”, aconselha.

Ajude

Jovem de Expressão
jovemdeexpressao.com.br/
A principal forma de contato é pelo instagram: @jovemdeexpressao. O programa precisa de professores voluntários de exatas.

Galt
www.galtvestibulares.com.br/
A principal forma de contato é pelo site. Na página, o grupo explica em que os voluntários podem ajudar. Para doações financeiras. o endereço é www.galtvestibulares.com.br/doe.

Vestibular Cidadão
www.vestibularcidadao.com/
A principal forma de contato é pelo instagram: @vestcidadao. Voluntários estão angariando apostilas atualizadas e em bom estado para os estudantes.

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