INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Estudantes da rede pública têm na ciência uma ponte para a universidade

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da UnB oferece oportunidades para alunos de ensino médio da rede pública que, ao ingressarem em cursos superiores, se destacam em projetos de pesquisa

Pedro Marra
postado em 09/04/2023 06:00
 (crédito: Fotos: Carlos Vieira/CB/D. A Press)
(crédito: Fotos: Carlos Vieira/CB/D. A Press)

No ano passado, o jovem Angelo Sampaio de Carvalho, 18 anos, participou de um projeto de iniciação científica na Universidade de Brasília (UnB) com outros seis colegas do Centro de Ensino Médio (CEM) 404, de Santa Maria. Com o projeto Catavento, sobre energias renováveis por meio da engenharia ambiental, o grupo visitou a universidade e teve acesso às aulas do curso para trabalhar melhor o projeto, para o qual receberam uma bolsa de estudo. "É importante conhecer a vida universitária porque muita gente não sabe como funciona, as oportunidades que surgem ao entrar na faculdade", observa o rapaz.

O projeto de Angelo é focado na energia solar. "Escolhemos esse enfoque porque o mercado do DF está chegando a um rumo de desenvolvimento cada vez maior. O projeto mudou a minha visão de mundo porque eu não via a engenharia como algo acessível para mim", confessa o estudante, que conseguiu bolsa de estudos por meio do Programa Universidade Para Todos (Prouni) e hoje está matriculado em um curso técnico de análise e desenvolvimento de sistemas em uma universidade particular.

Assim como Angelo, estudantes de escolas públicas participam de projetos de iniciação científica da UnB por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio (Pibic-Em), criado há 10 anos. Em 2022, 24 trabalhos foram feitos por 81 estudantes de ensino médio, orientados por 24 professores da UnB. Os projetos abrangem as três grandes áreas do conhecimento: saúde e vida; exatas e tecnológicas; e artes e humanidades.  

Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a iniciativa é fundamental para a UnB despertar a vocação de estudantes para a ciência e a pesquisa científica desde cedo, conforme avalia Sérgio Ronaldo Granemann, diretor de Fomento à Iniciação Científica da UnB. "Isso incentiva o desenvolvimento de jovens pesquisadores e os motiva a prosseguir seus estudos em nível de graduação. Por outro lado, é também uma maneira de renovar os quadros de pesquisadores e cientistas, preparando-os para essas carreiras desde o início de sua formação", avalia.

Sérgio acredita que as redes sociais são uma ferramenta de divulgação científica, não somente um vício dos jovens. "Temos que usá-las a nosso favor para conversar e divulgar à sociedade o que é feito em prol da ciência nas universidades. Consegue-se a participação mais efetiva de alunos quando se envolve também na pesquisa orientadores da própria escola, como os professores desses alunos", complementa.

 03/04/2023  Crédito: Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF.Cidades - Projetos de iniciação científica financiados pelo CNPq. Na foto, Tiago Almeida, aluno do curso de Letras do IFB.
03/04/2023 Crédito: Carlos Vieira/CB/DA Press. Brasília, DF.Cidades - Projetos de iniciação científica financiados pelo CNPq. Na foto, Tiago Almeida, aluno do curso de Letras do IFB. (foto: )

Conhecimento ampliado

Colega de Angelo no CEM 404, Aline Santos do Monte, 17, foi aprovada para odontologia, mas diz que nenhum conhecimento que adquiriu com o projeto vai ser em vão. "O repertório sociocultural para estudar e ter argumentos na redação do Programa de Avaliação Seriada (PAS), como questões de dissertação, me ajudou bastante. Antes eu não sabia muito bem sobre placa solar, por exemplo. E agora, sei", acrescenta a estudante, que foi uma dos cerca de 20 integrantes do Pibic-Em de 2022 que entraram na UnB por meio do PAS.

Ela lembra com orgulho de outro projeto: a criação de um copo plástico biodegradável com casca de banana. "Foi uma coisa muito significativa porque eu não sabia o que poderia fazer. A gente tem que pensar em fontes e opções que causem menos impacto para o meio ambiente. É muito bom para a carreira acadêmica e para escolher a vocação", conclui.

A responsável por mentorar os estudantes no CEM 404 é a professora de matemática Michelle Tenório, 48, que guiou os jovens nos últimos três anos de ensino médio. Para ela, a iniciativa buscou trabalhar a conscientização sobre o uso de energias renováveis e projetos de engenharia que não agridem o meio ambiente. "Conheceram todos os cursos de engenharia da UnB, e outros cursos também, tanto que tivemos pessoas que foram para a área de humanas", diz.

Os 17 estudantes também tiveram aulas de química, física, redação e inglês. "Eles participavam de vários outros projetos. Mas, o projeto Catavento, por exemplo, se ampliou para o outro projeto, Meninas na Matemática, que é uma iniciativa só da escola, voltado para outros ramos do conhecimento, como ciências da natureza. A bolsa de R$ 100 teve um aumento neste ano para R$ 300, o que é muito importante para incentivá-los", comenta a professora.

Um dos estudantes de Michelle que foi influenciado pelas aulas de outras disciplinas é Tiago Almeida, 19, que foi aprovado por meio do PAS no curso superior de letras-inglês no Instituto Federal de Brasília (IFB), câmpus do Riacho Fundo 1. Ele cita que a iniciação científica deu um bom direcionamento para os alunos indecisos e um incentivo a mais de estudos que a bolsa do programa fornece.

No projeto, ele relembra que o mais interessante da proposta era ter pesquisas na área. No IFB, o jovem diz que é cobrado o hábito de pesquisar. "Essa iniciação científica foi muito boa para aprender sobre a pesquisa, em um momento de me descobrir mais como estudante", avalia Tiago, que confessa ter "aberto os olhos" para a dimensão do que era uma iniciação científica. "Não entendia o que era pesquisa, e me ajudou a discernir o que era para eu estar preparado agora na faculdade", finaliza o estudante.

Mundo interdisciplinar

Professor da Faculdade de Educação da UnB, Remi Castioni acredita que o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio é importante para viabilizar e estimular que os jovens que querem ser professores ou se especializarem em uma área persigam esse objetivo, que, ele acredita, deveria começar desde o ensino médio com mais frequência. "A universidade precisa deixar de ser disciplinar e ser interdisciplinar, e incorporar conhecimentos de outras áreas. O mundo não é somente de doutores, e por isso temos que colocá-los em contato com outras realidades", analisa.

Remi cita que projetos como esse desafiam os jovens a pensarem sobre problemas com várias possibilidades de solução, mas que seguem em contato com a realidade. "A ideia de muita matéria e disciplina serve para o quê? Hoje, tudo é muito visual, porque os jovens nascem em um mundo assim. Temos que misturar esses interesses com a resolução dos problemas", sugere o educador.

 

 

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