EXAME NACIONAL

Segundo dia de provas do Enem tem conteúdos previsíveis e não aborda pandemia

Questões de biologia são consideradas as mais difíceis da história do exame. Professor analisa que estudantes de ensino público podem sair prejudicados

Talita de Souza*
postado em 26/01/2021 16:06 / atualizado em 29/01/2021 17:42
 (crédito: Roberta Pinheiro)
(crédito: Roberta Pinheiro)

Conteúdos previsíveis, questões descontextualizadas com a pandemia da covid-19 e alto nível de exigência em biologia. Assim são descritas as provas de ciências da natureza e matemática do segundo dia da versão impressa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 por professores de cada área do conhecimento.

O exame ocorreu neste domingo (24/1) e teve cinco horas de duração para os 2,4 milhões de participantes presentes nos locais de provas solucionarem as 45 questões de biologia, química, física e as outras 45 de matemática.

Para Fernando da Espiritu Santo, mestre em matemática na área de avaliações e TRI pela Universidade de São Paulo (USP) e gerente de inteligência educacional e avaliações do Poliedro, o Enem falhou ao deixar de fora o tema principal da atualidade: a covid-19.

“Sem abordar a pandemia, o segundo dia do Enem segue sendo uma prova neutra, que só cobrou feijão com arroz dos estudantes”, pontua. “Principalmente em ciências da natureza, não teve questões com o vírus ou doenças correlacionadas, a não ser uma questão de manipulação genética de soja para prevenir o contágio do vírus da Aids”, diz.

No entanto, o exame manteve a tradição de pautar questões em assuntos relacionados aos jovens, como cultura pop, ao usar Harry Potter em uma questão sobre anagramas, na prova de matemática.

Biologia foi a “prova mais difícil dentro da série”, diz professor

Quem esperava apenas questões de genética e dinâmica de populações de seres vivos na prova de biologia, foi surpreendido com questões com alto grau de exigência de interpretação de texto.

“Os textos-base e os enunciados das questões exigiram uma atenção muito grande. É possível que o participante tenha tido de fazer várias leituras até achar o fio da meada”, conta Idelfranio Moreira, do SAS Plataforma de Educação. “Algumas só podiam ser resolvidas com a interpretação de texto e também por eliminação de alternativas”, conta.

“Possivelmente a prova mais difícil dentro da série, diferente do que estávamos acostumados”, conclui.

Idelfranio Moreira diz que biologia foi a prova mais difícil da história do Enem
Idelfranio Moreira diz que biologia foi a prova mais difícil da história do Enem (foto: Arquivo pessoal)


Química é considerada a prova mais fácil da área na história do Enem

Quem se preocupou com o conteúdo de química no exame teve uma surpresa: a prova foi considerada pelos professores como uma das mais fáceis da história da seleção. O docente de física e gerente de inovações para professores no SAS Plataforma de Educação, Idelfranio Moreira, afirma que a facilidade da prova é algo a ser ressaltado.

“Foi uma prova muito tranquila, sem grandes dificuldades. Percebemos, também, que houve menos questões de físico-química ou química orgânica, temas que são mais frequentes; e nenhuma questão de eletroquímica”, diz. “Isso é algo marcante porque, até então, toda edição trazia uma questão deste assunto”, declara.

“Se buscarmos um fato relevante na série histórica das avaliações do Enem, tivemos uma prova de química um pouco mais branda, embora muito conteudista”, opina Thiago Bahé, coordenador do curso preparatório ICC Educacional.

“O destaque foi para questões que fizeram ponte com biologia, sobre impactos ambientais com o uso de polímeros. No mais, nada fora do comum”, conclui Fernando da Espiritu.

Questões de matemática testaram o gerenciamento de tempo do participante

Apesar de 50% dos problemas matemáticos serem resolvidos com conceitos simples de razões e proporções, grande parte das questões exigiam tempo para encontrar a solução.

O professor Fernando da Espiritu, do Poliedro, elenca essa abordagem como uma espécie de pegadinha. “Se é que podemos falar assim, era uma pegadinha para os estudantes. Se o participante tentasse calcular tudo ao pé da letra, não daria tempo. Para o bom desempenho, era preciso usar e abusar das aproximações e das ordens de grandeza”, conta.

Professor Fernando da Espiritu elenca os principais pontos da prova
Professor Fernando da Espiritu elenca os principais pontos da prova (foto: Arquivo pessoal)

Em contrapartida, outras questões poderiam economizar o tempo do candidato. “Três questões gráficas eram de resolução imediata, bastava ler o enunciado e ler o gráfico e já marcar a alternativa certa. Assim, se ganhava tempo”, ensina.

Para o professor Idelfranio Moreira, a prova cobrou conteúdos esperados e trouxe a contextualização típica do exame. “Teve questões sobre alocação de assentos na compra de passagens aéreas e também de notação científica, referindo-se ao carrinho de Fórmula 1 construído com nanotecnologia, em tamanho nanométrico”, pontua.

Professor lista questões que podem ser anuladas

O professor Fernando da Espiritu afirmou que há duas questões passíveis de anulação no exame. A primeira trata de uma questão de física sobre condução de calor. No caderno cinza, ela é a de número 118. De acordo com o professor, é possível encontrar duas alternativas corretas. Veja abaixo o comentário do docente.


