viagens desmarcadas

Pesquisadores da UnB podem perder bolsa de doutorado no exterior

Devido à lentidão do processo de vacinação, estudantes temem perder oportunidade única

Maryanna Aguiar*
postado em 16/06/2021 15:16 / atualizado em 16/06/2021 15:21
Letícia acredita que a pesquisa brasileira precisa ser valorizada -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Letícia acredita que a pesquisa brasileira precisa ser valorizada - (crédito: Arquivo Pessoal)

Dezoito alunos contemplados na seleção interna da Universidade de Brasília (UnB) para bolsas do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) estão com suas viagens embargadas devido à lentidão no processo de vacinação no Distrito Federal — que imunizou 757.213 pessoas com a primeira dose da vacina contra a Covid-19 desde o início da campanha, um total de apenas 24,81% da população da capital com idade entre, 50 a 59 anos.


A bolsa individual busca apoiar a formação de recursos humanos de alto nível por meio da concessão de bolsas de doutorado sanduíche no exterior aos cursos de Doutorado reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O estágio no exterior contempla a realização de pesquisas em áreas do conhecimento menos consolidadas no Brasil.


Com a pandemia, muito dos países de destino exigem a vacinação completa dos estudantes, como a Inglaterra, Portugal, França e outros, que já se encontram bastante a frente do Brasil em relação a vacinação. A Inglaterra, por exemplo, vacinou 45,1% de sua população, enquanto o Brasil possui pouco mais de 11,2% de vacinados.


O Decano de Pós-Graduação da UnB, Lucio Renno, 48, diz que os órgãos coletivos das pró-reitorias a nível nacional estão mobilizados e em contato com os ministérios da Saúde e Educação acompanhando a situação — Copropi e Fopropi. Entretanto ainda não houve um posicionamento definitivo sobre esse tema e sobre o que seria feito em relação a outros bolsistas que participam do processo de ensino e pesquisa nas universidades.


“Na UnB, nós vamos acompanhar de perto o desenrolar do processo junto aos estudantes para encontrarmos soluções. Mas deve ficar claro que essas são dependentes da velocidade do processo de vacinação que é responsabilidade da Secretaria de Saúde do DF, portanto algo externo à vontade da UnB”, ressalta Lucio.


Ele acredita que se houver atrasos na vacinação para esse grupo, terá necessidade de avaliar junto aos estudantes a possibilidade de adiamento das viagens e de respectiva prorrogação dos prazos previstos para a pós-graduação, algo que já está contemplado em resoluções internas da UnB: “Estamos comprometidos a assegurar que os estudantes agraciados por essas importantes e competitivas bolsas possam exercê-las sem prejuízos para suas pesquisas”.


Em nota, a CAPES informou que mantém diálogo com o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde e respeita as decisões dos planos de imunização do governo federal, estados e municípios, responsáveis pelas definições das prioridades em relação à vacinação contra a COVID-19.


“Ressaltamos que o Ministério da Saúde instituiu, por meio de portaria em setembro de 2020, a Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis, composta por representantes do Ministério e de outros órgãos governamentais e não governamentais, como Sociedades Científicas, Conselhos de Classe, especialistas com expertise na área, Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems)”.

 

"[...] considerando as medidas sanitárias e as políticas de mobilidade adotadas nos países – destino dos bolsistas/pesquisadores, podendo ter o cronograma previsto em edital alterado. Ressaltamos, contudo, a firme disposição da CAPES em manter os seus programas, salvaguardando a saúde dos bolsistas e a ciência brasileira", disse a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.


Letícia Gama, 28, doutora em engenharia elétrica é uma dos aproximadamente 650 aprovados no processo seletivo PDSE da CAPES, o destino dela é a Universidade de Toronto, no Canadá, que exige uma quarentena de 14 dias após chegar ao país, sendo que, nos três primeiros dias, ela deve ser cumprida obrigatoriamente em hotéis indicados pelo governo. Dessa forma, o auxílio-instalação fornecido pela CAPES, que deveria ajudar no primeiro mês inteiro de intercâmbio, seria totalmente gasto em menos de 14 dias e os gastos em decorrência da quarentena excederiam o valor disponibilizado.


“Aqui na UnB somos 16 doutorandos, parte são da área da saúde e já foram ou estão sendo vacinados, outros foram por comorbidade, mas o justo seria que todos os pesquisadores, que estão fazendo a ciência acontecer no Brasil, fossem incluídos nos grupos prioritários e fossem vacinados de forma a poder ter essa oportunidade tão enriquecedora de intercâmbio de conhecimento”, explica Letícia.

A pesquisa e a ciência brasileira precisam ser valorizadas, segundo a pesquisadora, "principalmente na situação de pandemia em que vivemos e que só conseguimos a vacina por conta da ciência". "Quero ressaltar que as pesquisas realizadas pelos doutorandos são altamente relevantes e passaram por um comitê de avaliação para serem aprovadas pelo edital da CAPES, de forma que não existe dúvida de que essas pesquisas trariam um retorno muito grande para a sociedade brasileira”, destaca.


Sem respostas na alteração da programação ou estimativa de vacinas a serem fornecidas aos doutorandos aprovados no edital PDSE, os pesquisadores se encontram sem esperança de que serão vacinados até setembro.

Laboratório de pesquisa da UnB
Laboratório de pesquisa da UnB (foto: Arquivo Pessoal)

Letícia, que fala pelo grupo de pesquisadores da UnB, complementa dizendo que os estudantes esperam a manifestação de apoio aos bolsistas por parte da CAPES, para que o período de intercâmbio não seja prejudicado.


Na intenção de serem incluídos no Plano Nacional de Imunização, os doutorandos redigiram uma carta aberta endereçada ao Governo federal, foi uma forma de obter garantia de que as bolsas e as oportunidades de realizar a pesquisa no exterior poderão ser honradas.

Trecho da carta

Nós bolsistas selecionados no Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE) edital n. 19/2020 viemos por meio desta carta aberta direcionada à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Ministério da Educação (MEC), Ministério da Saúde (MS) e Ministério das Relações Exteriores (MRE) buscar apoio sanitário para as viagens que serão realizadas a partir de setembro de 2021.


O PDSE tem por objetivo apoiar a formação de recursos humanos de alto nível por meio da concessão de bolsas de Doutorado Sanduíche no exterior aos cursos de Doutorado reconhecidos pela CAPES. O estágio no exterior deve contemplar, prioritariamente, a realização de pesquisas em áreas do conhecimento menos consolidadas no Brasil.

Para o ano de 2021, foi lançado no dia 09.10.2020 o edital n. 19/2020 com o objetivo de selecionar 1400 bolsistas que, no período de 4 a 6 meses, realizariam estágio de pesquisa no exterior. Para esses candidatos, no momento da inscrição foi condicionada a data de saída do Brasil em setembro de 2021.


No dia 27.04.2021, a CAPES anunciou que cerca de 650 pesquisadores brasileiros foram selecionados para desenvolverem suas pesquisas no exterior.

Inclusive, deu-se grande destaque ao anúncio formulado pela entidade nas suas redes sociais e página oficial.


*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo

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