REPERCUSSÃO

Faculdade quer garantir permanência de morador de rua que estuda enfermagem

Dirigentes da unidade Belenzinho da Faculdade Anhanguera, em SP, se reuniram com o estudante Diego Pereira e o padre Júlio Lancellotti para falar sobre denúncias publicadas no Correio

Jáder Rezende
postado em 03/05/2022 17:39 / atualizado em 03/05/2022 18:36
Diego, padre Lancellotti e a direção da unidade Belenzinho da faculdade Anhanguera se reuniram para falar sobre as denúncias de discriminação por parte da própria direção e de alunos e professores da instituição -  (crédito: Victor Angelo Caldini)
Diego, padre Lancellotti e a direção da unidade Belenzinho da faculdade Anhanguera se reuniram para falar sobre as denúncias de discriminação por parte da própria direção e de alunos e professores da instituição - (crédito: Victor Angelo Caldini)

A repercussão da triste história do morador de rua de São Paulo aprovado no vestibular de enfermagem, Diego Augusto Pereira, 25 anos, pode render bons frutos para o estudante, que experimentou uma trágica jornada até encontrar em seu caminho o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua. A verdadeira saga do morador de rua foi destaque na edição de domingo, 1º de maio, do caderno Trabalho & Formação do Correio. Na manhã desta terça-feira (3), Diego, padre Lancellotti e a direção da unidade Belenzinho da faculdade Anhanguera se reuniram para falar sobre as denúncias de discriminação por parte da própria direção e de alunos e professores da instituição. A possibilidade de concessão de uma bolsa de estudos para Diego não foi descartada.

No Instagram do padre Lancellotti, onde a publicação foi reproduzida, e nos da Anhanguera, dezenas de internautas cobraram posicionamento da instituição de ensino a respeito da denúncia e pediram que Diego fosse contemplado com uma bolsa de estudos. “Muito controverso o tratamento dado a Diego. Se entrar na página da instituição verá que ela se diz alinhada a vários princípios éticos e humanistas. Triste também o comportamento dos alunos de uma classe média que está decaindo. E o comportamento dos professores, que exemplo de mestres. Que vergonha @anhanguera.cn, anhangueraedu, anhanguera_belenzinho, e as práticas de educação inclusiva?”, registrou o internauta @amssouza1968 que, em outra postagem, convoca para “uma grande campanha para a @anhangueraedu e @anhanguera_belenzinho se pronunciarem sobre essa grave violação dos direitos humanos”.

A internauta @giocondabretas engrossou o coro dos que defendem a concessão de uma bolsa de estudos para Diego. “Vamos dar uma bolsa de estudos para o Diego! Hoje saiu uma matéria muito importante de um estudante de vocês. @padrejulio.lancellotti está ajudando o Diego que luta contra todas as barreiras que são impostas a ele! #diegonaanhanguera”, escreveu ela, na página da @anhangueraedu.

  • Nos prints é possível conferir a indignação dos internautas Reprodução/Instagram
  • Nos prints é possível conferir a indignação dos internautas Reprodução/Instagram

Promessa

Segundo o padre Lancellotti, na reunião, da qual participou o diretor executivo da unidade Belenzinho da Anhanguera, Marcos Cesar Garcia, os representantes da instituição afirmaram que discriminação e preconceito vão de encontro à linha da universidade, e se espantaram com a repercussão do fato. Para garantir sua integridade física, ainda segundo o sacerdote, Diego optou por mudar de turno. Deixará de frequentar as aulas no turno da noite e passará a estudar de manhã, embora os custos sejam mais altos. “Disseram que não é a linha deles, mas a universidade tem que acolher. Afirmaram ainda que vão avaliar a possibilidade da bolsa de estudos, disse”, disse. “Certamente outras situações semelhantes vão surgir. E é bom, que apareça, pois daremos todo o apoio necessário”, completou.