Questão a ser anulada, de acordo com o professor Fernando da Espiritu
Questão a ser anulada, de acordo com o professor Fernando da Espiritu (foto: Poliedro Educação)

A segunda questão apontada pelo professor é de biologia e no caderno cinza é referida pelo número 129. Para ele, tanto o enunciado da questão quanto as alternativas estão erradas. Veja abaixo o comentário do docente.


Questão a ser anulada, de acordo com o professor Fernando da Espiritu
Questão a ser anulada, de acordo com o professor Fernando da Espiritu (foto: Poliedro Educação)


Estudantes de ensino remoto de escola pública podem ter sido prejudicados no exame

Para o mestre em ensino de física pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do curso preparatório ICC Educacional Thiago Bahé, o exame deste ano foi desafiador para alunos de escola pública.

“O nível da prova exigiu um preparo adequado, com a necessidade de aprofundamento de alguns assuntos e que, infelizmente, com o ano atípico e com as dificuldades encontradas pelos alunos mais vulneráveis, gerou-se uma desvantagem frente aos alunos com maiores possibilidades de recursos virtuais”, declara.

Thiago Bahé, do ICC Educacional, afirma que estudantes de escola pública podem ter o desempenho prejudicado na prova
Thiago Bahé, do ICC Educacional, afirma que estudantes de escola pública podem ter o desempenho prejudicado na prova (foto: Arquivo pessoal)

Ele afirma, porém, que a dificuldade enfrentada por esta parcela de candidatos não se refere apenas ao conteúdo da prova, mas sim ao suporte dado a eles no preparo para a prova. “O grande abismo que sentimos foi na preparação em si, nos recursos disponíveis aos estudantes da rede pública frente àqueles da rede privada”, diz.

“Os alunos da rede pública, em sua maioria, não tiveram acesso à plataforma de correção de redação, um elemento essencial na preparação para o Enem”, relata. “Muitas vezes, ele não teria isso nem em épocas pré-pandemia, mas talvez tivesse um professor por perto para ajudar nesse caso”, desabafa.

Marcelo Pereira, 17 anos, sente que o ensino público remoto não consegue prepará-lo para o exame. O goiano, morador de Anápolis, está no segundo ano do ensino médio e fez o Enem deste ano como treineiro -- quando você faz a prova para testar os conhecimentos - e percebeu que havia muitos conteúdos em que precisava aprofundar mais.

“Eu só não digo que teve coisas que não vi ainda porque eu estudei um tempo em um cursinho gratuito para suprir a falta de estudo que tive com a minha escola. Mas percebi que tem muita coisa que preciso aprofundar e não vou conseguir isso apenas com as aulas normais”, conta.

O estudante Marcelo Pereira fez o Enem 2020 como treineiro e diz que pretende fazer cursinho para se preparar melhor
O estudante Marcelo Pereira fez o Enem 2020 como treineiro e diz que pretende fazer cursinho para se preparar melhor (foto: Arquivo pessoal)

Ele é aluno do Instituto Federal de Goiás e faz o ensino médio integrado ao técnico em química. O IF onde estuda demorou seis meses para se ambientar ao ambiente virtual e, por isso, o estudante afirma que caso o Enem 2020 fosse feito por ele na modalidade regular, ele sairia prejudicado.

“Demoramos muito para aderir ao EAD e, quando começou a quarentena, a gente não estudava. A sorte foi que comecei a estudar no curso preparatório gratuito. Mas, para o próximo ano, que será para valer, eu vou me prevenir e vou continuar a fazer um cursinho, nem que seja pago”, diz.

“Não dá para contar com o EAD, não conseguimos aprofundar conteúdos naquele modelo de aula, do jeito que foi planejado. E, para o Enem, é preciso ter conhecimento, eu vi na prova. Então eu vou me garantir”, conclui.

* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer

  • Professor Fernando da Espiritu elenca os principais pontos da prova
    Professor Fernando da Espiritu elenca os principais pontos da prova Foto: Arquivo pessoal
  • O estudante Marcelo Pereira fez o Enem 2020 como treineiro e diz que pretende fazer cursinho para se preparar melhor
    O estudante Marcelo Pereira fez o Enem 2020 como treineiro e diz que pretende fazer cursinho para se preparar melhor Foto: Arquivo pessoal
  • Thiago Bahé, coordenador do curso preparatório ICC Educacional, afirma que estudantes de escolas públicas podem ser prejudicados no exame
    Thiago Bahé, coordenador do curso preparatório ICC Educacional, afirma que estudantes de escolas públicas podem ser prejudicados no exame Foto: Arquivo pessoal
  • Questão a ser anulada, de acordo com o professor Fernando da Espiritu
    Questão a ser anulada, de acordo com o professor Fernando da Espiritu Foto: Poliedro Educação
  • Questão a ser anulada, de acordo com o professor Fernando da Espiritu
    Questão a ser anulada, de acordo com o professor Fernando da Espiritu Foto: Poliedro Educação
  • Thiago Bahé, do ICC Educacional, afirma que estudantes de escola pública podem ter o desempenho prejudicado na prova
    Thiago Bahé, do ICC Educacional, afirma que estudantes de escola pública podem ter o desempenho prejudicado na prova Foto: Arquivo pessoal
  • Idelfranio Moreira diz que biologia foi a prova mais difícil da história do Enem
    Idelfranio Moreira diz que biologia foi a prova mais difícil da história do Enem Foto: Arquivo pessoal

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