Inovação

Estudante pesquisa composto da tangerina para tratar covid-19 e zika

Desenvolvido na Universidade Estadual do Ceará, estudo investiga a ação da substância tangeretina como agente terapêutico

Júlia Mano*
postado em 18/05/2021 18:14 / atualizado em 18/05/2021 19:54
Matheus é estudante de licenciatura em química na UECE, a pesquisa dele é em torno de substância da casca de tangerina -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Matheus é estudante de licenciatura em química na UECE, a pesquisa dele é em torno de substância da casca de tangerina - (crédito: Arquivo Pessoal)

Matheus Nunes da Rocha, 23 anos, estudante de licenciatura em química da Universidade Estadual do Ceará (UECE), desenvolveu um estudo em que investiga o composto natural tangeretina como agente terapêutico no tratamento da febre zika e da covid-19. A substância é extraída de casca de frutas como a tangerina. Desenvolvida ao longo de 2020, a pesquisa foi publicada na revista estadunidense Journal of Computational Biophysics and Chemistry, em abril deste ano, e não ainda há a versão traduzida para português.


Com colaboração da doutora Daniela Ribeiro Alves, doutora Márcia Machado Marinho, doutora Selene Maia de Morais e orientação do professor doutor Emmanuel Silva Marinho, a pesquisa iniciou pouco tempo antes da pandemia de covid-19 atingir o Brasil. Inicialmente, o intuito era estudar a caracterização estrutural e eletrônica da molécula que compõe a substância tangeretina, mas, o foco foi alterado para acompanhar o problema sanitário do país em decorrência do novo coronavírus. 


Por meio de verificações, o estudante e o grupo de professores constaram que a substância tangeretina tem uma boa biodisponibilidade para ser administrada oralmente por ter alta absorção intestinal. A base para essa checagem se deu por estudos farmacocinéticos de absorção, distribuição, metabolismo, excreção e toxicidade (fatores da técnica admet) somados a comparativos com bancos de dados de repositórios on-line.

Como foi feita a pesquisa


Primeiramente, o grupo buscou conhecer a atividade antioxidante e antiviral da molécula de tangeretina. Depois, a molécula foi submetida a testes com as enzimas de inibição do Sars-CoV-2 (termo técnico e oficial do novo coronavírus).

Após esse período de verificação, foi possível otimizar a nível quântico a molécula para constatar a capacidade de interação da tangeretina com a proteína do Sars-CoV-2 e com as NS1 e NS5 (termos técnicos de proteínas do zika vírus). Nível quântico é um termo da física ao qual se refere a uma escala extremamente pequena em que os fenômenos ocorrem de forma diferente do mundo macroscópico, ou seja, as dimensões nesse nível são iguais ou, até mesmo, menores que um átomo.

 

 

Capa da publicação feita na revista estadunidense "Journal of Computational Biophysics and Chemistry"
Capa da publicação feita na revista estadunidense "Journal of Computational Biophysics and Chemistry" (foto: Matheus Nunes da Rocha e colaboradores da pesquisa)



Além disso, foi feito teste com dois medicamentos para se comparar a ação da substância, um inibidor e um comercialmente vendido (baricitinib). De acordo com os cálculos computacionais somados à teoria da modelagem molecular, aos fundamentos da bioquímica e às alterações eletrostáticas, o estudante, junto ao grupo que o apoiou, chegou à conclusão que se pode estabelecer um método terapêutico baseado no uso da substância tangeretina com a suplementação do baricitinib.

“Ambas as substâncias interagem com a proteína do coronavírus em regiões diferentes. Isso quer dizer que não há chance de acúmulo residual no trato gastrointestinal e no sangue, com isso, não resulta em hepatite medicamentosa, por exemplo, no caso dos medicamentos azitromicina e ivermectina”, explica.

Agora, Matheus planeja a etapa futura da pesquisa que é a testagem laboratorial baseada no estudo teórico. “Com a publicação do artigo e com o que chamamos de popularização científica, que é essa divulgação que tem agora do trabalho, torna-se possível e provável o fomento do estudo no teste laboratorial”, afirma.


O estudante destaca também que não foi necessário fazer a primeira fase de teste clínico, em animais. “O ponto mais positivo dessa pesquisa é que se economizou o tempo de, aproximadamente, dois anos de teste e ainda evita o sacrifício de animais com os testes laboratoriais. Então, a gente parte diretamente para o teste in vitro”.

Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, Matheus teve apoio da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Regional do Cariri (Urca). O estudante ainda afirma que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) acompanhou o desenvolvimento do estudo, e que contou com o financiamento da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).

O professor orientador da pesquisa doutor Emmanuel Silva Marinho possui conhecimentos de otimização estrutural, química teórica e teoria da densidade funcional e pôde auxiliar o estudante nesses quesitos. As doutoras Daniela Ribeiro Alves e Selene Maia de Moraes contribuíram com o entendimento sobre produtos naturais e a influência da medicina natural no tratamento de doenças com enfoque nas da pesquisa (as respiratórias causadas por vírus). A doutora Márcia Machado Marinho colaborou com a compreensão que possui na aplicação da técnica docking molecular.

O interesse pela área de pesquisa


Matheus ingressou na Universidade Estadual do Ceará em 2016, desde o segundo semestre de graduação desenvolve pesquisa na instituição. O interesse pela área surgiu na disciplina “Metodologia e Prática da Pesquisa”, onde conheceu o orientador do projeto sobre o uso da substância tangeretina. Ao todo, o estudante converteu cerca de dez projetos em artigos que foram publicados e ainda tem outros estudos em andamento.

Quando começou a graduação, Matheus pensava em ser professor, ele ainda tem interesse em trabalhar com ensino, pois tem o sonho de transmitir o que aprendeu ao longo da licenciatura, no entanto, ele também quer continuar a fazer pesquisas. Atualmente, ele é membro do Grupo de Química Teórica e Eletroquímica (GQTE) da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FFIDAM) da universidade e deve se formar ainda neste ano.

 

*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo

 

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