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Jovem leva abacaxi para a colação de grau em homenagem aos pais agricultores

Com uma fonte de renda voltada para a venda de abacaxis, Emylla de Sousa realizou seu sonho de se tornar enfermeira. As vendas ajudaram a jovem a se manter na faculdade

Mia Andrade*
postado em 06/12/2021 18:34 / atualizado em 06/12/2021 21:55
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Em momento significativo em sua trajetória educacional, a formanda Emylla de Sousa, 23 anos, subiu ao palco para receber o diploma em sua colação de grau segurando um abacaxi. A jovem que se formou em enfermagem decidiu homenagear os pais agricultores que vendiam a fruta para custear despesas da graduação.

Desde pequena, Emylla colocou a educação como prioridade em seus objetivos e tinha o sonho de estudar em Teresina, no Piauí, por ser mais próxima de onde seus pais Erislandia Alves de Sousa, 42 anos e José Airton Alves Silva, 48 anos, trabalhavam vendendo abacaxi, na Ceasa. “Fiz o ensino fundamental no interior, em Povoado Conduru, e o ensino médio na cidade de São Domingos. Não havia muitas oportunidades, ou eu parava por ali ou ia para outras cidades, ou Teresina para continuar estudando. Em Teresina seria mais fácil pois estaria perto da família”, explica.

Ainda no ensino médio, Emylla se via trabalhando “como adulta” na área da saúde, como médica. Após fazer testes vocacionais, a jovem se deparou com o curso de enfermagem, que a princípio não chamou a atenção. “Achei que os enfermeiros fossem um tipo de empregado de médicos e é algo que eu não tinha interesse. Não queria ser mandada”, conta.

Após pesquisar sobre o curso e a carreira, a jovem decidiu perder o medo e decidiu se dedicar para a carreira. “Entendi que a enfermagem é um serviço para o outro, é cuidar das pessoas, tratar de feridas e é isso que eu amo”, conta. Depois de dois anos fazendo o cursinho preparatório ao chegar em Teresina, a jovem conseguiu uma vaga pelo Fies no Centro Universitário Santo Agostinho. Um ano depois, conseguiu uma vaga pelo Prouni, com 70% da mensalidade custeada pelo programa.

A vitória e o abacaxi

"O abacaxi é o sustento da família", afirma Emylla
"O abacaxi é o sustento da família", afirma Emylla (foto: Arquivo pessoal)

Devido às dificuldades financeiras, a Emylla pensou em desistir da faculdade e chegou a buscar a coordenação do curso, porém, foi incentivada pelos professores e colegas a continuar perseguindo seu sonho. “A situação me doía muito, muitas vezes quis trabalhar para ajudar meus pais e eles nunca deixaram, sempre pediram para que eu continuasse estudando”, conta.

A ideia de subir com o abacaxi no palco durante a entrega do diploma surgiu durante o período da faculdade. “Não imaginei que teria essa repercussão toda com o abacaxi, minha intenção sempre foi honrar meus pais e minha cidade que é conhecida por ser a terra do abacaxi. Quis mostrar aos meus pais o orgulho que tenho das pessoas que eles são e orgulho da minha família”, conta.

Emylla relembra que subir no palco e ver os olhos de seus pais brilhando e sua família presente trouxe emoção e gratidão pelo caminho percorrido. “Foi indescritível olhar para eles e pensar em todos os momentos que passamos, em todas as vezes que minha mãe orou por mim enquanto eu estava longe, os dias de trabalho do meu pai, as noites em claro estudando para as provas e trabalhos. Tudo isso foi possível com eles, com os professores e colegas”.

Para a recém-formada, isso é apenas o começo da resolução de seus sonhos. “A bíblia fala que a fé é a certeza daquilo que nós não vemos e eu sempre acreditei muito nisso. Sempre tive certeza que meus sonhos se tornariam reais, não sabia quando, nem onde e nem como, mas sabia que seriam reais e hoje eu posso viver isso, e é apenas o primeiro passo”, garante.

Emylla fala que o apoio dos pais foi essencial em sua jornada na faculdade
Emylla fala que o apoio dos pais foi essencial em sua jornada na faculdade (foto: Arquivo pessoal)

Superação e força

Emylla conta que teve de enfrentar muitos desafios em sua jornada no ensino superior. Além das dificuldades financeiras, para custear o curso e as despesas da moradia na cidade, a jovem teve de lidar com o trauma de ter sido vítima de abuso sexual aos 9 anos de idade, o que dificultou sua convivência e confiança em outros homens além de seu pai.

“Isso dificultou muito para que eu conseguisse ir pra escola, conseguir conversar e me relacionar com as outras pessoas. Quando fui para Teresina, tive muito medo de sair de casa e principalmente de me relacionar com homens, tinha medo do que eles pensavam e das intenções deles”, afirma.

Emylla fala que por conta da culpa pelo que ocorreu, e o trauma em si, teve dificuldade de se ver em um relacionamento. “Eu pensava muito em como seria se eu me relacionasse, se eu me lembraria do que aconteceu quando a pessoa me tocasse e isso me trouxe dificuldades no meu relacionamento atual, principalmente por não conseguir falar sobre”, relata.

Após o apoio da família, de seu namorado e agora noivo e do acompanhamento psicológico, a jovem tem lidado melhor com o que ocorreu e tenta tirar forças da situação para ajudar outras meninas que passaram pela mesma situação. “Quero me especializar em enfermagem na área de estomaterapia, que cuida das feridas dos outros. Sei o quanto dói uma ferida no corpo e na alma, e por isso sonho em poder ajudar essas meninas a terem saúde e esperança novamente. Provar que existe uma vida depois de um trauma como esse”, declarou.

*Sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo

  • Emylla fala que o apoio dos pais foi essencial em sua jornada na faculdade
    Emylla fala que o apoio dos pais foi essencial em sua jornada na faculdade Foto: Arquivo pessoal
  • "O abacaxi é o sustento da família", afirma Emylla Foto: Arquivo pessoal
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