INSEGURANÇA

Brumadinho: pais deixam de mandar filhos para escola por medo de barragem

Escola fica na área de autossalvamento da barragem de Santa Bárbara. Comissão da ALMG quer que a unidade de ensino seja transferida para outro local

Estado de Minas
postado em 05/07/2022 21:23 / atualizado em 05/07/2022 21:23
 (crédito: Luiz Santana/ALMG/Divulgação)
(crédito: Luiz Santana/ALMG/Divulgação)

"Mamãe, não manda meu irmão (para a escola) porque eu tenho muito medo dele ir e não voltar", diz emocionada a mãe de um aluno da Escola Municipal Padre Xisto, localizada em Piedade do Paraopeba, distrito de Brumadinho. Os pais estão com medo de mandarem os filhos para aula porque a escola fica na área de autossalvamento da barragem Santa Bárbara, da Vallourec Mineração.

A instituição de ensino atende 279 crianças da educação infantil e do ensino fundamental, há quase 120 anos e fica a cerca de dois quilômetros da barragem. Por estar nesse perímetro em que não há tempo suficiente para uma intervenção dos serviços e agentes de proteção civil em caso de rompimento, os pais receberam, há dois meses, um comunicado da escola avisando de um treinamento de fuga para as crianças e os funcionários.

Apesar dos laudos apresentados pela mineradora indicarem que a barragem está estável, a situação gerou insegurança em pais e alunos. Desde então, alguns responsáveis deixaram de mandar seus filhos para a escola. Os pais querem que a escola seja transferida para outro local fora da área de risco até que haja o descomissionamento da barragem ou que seja construída outra unidade de ensino em local seguro.

Pressão para voltar às aulas

Cartazes feitos pelos alunos da escola
Cartazes feitos pelos alunos da escola (foto: Luiz Santana/ALMG/Divulgação)

A vendedora, Alice Fonseca Silva Souza, de 44 anos, tem um filho de 12 anos que estuda na escola desde 2020. Ela faz parte da comissão de pais e diz que, inicialmente, 42 alunos deixaram de frequentar as aulas.

Segundo ela, porém, a escola fez pressão para que os alunos retornassem às aulas. "Eles falaram que se a gente não mandasse eles para a escola, o Conselho Tutelar iria tirar a guarda dos nossos filhos porque estaríamos sendo negligentes. Muitos ficaram com medo e voltaram."

Atualmente são 9 famílias que não mandam os filhos para a escola há dois meses. O filho de Alice está entre eles e ela é taxativa em explicar a recusa. "A partir do momento que você sabe que o risco existe, você vai mandar seu filho pra lá? Eu não tenho coragem de mandar porque pode acontecer (o rompimento) e ele não conseguir se salvar. Como vou me sentir o resto da vida pensando que eu poderia ter evitado e não fiz. Eu prefiro que ele perca o ano escolar do que a vida. Estudo ele pode retomar em qualquer momento, a vida não."

A vendedora lembra das vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão que ainda seguem desaparecidas. Ela diz que conhece uma das famílias e acompanha o sofrimento de perto. "Não quero passar por isso."

Alice afirma que muitos pais que decidiram autorizar a volta dos filhos às aulas fazem por medo de represália, por ter algum parente que trabalha na mineradora ou no serviço público.

Ela conta que pediu à instituição de ensino para enviar a matéria, atividades para os alunos fazerem em casa e até a possibilidade de aulas on-line. "Mas, a escola disse que não pode fazer nada."

Para a vendedora, o município não demonstra vontade em resolver o problema. "Até hoje não tivemos contato com a secretaria de Educação para sentar, conversar, tentar ouvir os nossos medos e anseios."

Mudança de cidade

O pintor José Geraldo Vitório, de 50 anos, diz que foi obrigado a tirar o filho, de 11 anos, da escola. Ele conta que muitos pais só ficaram sabendo que a escola está na área de autossalvamento da barragem depois do anúncio do treinamento para os alunos. Segundo o pintor, os pais questionaram a diretora que marcou uma reunião com uma equipe da mineradora. "O pânico maior quem teve foi a minha esposa. Ela sofre de depressão e entrou em desespero."

O filho do casal ficou duas semanas sem frequentar a escola e, por medo de serem responsabilizados pelo Conselho Tutelar, decidiram mandar o menino para casa da avó materna, em Funilândia, próximo à Sete Lagoas. A esposa dele se reveza entre as duas casas para ficar perto do único filho.

O pintor relata que quando foi pegar a transferência do menino ficou sabendo que a Secretaria de Educação do município não ia permitir que os alunos fossem para outras escolas da região. Ele está preocupado já que o filho quer voltar para a casa da família.

"Se ele quiser voltar, vai ter que ficar sem estudar porque pra lá (escola) ele não volta."

Estabilidade da barragem e estudo da mineradora

A diretora da escola, Silvana Silva Maia, afirma que o Ministério Público está acompanhando a situação e que laudos apresentados mostram que a barragem está em nível de criticidade zero, o que demonstra que a estrutura está estável. Mesmo assim, ela disse que pediu a instalação de uma sirene na escola.

A diretora ressaltou ainda que aguarda estudo da mineradora sobre a viabilidade de descomissionamento da barragem, de melhorar sua estrutura, de transferir a escola para outro espaço ou de construir uma outra escola. Segundo ela, com essas informações, a Agência Nacional de Mineração vai dar um encaminhamento para o caso.

