Xenofobia

Parlamento português veta assistência social a alunos estrangeiros

Com a decisão, mais de 20 mil brasileiros que estudam no país são afetados. Hoje, mesmo realizando um sonho, alunos sofrem com xenofobia e a pandemia

João Carlos Magalhães*
postado em 14/04/2021 14:09 / atualizado em 14/04/2021 16:55
 (crédito: Arquivo Pessoal )
(crédito: Arquivo Pessoal )

O Parlamento Português rejeitou, na última quinta-feira (8), dois Projetos de Lei (PL) que previam a reforma do Estatuto de Estudantes Internacionais. O resultado é uma derrota para estudantes brasileiros que pedem melhores condições de estudos durante a pandemia e remanejamento no preço das universidades.

Os projetos, n° 610/XIV/2.a e n° 736/XIV/2 foram propostos pelo Bloco de Esquerda e pela deputada Cristina Rodrigues, respectivamente, mas tiveram resistência do parlamento. Embora seis dos 11 partidos tenham votado a favor da matéria, as mais numerosas bancadas do Partido Socialista (PS), com 108 parlamentares, e Partido Social Democrata (PSD), com 79, não foram favoráveis.

O PL do Bloco de Esquerda justificava que a captação em grande escala de estudantes estrangeiros se tornou uma fonte de financiamento para as Instituições de ensino superior de Portugal. “Essa visão permitiu e legitimou que esses estudantes internacionais fossem tratados por parte das Universidades como uma espécie de mercadoria.

Ao mesmo tempo que são chamados a pagar mensalidades exorbitantes, é negado aos imigrantes o acesso a alguns mecanismos de ação social. É preciso encarar a participação de cidadãos internacionais no ensino superior português com uma visão humanista e não mercantil”, expõe o texto.

Em Portugal, as universidades públicas são pagas, mas para lusos e cidadãos da União Europeia os valores são bastantes mitigados em relação ao que desembolsam brasileiros e outros imigrantes.

Para estudar em Coimbra, por exemplo, um curso de graduação custa hoje cerca de € 7 mil (R$ 47.400) para imigrantes. Os portugueses, por sua vez, pagam 697 euros (R$ 4.719), cinco vezes menos. Em outras universidades a disparidade varia entre duas vezes mais e dez vezes mais.

De acordo com o projeto de Cristina Rodrigues no primeiro semestre do ano letivo 2019/2020, Portugal contava com 58 mil alunos estrangeiros, 15% do total, dos quais 21 mil eram brasileiros. Ou seja, mais de 36% dos estudantes imigrantes em Portugal nasceram no Brasil.

O projeto da parlamentar Cristina Rodrigues foi rejeitado pelo Parlamento português
O projeto da parlamentar Cristina Rodrigues foi rejeitado pelo Parlamento português (foto: Público/ José Sena Goulã)

Estudantes pedem por melhores condições

Durante a pandemia, universidades portuguesas como a Universidade do Porto e do Algarve ameaçaram alguns estudantes de despejo, mesmo com a crise sanitária imposta pelo coronavírus.

Os alunos perderam seus empregos por conta da pandemia e não tinham como pagar o alojamento da universidade. Em outros locais, estudantes infectados pelo coronavírus, que estavam isolados, não recebiam auxílio alimentação por parte das instituições.

Estudantes brasileiros em Portugal criaram então o Coletivo Estudantes Internacionais para defender os direitos de estudantes imigrantes, principalmente brasileiros, na universidade durante a pandemia.

Um dos participantes do coletivo, Willian Cardoso, 29 anos, é natural de Brusque (SC) e estuda licenciatura em bioengenharia no Politécnico de Coimbra. Para ele, a pandemia só evidenciou problemas que já ocorriam.

“Quando estudantes cobravam uma ajuda ou um posicionamento da universidade quanto a situação da pandemia e a falta de suporte eram respondidos com frases como ‘dias melhores virão’ ou nem eram respondidos”, afirma.

O Coletivo foi responsável por discutir com parlamentares as medidas que seriam apresentadas na Casa Legislativa para mitigar problemas de estudantes imigrantes. As principais reivindicações eram o acesso de estudantes internacionais aos benefícios de Ação Social das instituições, como auxílio alimentação, por exemplo.

Outro pedido do Coletivo era a redução de propinas, como eles chamam a anuidade das universidades. “A gente entende que deve haver a cobrança para cobrir os custos dos estudos, mas porque pagar dez vezes mais que um estudantes portugues?”, questiona Willian.

No PL, estudantes pediam pela diminuição da cobrança, aceitando ainda assim pagar mais que portugueses e membros da União Europeia. “A ideia era pagar o valor da máxima histórica. Ou seja, o máximo que foi cobrado a estudantes portugueses pelo curso”.

