ARTIGO

Educação não é entretenimento

O objetivo da escola não é entreter, mas sim engajar, desenvolver postura ativa e senso crítico

Betina von Staa*
postado em 25/11/2022 18:14
Algoritmos da área de educação devem ajudar a identificar o que os alunos já sabem e apresentar e eles opções do que ainda podem ou precisam aprender -  (crédito: Divulgação)
Algoritmos da área de educação devem ajudar a identificar o que os alunos já sabem e apresentar e eles opções do que ainda podem ou precisam aprender - (crédito: Divulgação)

É muito comum defendermos o uso de tecnologia na educação com base no argumento de que “a tecnologia é a linguagem do aluno de hoje”, como se a única forma de nos conectarmos ao jovem fosse por meio da tecnologia. A verdade é que a tecnologia é ubíqua no nosso mundo, mas isso não significa que deva ser simplesmente espelhada pela a escola da forma como é utilizada para o entretenimento, para a conexão entre pessoas, para o comércio, entre outros.

Comecemos pelo entretenimento: por mais que, por meio da internet, tenhamos conseguido acesso a muito mais opções de entretenimento, — vídeos, jogos, filmes, que podem ser acessados quando mais nos convém- a verdade é que os mecanismos de impulsionamento de redes sociais, streamings e até de buscadores acabam incentivando que se encontre mais e mais do mesmo, e que se desenvolva uma atitude passiva quando ao que consumimos. Em um processo educativo, precisamos justamente do oposto: desenvolver uma postura ativa e senso crítico.

Os aplicativos que acessamos hoje também incentivam um comportamento de reação rápida, coleção de “likes” ou “curtidas”, encaminhamentos, respostas e mais respostas, que levam a uma visão superficial do mundo, quando, em um processo educativo, precisamos promover a atenção, a reflexão, a compreensão de diferentes pontos de vista e a interação entre as diferenças.

Devemos, então, banir a tecnologia das escolas por elas promoverem a atitude passiva e a superficialidade, a desatenção e até mesmo a polarização e a incapacidade de diálogo na diferença? Não exatamente. O papel da escola também é ajudar a entendê-la, refletir sobre ela, identificar seus riscos, aproveitar seu potencial e usá-la de maneira produtiva.

Se, no entretenimento, os algoritmos por trás das suas engrenagens nos mostram mais do que eles percebem que atrai a atenção do usuário, os algoritmos da área de educação devem ajudar a identificar o que os alunos já sabem e apresentar e eles opções do que ainda podem ou precisam aprender, em diferentes formatos – textos longos e curtos, vídeos, áudios.

Se sabemos que os buscadores privilegiam as informações que seus algoritmos interpretam que serão de mais interesse por parte do usuário, na escola é preciso fazer buscas, observar criticamente os resultados, identificar onde estão as fontes seguras e onde encontramos vozes dissonantes. Isso se faz por meio de atividades práticas e orientadas.

Se a tecnologia “do mundo em geral” sabidamente promove superficialidade e desatenção, é na escola que temos que ter acesso a diferentes conteúdos, inclusive tecnológicos, a situações de interação interpessoais para olhar, escutar e perceber o outro, a atividades que promovam o engajamento, seja resolvendo problemas em telas que envolvem reflexão e concentração, ou criando trabalhos colaborativamente ou realizando experimentos e observações sobre o mundo em que vivemos.

Tecnologia precisa fazer parte da educação, até para aprendermos a lidar com ela, ou por permitir acesso a recursos que não são possíveis sem ela, mas ela não deve ser usada na escola do mesmo modo que a usamos nas interações cotidianas, simplesmente por acharmos ser assim que os jovens gostam de interagir. Eles – e nós – também precisamos aprender a compreender criticamente o mundo tecnológico em que estamos vivendo, e é na escola que podemos e temos que abrir espaço para esse entendimento.

*Betina von Staa — doutora em linguística aplicada, coordenadora do CensoEAD.BR da Associação Brasileira de Educação a Distância – ABED e consultora da D2L.

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