Sobre a possibilidade de transferir os nove alunos para outras escolas, ela explicou que isso abriria uma brecha para que outros estudantes também fizessem o mesmo pedido e que não seria possível dar esse suporte a todos.

Em relação a uma assistência aos alunos que não estão frequentando as aulas, ela respondeu que a questão deve ser analisada pela secretaria Municipal de Educação.

Questionada sobre o tempo que demora para os rejeitos chegarem à escola numa situação de rompimento, respondeu que os estudos da Vallourec apontam para 22 minutos. Além disso, segundo ela, a lama atingiria sete metros, passando pela quadra esportiva, onde há aulas de educação física. O ponto máximo de rejeitos seria o auditório da escola e não chegariam às salas de aula.

Comissão da ALMG acompanha a situação

A Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) fez uma visita à escola nessa segunda-feira (4/7). A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que preside a comissão e solicitou a visita, enfatizou que a situação é grave.

De acordo com ela, a comissão vai pedir uma mediação para o problema via Judiciário, vai buscar entendimentos no MP e somar esforços com a comunidade para que a empresa transfira a escola até que haja o descomissionamento da barragem.

No fim da visita, o grupo percorreu a rota de fuga, desde a quadra da escola, e contabilizando o tempo até a Igreja do Rosário, que é o ponto de encontro.

Pais em frente à Escola Municipal Padre Xisto, em Piedade do Paraopeba, distrito de Brumadinho
Pais em frente à Escola Municipal Padre Xisto, em Piedade do Paraopeba, distrito de Brumadinho (foto: Luiz Santana/ALMG/Divulgação)

O trajeto íngreme levou 3 minutos e 42 segundos. "Não sabemos ao certo a velocidade da lama em caso de rompimento. Só sabemos que, na prática, para se ter o impacto demora menos do que o apontado nos estudos. E esse tempo que gastamos até aqui foi executado por adultos, fora de uma situação de pânico", disse Beatriz.

Respostas

A Prefeitura de Brumadinho, por meio da Secretaria Municipal de Educação, afirmou, em nota que, "preocupada com a segurança e bem estar dos alunos, acionou o Ministério Público que informou ter solicitado uma auditoria sobre a real situação da barragem de Santa Bárbara (Vallourec)."

"Diante dos estudos que estão sendo realizados, os órgãos responsáveis por fiscalizar e monitorar barragens atestam a estabilidade da mesma que se encontra no nível zero de criticidade, sem risco iminente de transbordamento."

A secretaria Municipal de Meio Ambiente, ressalta também, que a barragem de Santa Bárbara é de sedimentos e não de rejeitos. Por isso, cumpre uma função de drenagem e contenção do volume de águas da chuva, "essencial para a segurança da população e sua descaracterização deve ser definida a partir de estudos criteriosos de avaliação de risco."

Já a secretaria de Educação informa que a Escola Municipal Padre Xisto tem 269 alunos e que hoje 260 estão frequentando as aulas normalmente.

"Esclarecemos ainda que não há possibilidade das aulas remotas ou híbridas retornarem, uma vez que perante a lei estes recursos só podem ser utilizados em situações de calamidade pública, a exemplo da pandemia, tendo também a autorização do Conselho Nacional de Educação e do MEC. Como a barragem se encontra no nível zero, a lei não obriga a realocação nem a retirada dos alunos da escola."

Em relação aos alunos que não estão comparecendo às aulas, a Prefeitura afirma que os pais foram chamados para uma reunião com as secretarias de Educação e de Meio Ambiente, "para esclarecimento sobre os riscos de rompimento da barragem e também sobre os parâmetros legais referente a frequência dos alunos. A lei nº 1383/2019 determina notificação imediata ao Conselho Tutelar do Município no caso de alunos que apresentem faltas consecutivas."

"Reforçamos ainda que, após as tragédias de Mariana e Brumadinho, o monitoramento e a fiscalização são realizados incessantemente pelos órgãos governamentais. A Prefeitura Municipal de Brumadinho é a principal interessada em garantir a segurança não só de seus alunos da Escola Municipal Padre Xisto, como também de toda a população do distrito de Piedade Paraopeba e região", conclui.

Já a Vallourec informa, também em nota, que a estrutura da barragem Santa Bárbara, "encontra-se em condições adequadas de segurança, não se inserindo em qualquer dos níveis de emergência previstos na legislação aplicável. Após as obras de adequação do vertedouro, que elevou ainda mais o nível de segurança da barragem, uma auditoria externa independente emitiu Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), em dezembro de 2021."

A empresa salienta ainda que a barragem Santa Bárbara não recebe rejeitos de mineração e, na verdade, funciona como uma estrutura de controle ambiental, recebendo águas de chuva e sedimentos.

"Embora a quadra e o auditório da Escola Padre Xisto tenham sido contemplados nos estudos de simulação da mancha de inundação, as condições atuais de segurança da Barragem Santa Bárbara e os estudos realizados não indicam a necessidade de retirada da escola do local onde está instalada. A Vallourec reitera seu compromisso com a segurança da comunidade e com a transparência das informações e reforça que segue todos os protocolos e diretrizes do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM)."

  • Cartazes feitos pelos alunos da escola
    Cartazes feitos pelos alunos da escola Foto: Luiz Santana/ALMG/Divulgação
  • Rota de fuga em caso de rompimento da barragem
    Rota de fuga em caso de rompimento da barragem Foto: Luiz Santana/ALMG/Divulgação
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação