Solidariedade

Alunos da UnB arrecadam doações para funcionária demitida na pandemia

Silene Quintiliana era terceirizada no Restaurante da UnB, Câmpus de Ceiândia. Com o fim do seguro-desemprego, a brasiliense passa por dificuldades para sustentar três filhos

Talita de Souza *
postado em 23/02/2021 18:10 / atualizado em 23/02/2021 19:08
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Viúva, desempregada e sem seguro-desemprego: a auxiliar de cozinha Silene Quintiliana, 51 anos, moradora de Ceilânda Norte, tem vivenciado uma luta diária para conseguir prover recursos para a alimentação básica para ela e os três filhos. Ela foi desligada do Restaurante Universitário (RU) do câmpus Ceilândia da Universidade de Brasília (UnB), durante a pandemia, em agosto do ano passado, e não conseguiu outro emprego.

Para ajudá-la, alunos do curso de enfermagem da instituição que conheciam Silene se mobilizaram em campanha para arrecadar valores financeiros e doações de alimentos. A iniciativa foi do aluno do 9º semestre de enfermagem Cristiano Alves Marques Filho, que conhecia Silene e decidiu fazer algo para ajudá-la.

“Quando eu entrei na UnB, há quatro anos, ela já estava lá e sempre foi muito querida, com todos nós. Não só ela, mas toda a equipe. Viramos amigos. Há duas semanas, ela me contou o que estava passando”, conta. “Eu já sabia que as coisas estavam difíceis porque ela perdeu o marido, em fevereiro, mas quando ela me contou que estava sem a parte básica de viver, entendi que eu precisava ajudar de alguma forma”, afirma Cristiano.

O estudante decidiu, então, mobilizar mais pessoas para arrecadar algum suporte para Silene. “Eu não tenho condições de fazer isso sozinho. Então, conversei com o centro acadêmico e eles prontamente me ajudaram a divulgar no nosso grupo. Depois, sei que a publicação foi para outros grupos”, diz.

Vaquinha ajudou Silene a comprar o gás e mantimentos para o fim do mês

Em poucos dias, Silene começou a receber as doações. Para ela, foi o milagre no momento certo. “Eu só tinha arroz e feijão, não tinha mais gás. O seguro-desemprego terminou em janeiro e eu não consigo emprego. Quando começou a chegar, eu nem acreditei. Foi o que me ajudou a comprar o gás e comida, que é o que temos comido”, conta Silene, emocionada.

O auxílio que chegou surpreendeu a brasiliense, que é só gratidão. “Quando ele me falou que ia divulgar, eu achei que seria algo pequeno. Uma cesta básica apenas, mas foi bem mais. Eu estava sem comida e consegui comprar pra alimentar minha família”, conta.

“Eu estou muito feliz, porque foi o que me tirou do sufoco. O pouco com Deus é muito, e pra mim, que não tinha nada, só de ter algo para dar de comer aos meus filhos, é muito bom”, afirma. “Agradeço a todos imensamente. Eu os chamava de meus filhos, pois sempre me receberam com muito carinho e eu também cuidava deles”, diz.

Apesar da ajuda recebida, Silene ainda não tem emprego em vista e não sabe como conseguirá pagar as contas do próximo mês. Se você quer ajudá-la, é possível fazer depósito na conta dela, já que a auxiliar não tem a habilitação para PIX: conta poupança da Caixa nº 2272 013 00121823-6.

Para entrega de alimentos ou outras doações, é necessário entrar em contato com o Cristiano pelo telefone (61) 98462-5130.

Empresa que demitiu Silene não cumpriu com acordo para pagamento de rescisão

A demissão foi uma surpresa para Silene. Ela trabalhava na empresa particular que gerencia os restaurantes universitários da UnB, a Sanoli Indústria e Comércio de Alimentação Ltda, há seis anos, e nunca recebeu reclamações. Antes de ser demitida, a empresa dispensou, ela e vários colegas, do trabalho por 90 dias. “Em junho eles nos chamaram e falaram pra ficarmos em casa por 90 dias. Só que antes do prazo terminar, eles nos chamaram e nos mandaram embora. Foi muita gente”, conta.

De acordo com Silene, a situação piorou quando a empresa não pagou os montantes devidos na rescisão do trabalho. “Eles fizeram um acordo com a gente para pagar tudo em cinco parcelas, mas só pagaram duas e não recebemos mais nada. Entramos na justiça e estamos esperando respostas”, diz.

Silene usou o valor sacado do FGTS para comprar uma porta e uma janela. Os itens antigos estavam quebrados e a casa da brasiliense ficou mofada devido à entrada de água da chuva
Silene usou o valor sacado do FGTS para comprar uma porta e uma janela. Os itens antigos estavam quebrados e a casa da brasiliense ficou mofada devido à entrada de água da chuva (foto: Arquivo pessoal)

“É uma chateação enorme. Eu acho que eles não pagam porque não querem. Mesmo inadimplentes, eles continuam na UnB, parece que ficarão até dezembro deste ano. Agora, eles têm chamado algumas pessoas de volta, mas não vão chamar quem entrou na justiça”, afirma. Com a falta de pagamento, Silene recorreu ao auxílio emergencial e ao seguro-desemprego. Ambos terminaram em janeiro.

