Educação Indígena

Pedagoga contribui com avanço da educação no Parque Indígena do Xingu

Educadora há 27 anos, Enisanda Oliveira começou a trabalhar com educação indígena em 2008. Ela ajudou da construção das escolas até a formação de professores

Júlia Mano*
postado em 16/06/2021 12:15 / atualizado em 16/06/2021 12:22
Enisandra trabalha na área de educação indígena há 12 anos -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Enisandra trabalha na área de educação indígena há 12 anos - (crédito: Arquivo Pessoal)

 “Sempre digo que minha inspiração é a minha mãe, que foi professora no Paraná. Tivemos a educação bem próxima de nós na infância”, conta a pedagoga Enisandra Aparecida Garcia Oliveira, 47 anos. Natural de Naviraí (MS), a família dela, em 1994, mudou-se para Feliz Natal (MT), município que fica a cerca de 511 km de Cuiabá. Naquela época, havia carência de profissionais de educação na região. Com isso, ela se colocou à disposição da localidade e começou a trabalhar.

 

Atuante na área de educação desde 1994, Enisandra cursou pedagogia na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) logo após finalizar o ensino médio. A educadora também graduou-se em letras de língua portuguesa/espanhol pela Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), tem especialização em gestão educacional e também MBA (master of business administration) em gestão em educação. Em 2020, começou o mestrado em tecnologias emergentes da educação na MUST University (Flórida, EUA).

 

Os últimos 12 anos de carreira de Enisandra foram dedicados à educação indígena. A oportunidade surgiu em 2008, quando a pedagoga foi convidada para integrar a equipe da coordenação municipal de Feliz Natal. Com isso, passou a conhecer com maior profundidade a cultura.

 

“Ali, me aproximei das reais necessidades da educação, reconhecendo que vai além dos nossos bancos escolares da área urbana e do campo. As raízes da educação indígena se acentuavam devido à vontade de fazerem parte de um desenvolvimento educacional com solidez para o povo”, conta.

 

Segundo Enisandra, na época em que começou a atuar com educação indígena, as comunidades da região estavam se organizando. As que ficaram dentro do território do município buscaram formas para que nas aldeias tivesse educação escolarizada e com espaços físicos adequados. A pedagoga participou do projeto para viabilizar a demanda nas comunidades junto ao ex-secretário de educação e ex-vereador de Feliz Natal, Gerson Antônio, e à professora Salete dos Santos da Silva.

 

A educadora foi responsável por providenciar as construções das escolas indígenas e fazer a documentação necessária. Ao fim, foram abertas cinco unidades dentro do Parque Indígena do Xingu, que atendem turmas da educação básica, infantil e do ensino fundamental. Segundo Enisandra, em 2020, haviam 143 alunos matriculados nas escolas da região.

 

O Parque Indígena do Xingu, anteriormente Parque Nacional do Xingu, é localizado na região nordeste de Mato Grosso e abrange uma área de 2.642.003 hectares. O local foi criado em 1961 sob o decreto nº 50.455, assinado pelo ex-presidente Jânio Quadros e regulamentado pelo decreto nº 51.084 do mesmo ano. Ao longo dos anos, outros ajustes foram feitos sob outros decretos, até chegar na demarcação atual de perímetro em 1978.

 

Segundo Censo de 1994, disponível no site do Instituto Socioambiental, o número de habitantes do Parque era de 3.581. O local fica a cerca de 535 km da cidade de Enisandra. A educadora foi diretora de cinco escolas indígenas, uma delas foi a Escola Municipal Indígena Maraká. A pedagoga percorria cerca de 475 km de carro e 25 km de lancha pelo rio para chegar na unidade.

 

Além da assistência na construção das escolas, Enisandra esteve presente na reforma das unidades e na formação de professores. Ela também foi coordenadora e secretária municipal de educação. Recentemente, a pedagoga finalizou o mandato como presidente do Conselho Municipal de Educação que começou em 2017.

 

A escola está cercada por árvores. É uma construção com duas janelas e está pintada de amarelo com azul e uma listra verde entre as cores.
A escola está cercada por árvores. É uma construção com duas janelas e está pintada de amarelo com azul e uma listra verde entre as cores. (foto: Arquivo Pessoal)

 

Em 2020, a gestão dela, junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), conseguiu instalar rede de internet em três escolas do Parque que não eram contempladas. Ao fim do mandato, todas as unidades educacionais tinham acesso à internet e a computadores para o uso dos alunos e de profissionais que tivessem o intuito de se capacitar.

 

A educação escolar indígena segue a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394 de 1996). Segundo a legislação, dentre as competências conferidas à União, está incluída a elaboração do Plano Nacional de Educação. Aos Estados, cabe a organização, a manutenção e o desenvolvimento de órgãos e instituições oficiais do sistema de ensino. Ou seja, é responsabilidade das unidades federativas e municípios garantir o direito à educação nas comunidades.

 

De acordo com Enisandra, no currículo escolar das instituições de ensino de educação indígena, há o estudo da língua materna como disciplina e a adição de práticas culturais locais em matérias como história, geografia e ciências. Com isso, os estudantes aprendem sobre períodos de plantio, colheita e celebrações.

 

Desafio com a pandemia

Antes da disseminação do vírus da covid-19 no Brasil e no mundo, havia dificuldades nas unidades escolares da região. Um dos problemas que Enisandra cita é a falta de amparo público aos professores indígenas. Outro, é a falta de energia elétrica nas aldeias.

 

Com incentivo da Fundação Nacional do Índio (Funai) e convênio com países como Estados Unidos e França, foi possível instalar rede de internet em algumas comunidades. No entanto, sofrem com a má qualidade da conexão por falta de cabeamento e a longa distância. As escolas que não têm energia elétrica utilizam rádio amador para se comunicarem.

 

“Como ainda estamos enfrentando a pandemia, o impacto no trabalho foi um choque, pois nunca havia vivenciado tal situação”, relata Enisandra. Os gestores da região fizeram diversas discussões para entender os desafios do momento e alternativas para conduzir a educação de forma que não prejudicasse os alunos.

 

Com isso, os professores entregam aos pais dos estudantes das aldeias apostilas impressas. Depois, os educadores recebem o material, corrigem e devolvem aos alunos. Enisandra se afastou um pouco da educação indígena neste ano, em razão do fim da gestão.

 

“A educação local tem trabalhado muito para se fortalecer e dar início às aulas híbridas na segunda quinzena de junho”, relata. A pedagoga também conta que, na última quinta-feira (10), começou a campanha de vacinação da primeira dose direcionada aos profissionais da educação das escolas da região.

 

Das adaptações que precisaram ser feitas devido a pandemia, Enisandra ressalta os cuidados com a higiene. A educadora afirma que a aproximação profissionais indígenas para entregar a merenda escolar, ou materiais pedagógicos exigiu a criação de estratégias de descontaminação para manter todos saudáveis.

 

“Vivenciando experiências na educação ao longo de minha caminhada como estudante, profissional e pesquisadora, destaco que a maior riqueza que levamos é poder trabalhar com o que gostamos, buscando avanços da educação escolar, seja ela indígena, inclusiva ou regular”, finaliza.


*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo

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