Eu, Estudante

Manifesto

Ex-alunos da USP e da Unifesp pedem impeachment de Bolsonaro

Grupos divulgaram três cartas com 2.750 assinaturas de graduados em medicina e direito que recomendam o afastamento do presidente por crime de responsabilidade

Ex-alunos de direito e medicina da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgaram três manifestos a favor do impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

O intuito é pressionar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a pautar um dos 61 pedidos de impeachment apresentados.

No total, foram 1.450 assinaturas dos ex-alunos de direito e 700 de formados em medicina pela USP. Da Unifesp, foram 600 assinaturas de ex-estudantes de medicina.

Juristas pela USP apontam mentiras do presidente

Em documento com mais de 1.450 assinaturas, juristas formados pela USP pediram o início do processo de impeachment pautados por “declarações mentirosas” feitas pelo presidente durante a pandemia.

Na carta aberta, os graduados em direito afirmam também que o presidente faltou com responsabilidade no fornecimento de oxigênio a Manaus. O grupo também pede que o próximo presidente da Câmara, Baleia Rossi (MDB-SP) ou Arthur Lira (PP-AL), os mais cotados para a vaga, se comprometam com a pauta.

“É preciso exigir do atual Presidente da Câmara dos Deputados – e dos principais concorrentes à sua sucessão – um compromisso público para recompor a normalidade no exercício do cargo máximo desse país”, diz trecho do manifesto.

O documento cita ainda o aviso de informação falsa que o Twitter fez em uma publicação de Bolsonaro. “Foi preciso uma entidade privada – o Twitter – agir para sinalizar como mentirosas afirmações do Presidente da República e do Ministério da Saúde quanto à ineficácia criminosa de pseudo-tratamentos contra a covid-19”, afirma a carta.

Os juristas entregaram um novo pedido de impeachment a Rodrigo Maia virtualmente. Com este, já são 62 pedidos de impedimento nas mãos do presidente da Câmara.

Alunos de medicina da USP também se manifestam

O núcleo de medicina da USP também participou do movimento e produziu um manifesto específico que elenca os principais erros do presidente na pandemia. O documento, com 700 assinaturas de ex-alunos critica a condução do Ministério da Saúde e afirma que “milhares de vidas poderiam ter sido poupadas” se houvesse “uma condução pautada pela proteção da população e pelas orientações da comunidade científica”.

Os médicos afirmam ainda que “as trocas de dois ministros de saúde e a substituição de outros dirigentes técnicos do Ministério da Saúde por pessoas sem qualquer competência e experiência compuseram um cenário trágico”.

Eles também criticam a influência de Bolsonaro sobre a população. “Para enfrentar uma guerra contra o vírus e suas consequências sanitárias, econômicas e sociais devastadoras, assistimos a um grupo teleguiado por um presidente que diária e publicamente, de forma caricata, incita a população a ter comportamentos de risco”, relatam os assinantes.

“O Ministro da Saúde não foi capaz sequer de realizar as compras dos insumos necessários para o atendimento dos pacientes”, reclamam os formados em medicina. Ao fim da carta, eles pedem a abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro.

“Em defesa da saúde e da vida de nosso povo, entendemos que é preciso exigir do presidente da Câmara dos Deputados a imediata abertura do processo de impedimento do Sr. Jair Messias Bolsonaro, dentro das normas legais e constitucionais por crime de responsabilidade e prevaricação. É preciso dar um basta ao descaso deste governo.”

A carta ainda está aberta para ex-alunos de direito da USP que desejam assinar pelo link.

Ex-estudantes da Unifesp também pedem impeachment

Graduados em medicina pela Universidade Federal de São Paulo divulgaram carta a favor da abertura de processo de impeachment contra Jair Bolsonaro. Em manifesto com mais de 600 assinaturas, os médicos lamentam que o país não seja mais referência no combate a doenças infecciosas.

“O Brasil, que já foi referência no manejo de diferentes moléstias infecciosas, que já foi exemplo de vacinação em larga escala, que vinha num crescendo de investimento em pesquisa científica (…) encontra-se entregue a governantes que, negligentes e imperitos, são diretamente responsáveis por agravar uma situação já em si gravíssima”, declaram.