Procurada pela equipe do Eu, Estudante, a UnB afirma, em nota, que as medidas de isolamento para prevenção contra a covid-19 fez com que as atividades dos Restaurantes Universitários fossem suspensas e, assim, a demanda diminuísse. De acordo com a universidade, parte das atividades nos centros alimentícios retornaram, mas apenas para “ produção de alimentos entregues aos moradores da Casa do Estudante (CEU)”. “O volume de refeições é extremamente reduzido e ocupa um quadro mínimo de colaboradores”, pontua a UnB.

A Universidade também declara que “sempre procurou, em conjunto com a Sanoli, alternativas para a manutenção dos empregos”, mas que a decisão de “contratar ou demitir trabalhadores não compete à UnB, mas sim às empresas terceirizadas, que vêm sendo afetadas pelos impactos econômicos da crise do coronavírus”.

Na nota, a universidade também diz que “lamenta profundamente a situação e se solidariza com os trabalhadores e suas famílias”.

Até o fechamento dessa matéria, a Sanoli não respondeu aos questionamentos do Eu, Estudante sobre o não cumprimento do acordo financeiro. 


Idade e problemas físicos dificultam reinserção de Silene no mercado de trabalho

Para Silene, a idade avançada, 51 anos, dificulta a procura de um novo emprego. Ela entregou currículos para amigos e fez cadastro na delegacia de trabalho, mas ainda não tem nada em vista.

O diagnóstico de artrose no braço direito também é um ponto limitador. A auxiliar de cozinha ficou, inclusive, por um ano afastada do posto de trabalho, no RU da UnB, ao ser diagnosticada com a doença, em 2018.

“Tá sendo difícil, o braço dói, mas eu preciso de emprego. Estou me sentindo recuada, não tenho de onde tirar”, desabafa. Ela tem cadastro em dois programas de auxílio governamental, mas a soma de recursos provenientes deles não chega a metade de um salário mínimo.

“Hoje, o que tem me sustentado é o bolsa-família, que é R$ 171, e o Prato Cheio, que consegui em janeiro, de R$ 250. Também me cadastrei no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para receber auxílio-doença, mas o cadastro nunca sai de análise”, relata.

Ela também conseguiu sacar o valor guardado no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas este foi usado para outra emergência, desta vez, na estrutura da casa da família. “Tive que comprar janelas e uma porta para casa, pois estava com vazamento e minha casa estava molhando. Ela ainda tá toda mofada, mas pelo menos consegui estancar uma parte”, conta.

Silene usou o valor sacado do FGTS para comprar uma porta e uma janela. Os itens antigos estavam quebrados e a casa da brasiliense ficou mofada devido à entrada de água da chuva
Silene usou o valor sacado do FGTS para comprar uma porta e uma janela. Os itens antigos estavam quebrados e a casa da brasiliense ficou mofada devido à entrada de água da chuva (foto: Arquivo pessoal)

A preocupação de Silene é de como irá pagar as dívidas do próximo mês. “Eu tenho conta de luz e água, IPTU da casa que eu moro, que era da minha mãe, e a comida para nós quatro. A conta de água já atrasou e eu parcelei e já atrasei de novo. Já fiz todo tipo de oração, mas ainda tenho fé”, afirma.

E fé é o que não falta na história de Silene, que desde cedo enfrenta dificuldades. Aos 15 anos, ela perdeu a mãe e a partir daí ela e os irmãos tiveram que começar a trabalhar. “Foi bem difícil, minha irmã criou a gente e aos 16 comecei a trabalhar. Quando perdi minha mãe, fiquei na casa de um e de outro, e logo engravidei”, conta.

“Um erro de uma adolescente que estava revoltada, mas eu nunca abandonei meus filhos, sempre fui lutando”, lembra. Silene atuou como auxiliar de serviços gerais ou de cozinha, trabalhos que permitiram a criação dos filhos.

Quando conheceu o marido, encontrou um parceiro de vida, alguém para dividir o cotidiano e também o sustento da casa. Por isso, a perda do companheiro, em fevereiro de 2020 por falência de órgãos, tem piorado o momento difícil que tem vivido. “Tivemos três filhos. Ele era a base, junto comigo, ficamos 25 anos juntos. Eu ainda sofro muito e até hoje sinto a falta dele”, lembra.

Ela afirma que a única coisa que quer é dar auxílio aos filhos. “Eu não faço mais nada por mim. Nem sou mais de me arrumar, um batom não sei mais quando passei. Minha prioridade é minha família, só de ter comida para meus filhos, estou satisfeita. Deus vai ajudar”, diz com voz embargada.

Silene tem sete filhos, destes três dividem a residência com ela: uma mulher de 26 anos, uma menina de 16 e um menino de 12. A auxiliar afirma que as outras filhas, que são casadas e não moram mais com ela, não podem ajudá-la por também terem recursos finitos.

*Estagiária sob supervisão da editora Ana Sá

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