Ainda segundo o padre, os dirigentes insistiram para que Diego revelasse os nomes dos professores e colegas que o hostilizaram desde o início do curso, mas ele se negou a atender ao pedido. “Esperamos que haja uma postura pedagógica para todos. O princípio tem que ser sentido na pele das pessoas”, disse. “Vamos acompanhar, mas o mais importante é resolver a questão da reabilitação ocular de Diego”. O estudante foi crivado de balas em uma emboscada, ficou com quatro projéteis alojados no corpo, sendo três na cabeça, e perdeu a visão esquerda.

As doações direcionadas a, de acordo com o padre, foram muitas. A primeira providência, segundo ele, foi comprar para ele um telefone celular, para facilitar a comunicação e qualquer necessidade de registrar alguma denúncia. Apesar das promessas da direção de apurar os fatos e impedir que novas investidas ocorram, Diego disse não acreditar que está seguro. “Não acredito que vá adiantar mudar de turno. O lugar continuará sendo o mesmo, as pessoas as mesmas. Acho que não vai ser diferente. Mas vou enfrentar o que vier”, afirma. “Quero terminar a faculdade para ajudar as pessoas que estão em situação de rua. Não quero ser rico, famoso, simplesmente levar essa mensagem, a de que podemos fazer o bem sem olhar a quem.”

UNE

Diego disse que a publicação da matéria foi comentada por muita gente que nunca viu na vida. “Muitos disseram que se identificaram com a minha história, que estão solidários e torcendo para que tudo dê certo. De degrau em degrau vou me reerguer, sair das ruas, ter um lar para morar e até uma família, com a graça de Deus”, disse.

Para a União Nacional dos Estudantes (UNE), situações como a de Diego deveriam ser exceção no país. "Sabemos da importância da educação para a mudança de vida, para o desenvolvimento pessoal, da sociedade e do país também. Por isso, é tão importante criar e manter políticas públicas para permanência estudantil, para que esses estudantes não abandonem os cursos. Assim, mantemos nossa atuação na articulação com parlamentares", disse a presidenta Bruna Brelaz.

Sobre as discriminações sofridas pelo estudante, alerta que “casos de abuso, preconceito, racismo e machismo nas universidades podem ser denunciados para as entidades estudantis, tanto para a UNE, quanto para União Estadual dos Estudantes (UEE), centros acadêmicos e diretórios centrais de estudantes, que providencias em âmbito judicial ou outras medidas serão adotadas. Além disso, amplificamos essas denúncias, fazendo com que cresça ainda mais essa cultura contra qualquer discriminação", assegura Brelaz.

Inclusão

Por meio de nota, a Anhanguera Belenzinho informou que “o coordenador acadêmico se reuniu com o aluno em questão e com o representante da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo para juntos esclarecerem todos os pontos”, e que “a instituição se colocou à disposição para ajudá-lo”. Disse ainda que a instituição “ressalta o acolhimento que presta aos seus estudantes”. “A marca informa ainda que a área competente foi acionada para a devida apuração interna da situação apresentada.

A Anhanguera enfatiza que trabalha pela diversidade e inclusão, e condena toda e qualquer forma de discriminação ou preconceito. Desde 2020 implementamos ações direcionadas para os pilares de diversidade, além de treinar e letrar nossos colaboradores para promover um ambiente cada vez mais diverso e inclusivo. Estabelecemos também uma política e um guia focados no tema. A instituição reforça o seu propósito de levar a muitos a educação que ainda é acessível a poucos, para que cada vez mais pessoas tenham oportunidade de estudar.”

Por e-mail, o diretor executivo da unidade Belenzinho, Marcos Garcia, disse que, após a reunião de hoje com o padre Lancellotti e Diego “foram alinhados e esclarecidos os pontos”. “Não podemos admitir nenhum caso destes dentro de nossa unidade, trabalhamos muito pela diversidade e inclusão, inclusive com alguns projetos”, disse.

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