A carta afirma que as ações do presidente da República configuram crime de responsabilidade. Os profissionais de saúde ainda enumeram outros motivos para a configuração do crime. Entre eles, o fato de, em plena pandemia, o país ter pela primeira vez um ministro da Saúde sem conhecimento técnico quanto ao que precisa gerenciar.

Outros motivos são “a incapacidade de coordenar e liderar estados e municípios num esforço conjunto e unidirecional de combate à pandemia” e “a sabotagem consciente e proposital às medidas comprovadamente eficazes e recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no combate à pandemia, tais como uso de máscara e prevenção de aglomerações.

O motivo final e mais grave são as “inúmeras e crescentes mortes evitáveis ? pelas quais o presidente é indireta ou diretamente responsável”.

Para Rodrigo Maia, o foco agora não deve estar no impeachment

Marcelo Camargo/Agência Brasil - Rodrigo Maia em breve deixa de ser presidente da câmara. As eleições para um novo comandante dos congressistas ocorre em 1º de fevereiro. Ex-alunos pedem que o novo presidente da Câmara se comprometa com a retirada de Bolsonaro

Em coletiva de imprensa em São Paulo em 15 de janeiro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que discutir o impeachment de Bolsonaro será inevitável no futuro, mas disse que este não é o momento para isso.

“Eu acho que qualquer decisão em relação ao impedimento hoje é nós tirarmos o foco daquilo que é fundamental, que é salvar vidas”, declarou. De acordo com ele, os congressistas devem focar a superação da pandemia no país.

O gabinete do deputado não respondeu aos questionamentos do Eu, Estudante sobre os novos pedidos de impeachment. O espaço está aberto a manifestações.

Confira as três cartas na íntegra

Cecília Bastos/USP Imagens - 1.450 ex-alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP assinaram carta

Carta pelo Impeachment - antigos alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP (1.450 assinaturas)

“Scientia Vinces

Somos privilegiados em um país com pouca instrução, fruto da desigualdade que nos posiciona ao lado das mais atrasadas nações. Somos ainda mais privilegiados porque pudemos receber nossos estudos na tradicionalíssima Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, integrante da Universidade de São Paulo, cuja divisa é Scientia Vinces!

Por isso mesmo, temos o dever de romper o silêncio.

Entendemos o Direito, fruto do consenso democrático, como o fundamento para a convivência social pautada pelas conquistas civilizatórias. A Constituição, expressão máxima desse consenso, disciplina o funcionamento das instituições que nos governam, sob os princípios fundamentais dos primeiros artigos, notadamente para o dever de promoção do bem a todos os brasileiros.

É justa a expectativa da sociedade em relação aos governantes, quaisquer deles, que nos provejam de planos e decisões aderentes a essa busca de bem comum. Nos tempos turbulentos de pandemia, nada é mais urgente que a saúde, expressa na forma de planejamento, fomento à pesquisa, aquisição e distribuição de insumos, empoderamento da ciência e da medicina na forma de cuidado a todos e a cada cidadão.

Essas expectativas viram-se frustradas em relação ao poder central. E não somente por incúria. Foi preciso uma entidade privada – o Twitter – agir para sinalizar como mentirosa afirmações do Presidente da República e do Ministério da Saúde quanto à ineficácia criminosa de pseudo-tratamentos contra a COVID-19. Precisamos repetir para entendermos a gravidade da situação: nosso Ministério da Saúde, contrariando a ciência, o bom-senso, o dever de nos prover de proteção, foi repreendido publicamente por faltar à verdade com um país assolado com mais de 200 mil oficialmente mortos por COVID. Mentiu para agradar o líder de uma turba de genocidas que acabaram alçados a dirigentes do nosso país numa das piores trapaças da história.

Se é dever democrático aguardar a próxima rodada eleitoral para cobrar a responsabilidade política de maus gestores, a Constituição nos confere um botão de pânico quando o risco de continuidade de um mau mandato coloca em xeque o funcionamento do próprio Estado e a vida dos nossos cidadãos. É o que, infelizmente, temos vivido em especial nesses últimos 12 meses.