 

Willian faz parte do coletivo que luta por melhores direitos a alunos imigrantes, principalmente brasileiros, nas universidades portuguesas
Willian faz parte do coletivo que luta por melhores direitos a alunos imigrantes, principalmente brasileiros, nas universidades portuguesas (foto: Arquivo Pessooal)

Um dos maiores problemas dos estudantes é o Estatuto do Estudantes Internacional, reformado em 2014 pelos portugueses. O documento prevê que universidades desenvolvam programas de captação de estudantes imigrantes para financiamento dos cursos.

Foi também neste ano, que as universidades de Coimbra e Algarve, em Portugal, passaram a aceitar vestibulandos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Esse estatuto leva-nos a acreditar que as universidades têm uma visão mercantilista sobre nós, e não acadêmica”, explica Willian.

O estudante explica que, entre os brasileiros, essas questões causam indignação, mas não são motivo de arrependimento por estarem em Portugal. “Sabendo da situação do Brasil hoje, tanto política quanto social, a gente fica indignado com os problemas daqui, mas não se arrepende de ter ido estudar naquele país.

Xenofobia em universidades portuguesas é rotina para alguns estudantes

Estudantes brasileiros organizaram um protesto no câmpus da Universidade de Lisboa em 2019. O motivo era uma caixa de pedra feita por estudantes portugueses que tinham como objetivo acertar brasileiros.

Se por um lado universidades portuguesas promovem ações contra a xenofobia, o próprio corpo docente das instituições comete agressões aos alunos. “Hoje, os alunos brasileiros preferem apresentar seus trabalhos em inglês do que em português para evitar preconceitos”, diz Willian.

O estudante lembra de casos em que ele e colegas perderam nota nos trabalhos. “O trabalho estava certo. Mas o professor justificou a perda de nota porque falamos alguns ‘brasileirismos’. Mesmo existindo uma norma padrão da língua, a gente não consegue falar em português”.

Já houveram reclamações de atitudes xenofóbicas com brasileiros, por parte de professores em universidades como Aveiro, Coimbra, Braga, Algarve e Évora.

Estudar em Portugal é a realização de um sonho

Quando Bárbara Marques, 22, saiu do colégio, não esperava que sua vida fosse mudar em tão pouco tempo. A mineira de Belo Horizonte sempre sonhou em estudar fora do país. “Quando a oportunidade surgiu, eu já cursava direito no Brasil, mas não pensei duas vezes e vim para cá”, lembra. Hoje, Bárbara estuda direito na Universidade do Porto.

“É a realização de um sonho”, explica a estudante. “Aqui, a gente conhece uma cultura completamente diferente. Não tem problema de saúde, eu posso andar com tranquilidade na rua, é muito bom”, afirma.

Além de estudar, Bárbara também leva uma vida de produtora de conteúdo digital. Em seu Instagram e canal no Youtube, a discente de direito dá dicas e fala sobre a vida de um estudante em Portugal.

“Quando eu vim pra cá eu procurei alguém na internet que falasse sobre estudar em Portugal, mas não encontrei, então comecei a produzir conteúdo”, conta. Bárbara destaca que, não compartilha só os momentos bons da vida de estudante imigrante.

“Eu mostro tudo, os momentos bons e as frustrações também. Eu sou sincera e falo a verdade para meus seguidores”, diz.

 

Bárbara faz questão de ressaltar que embora exista xenofobia, nem todos os portugueses a cometem
Bárbara faz questão de ressaltar que embora exista xenofobia, nem todos os portugueses a cometem (foto: Arquivo Pessoal )

“O preconceito é ainda maior com a mulher brasileira”

Embora Bárbara não tenha a pretensão de voltar ao Brasil, ela também já sofreu com comentários de portugueses. “Infelizmente existe aquele comentário de que mulher brasileira só serve para roubar marido. Que nós viemos para Portugal para destruir casamentos.”

“Em uma entrevista de emprego, por exemplo, existe aquele receio de falar que eu sou brasileira por não saber o que vão pensar”

Bárbara ainda recebe mensagens xenofóbicos em suas redes sociais. A estudante já leu comentários que diziam “volta pro seu país” e “para de roubar a vaga de um Português”. Mas faz questão de ressaltar: "Mas é uma minoria. É raro eu passar por situações de xenofobia na faculdade e nas próprias redes sociais”.

  • O projeto da parlamentar Cristina Rodrigues foi rejeitado pelo Parlamento português
    O projeto da parlamentar Cristina Rodrigues foi rejeitado pelo Parlamento português Foto: Público/ José Sena Goulã
  • Willian faz parte do coletivo que luta por melhores direitos a alunos imigrantes, principalmente brasileiros, nas universidades portuguesas
    Willian faz parte do coletivo que luta por melhores direitos a alunos imigrantes, principalmente brasileiros, nas universidades portuguesas Foto: Arquivo Pessooal
  • Bárbara faz questão de ressaltar que embora exista xenofobia, nem todos os portugueses a cometem
    Bárbara faz questão de ressaltar que embora exista xenofobia, nem todos os portugueses a cometem Foto: Arquivo Pessoal
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação