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FESTIVAL LED

Professor precisa acreditar no antirracismo, diz Conceição Evaristo

Educadora aponta educação antirracista como solução para interromper o ciclo da desigualdade racial no país. Ela defende que esta é uma bandeira a ser efetivada

"Teoria apenas não é suficiente”. A sentença dita pela escritora e educadora Conceição Evaristo, na abertura do Festival Led – Luz para educação nesta sexta-feira (8/7), mostra que a maior barreira para a construção de uma educação antirracista no Brasil é a vontade genuína de mudar o modelo de ensino que ignora as desigualdades raciais.

"Tem material muito bom e vivo hoje para trabalhar o tema, mas para que a educação antirracista possa acontecer, o professor deve estar convencido racionalmente e emocionalmente, ter certeza de que precisa fazer algo para mudar a realidade injusta que vivemos, porque a teoria apenas não é suficiente”, pontua Conceição Evaristo.

A doutora em linguagem participou da roda de conversa A ponte para o futuro vem do passado — uma educação crítica e antirracista, junto à pesquisadora acadêmica Ângela Figueiredo e o cantor Emicida, com mediação da jornalista Aline Meidj. O evento Festival Led é uma iniciativa das organizações Globo e da Fundação Roberto Marinho e objetiva fomentar a discussão sobre uma educação do futuro.

Para Conceição Evaristo, somente a consciência profunda sobre o combate ao racismo vai auxiliar o professor a implementar a educação antirracista na sala de aula. “Se ele não estiver convencido e acreditar que aquilo precisa ser feito, não adianta qualquer preparo técnico”, reforça.

A construção de uma educação antirracista em escolas e universidades brasileiras tem sido apontada por especialistas e educadores negros como a única maneira de tornar o Brasil um país justo e igualitário, com um celeiro de oportunidades para todos, além de contribuir para uma cidadania ativa.

Por este motivo, Conceição Evaristo acredita que a abordagem do tema seja incluída no currículo de formação de professores. “Essa reflexão deve constar antes mesmo do professor chegar até a sala de aula. A educação tem uma grande responsabilidade na sociedade. O professor tem a capacidade de levantar o aluno ou de matar”, declara.

“A pergunta de sempre é ‘quem educa o educador?’. O educador é formado de uma forma que não o prepara para falar de racismo e preconceitos, mas ele pode se preparar”, acrescenta Ângela Figueiredo.

Educação antirracista: uma missão de todos

Ângela Figueiredo observa que, apesar de o professor ser um dos principais atores para que o antirracismo esteja presente no ambiente escolar, não cabe apenas a ele essa responsabilidade. “É um trabalho conjunto de toda a sociedade, não se reduz aos muros da escola e nem deve ser assim. Deve ser algo mais amplo”, diz Ângela Figueiredo.

Conceição Evaristo concorda e afirma que apenas com a intervenção da sociedade civil a educação é completa, e que a educação antirracista é um claro exemplo. “Acredito que a educação feita a partir de uma direção, só do estado, é perigosa. Até porque ela se torna revolucionária apenas nos momentos que queremos”, diz a educadora.

“É preciso, sim, ter um governo que esteja atento e que priorize a educação, mas também que a sociedade se envolva. As leis que instituíram ações afirmativas, inclusive a de cotas, que comemoramos 10 anos, não foi uma dádiva, mas a construção de uma luta do movimento negro. Não foi um movimento de cima pra baixo, mas de baixo pra cima”, acrescenta Conceição Evaristo.

Para Ângela Figueiredo, a educação em si é uma maneira de possibilitar que crianças sonhem e, por isso, deve ser papel de todos. “A educação é uma possibilidade de sonhar, mas também de encontrar inspirações”, declara.

O rapper Emicida defende que a “educação do futuro”, antirracista e igualitária, começa agora. “Nada do que é dito por nós três é uma novidade. Tudo isso encontramos em algum momento em nossa vida: a importância da educação, o impacto do racismo nas escolas, o perigo de professores não reconhecerem diferentes realidades”, afirma. “O que falta é tomarmos a rédea da situação e ter coragem para mudar a realidade constrangedora que nos trouxa até aqui”, completa o artista.

Ser parte da mudança é a meta de Juliana Aleixo, 22 anos. A estudante do 5º semestre de enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse que participa do evento principalmente para assistir o painel sobre educação antirracista.

Talita de Souza/CB - uliana Aleixo conta que a falta do debate sobre antirracismo na escola atrasou o autoconhecimento dela na causa

Juliana lembra que os professores da educação básica da escola que estudou, em Belém, não falavam sobre racismo e igualdade racial e, por falta dessa abordagem, ela mesma não tinha consciência racial. “Se eu tivesse ouvido falar sobre isso na escola, saberia muito mais e teria tentado ajudar outras pessoas, me movimentar”, disse a estudante.

Ela afirma que a mesa a ajudou a entender mais sobre o assunto. “Agora estou mais preparada para ajudar as pessoas próximas a mim, como meus pais, a terem consciência racial. Eles sempre se classificam como pessoas 'morenas', e eu queria mostrar o lugar deles no mundo. Também quero conhecer as escolas do meu bairro, contribuir com esse tema”, afirma Juliana.

Ana Carolina Rosa, 21, passou por uma experiência oposta. Ela conta que sempre teve professores negros, que sempre abordavam o assunto. E afirma que essa experiência foi fundamental para se reconhecer melhor, se tornar uma adulta mais segura e consciente. “Eu os tinha como espelho. Olhava meus professores e falava ‘meu Deus, eu também posso ser como eles’. Meus mestres sempre me incentivaram a fazer as coisas e, assim, fui crescendo e mudando minha mentalidade”, conta a estudante, que nasceu e mora no Rio de Janeiro.

 

Talita de Souza/CB - Ana Carolina Rosa diz que a presença de professores negros que falavam sobre racialidade transformou a vida dela


Ela conta ainda que, na universidade, não observou abordagens antirracistas. Segundo ela, em dois anos no ensino superior isso ocorreu apenas uma vez, no início do curso, quando o departamento de saúde falou sobre o assunto.

“Acho que esse tema deve ser cada vez mais difundido. Até porque eu já fui a diversos hospitais e clínicas e sofri racismo. Os formandos em saúde precisam falar sobre isso, inclusive o branco. O racismo foi algo que eles inventaram e agora devem debater nos espaços em que estão”, conclui.

Movimento LED

O evento, acontece nesta sexta e sábado, busca incentivar e fomentar práticas inovadoras de educação no país.

Além do festival, o Movimento LED promove uma premiação, por meio de edital anual, para acelerar novas formas de ensinar e aprender a educação básica, técnica e profissional, além da educação não-formal. Cada iniciativa será contemplada com R$ 200 mil.

Dez iniciativas promovidas por estudantes universitários que apresentem soluções criativas para problemas vividos dentro de escolas ou em universidades também receberão incentivo de R$ 300 mil, que será dividido no Desafio LED - Me dá uma luz aí.

O último pilar do Movimento LED é voltado a oferecer, de forma gratuita, uma plataforma de aprendizado on-line, denominada Comunidade LED, disponível para pessoas que estão envolvidas ou querem aprender mais sobre novas metodologias, tecnologias, experiências de sala de aula e educação inovadora.

Todo o movimento é acompanhado de perto por um conselho consultivo, formado por diversas instituições de ensino, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco),  Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Todos pela Educação, Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS), Vale do Dendê e Porto Digital.

*A repórter viajou a convite da Rede Globo e da Fundação Roberto Marinho.

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