Na pré-pandemia, fomos brindados com insidiosos ataques ao Judiciário, à mídia e a vozes que ousaram se contrapor ao governo; ao lado de tudo isso, muitas vidas perdidas e outras tantas colocadas em sério risco. Hoje, brasileiros de Manaus não conseguem respirar; amanhã poderão ser outros nacionais. Temos de cobrar responsabilidade – jurídica e política – de quem nos trouxe a esse caos pela inação criminosa, mas sobretudo pela sistemático ataque a tudo que poderia minimizar o sofrimento e a perda no grau que observamos. Essa omissão tem nome e se chama Jair Messias Bolsonaro. Os ataques também possuem o mesmo nome. É certo que outros agentes públicos possuem responsabilidade pelo estado de coisas e deverão ter suas contas tomadas.

É preciso exigir do atual Presidente da Câmara dos Deputados – e dos principais concorrentes à sua sucessão – um compromisso público para recompor a normalidade no exercício do cargo máximo desse país. E é o que pretendemos aqui: sendo guardião da decisão que inicia o processo de impedimento, exigimos que ultrapasse a sua inexplicável inércia; dos candidatos, que se empossados, rejeitem a omissão, cumpram seu dever e deem à nação o direito de respirar democraticamente: instaurem o processo de impedimento!

Basta!”

Cecília Bastos/USP Imagens - 700 ex-alunos da Faculdade de Medicina da USP assinaram carta

Carta de ex-alunos da Faculdade de Medicina da USP (700 assinaturas)

"As mais de duzentas e dez mil vidas brasileiras ceifadas pela pandemia de COVID-19 representam dez por cento das mortes no mundo, enquanto o Brasil responde por 2,7% da população mundial.

Este número inaceitável de mortes pela COVID-19 é decorrente das condições de profunda desigualdade, econômica e social, sob as quais os pobres e os mais vulneráveis se tornaram as principais vítimas da pandemia. Desigualdade e vulnerabilidade agravadas pela condução inepta, irresponsável e criminosa do governo federal.

Dezenas de milhares de vidas poderiam ter sido poupadas se tivéssemos uma condução pautada pela proteção da população e pelas orientações da comunidade científica nacional e internacional.

Ao contrário, desde o início da pandemia, o comportamento do governo federal foi marcado pelo descaso com a vida, hesitando e boicotando medidas de suporte econômico de sobrevivência dos mais pobres, adotando teses sem nenhuma base científica, desautorizando e desacreditando os cientistas, muitos deles internacionalmente reconhecidos.

As trocas de dois ministros de saúde e a substituição de outros dirigentes técnicos do Ministério da Saúde por pessoas sem qualquer competência e experiência, compuseram um cenário trágico, no qual em vez de termos um comando nacional articulado aos 26 estados, Distrito Federal e 5570 municípios, para enfrentar uma guerra contra o vírus e suas consequências sanitárias, econômicas e sociais devastadoras, assistimos a um grupo teleguiado por um presidente que diária e publicamente, de forma caricata, incita a população a ter comportamentos de risco, minimiza os mecanismos de proteção coletiva, dissemina o descrédito sobre a vacina e estimula disputas com outros atores políticos como se estivéssemos em um campeonato esportivo. Assistimos a um lamentável jogo de interesses e vaidades entre atores políticos que ocupam os governos federal e estaduais.

O Ministro da Saúde não foi capaz sequer de realizar as compras dos insumos necessários para o atendimento dos pacientes e para o programa nacional de vacinação. A gota d'água de sucessivos erros foi a atitude perante a trágica situação de Manaus. Enquanto pacientes morriam sufocados por falta de oxigênio medicinal nos hospitais daquela cidade, a ação do ministro general Pazuello foi encaminhar uma força tarefa para promover na rede básica de saúde o uso de medicamentos sabidamente ineficazes.

A situação do Brasil seria ainda pior se não contássemos com o nosso Sistema Único de Saúde, o SUS, conquista da população brasileira instituída na Constituição de 1988, que definiu a saúde como um direito básico e dever do Estado. Mesmo combalido pela asfixia financeira, pelo processo de desmonte de suas áreas técnicas e de suas políticas de assistência à saúde, o SUS se mostrou presente, vivo e atuante. A capilaridade do SUS e sua larga experiência nos maiores programas de vacinação em massa do mundo certamente serão essenciais mais uma vez na imunização do povo, com chegada das vacinas contra a COVID-19.

Por isso, em defesa da saúde e da vida de nosso povo, entendemos que é preciso exigir do Presidente da Câmara dos Deputados a imediata abertura do processo de impedimento do Sr. Jair Messias Bolsonaro, dentro das normas legais e constitucionais por crime de responsabilidade e prevaricação. É preciso dar um basta ao descaso deste governo.

Basta!

Em defesa do SUS!

Em defesa da vida!

Pela imediata abertura do processo de impeachment!"

Unifesp/Reprodução - 600 ex-alunos da Escola Paulista de Medicina da Unifesp assinaram manifesto

Carta de ex-alunos da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (600 assinaturas)

"Por diferentes motivos escolhemos ser médicos e diferentes são nossas visões políticas. O exercício ético da medicina, no entanto, e a busca pela excelência, que se traduz em saúde no sentido mais abrangente, é o mesmo.

Como profissionais que tiveram o privilégio de se formar na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e que tiveram, então, acesso a ensino público, gratuito e de qualidade, transmitido por mestres a quem queremos seguir honrando; como médicos que juraram segundo Hipócrates; como brasileiros que pretendem retribuir o investimento de dinheiro público feito em seu desenvolvimento profissional, nos vemos na obrigação de nos posicionar diante da calamidade sanitária em que se encontra nosso país.

O Brasil, que já foi referência no manejo de diferentes moléstias infecciosas, que já foi exemplo de vacinação em larga escala, que vinha num crescendo de investimento em pesquisa científica, encontra-se entregue a governantes que, negligentes e imperitos, são diretamente responsáveis por agravar uma situação já em si gravíssima, a pandemia pelo novo coronavírus.

A divulgação e o estímulo a tratamentos que não só estão provados ineficazes como podem ser prejudiciais, caso da hidroxicloroquina e da ivermectina para a infecção por SARS-CoV-2, tornam Jair Bolsonaro e seu ministro da saúde Eduardo Pazuello nada menos que criminosos, induzindo profissionais da saúde a cometerem imprudência e imperícia. Também criminoso foi o manejo deplorável da crise do oxigênio em Manaus, perante a qual, embora tivessem sido informados a tempo de agir, pouco ou nada fizeram.

Assim como os governantes de outros tantos países, Bolsonaro e Pazuello tiveram tempo de planejar estrategicamente todos os passos da vacinação, mas optaram, pelo contrário, por difundir descrédito à imunização, gerar conflitos diplomáticos que agora afetam nosso abastecimento de insumos essenciais (da produção à aplicação de vacinas) e faltar com planejamento estratégico para testagem em massa, considerado ponto fundamental para o controle da transmissão viral.

São inúmeros os exemplos de manifestação pública de Jair Bolsonaro minimizando os riscos de se contrair COVID-19 e desdenhando do que é cientificamente preconizado, como evitar aglomerações, seguir as medidas de higiene e fazer o isolamento social.

Entendemos que tais posturas e ações perpetradas pelo presidente Jair Bolsonaro configuram crime de responsabilidade e contra a saúde pública. Por todos os descalabros já apontados, e:

1- Pelo fato de, em plena pandemia, termos pela primeira vez um ministro da saúde sem conhecimento técnico quanto ao que precisa gerenciar;

2- Pela incapacidade de coordenar e liderar Estados e Municípios num esforço conjunto e unidirecional de combate à pandemia;

3- Pela sabotagem consciente e proposital às medidas comprovadamente eficazes e recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no combate à pandemia, tais como uso de máscara e prevenção de aglomerações;

4- Pelas inúmeras e crescentes mortes evitáveis ? pelas quais o presidente é indireta ou diretamente responsável,

 

Pronunciamo-nos aqui abaixo-assinados, nós, médicos egressos da Escola Paulista de Medicina

da Universidade Federal de São Paulo, a favor do impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Deixou de ser uma questão ideológica: é pela defesa da saúde de nosso povo. BASTA!"

 

*Estagiário sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa