Superação

Vivendo em abrigo, aluna autista é aprovada em serviço social na UnB

Estudante criou vaquinha para prosseguir nos estudos. Depois formada, Júlia quer atuar na área, em instituição como a que a acolheu

Jáder Rezende
postado em 30/08/2022 16:24 / atualizado em 31/08/2022 14:46
Júlia depois da aprovação na UnB:
Júlia depois da aprovação na UnB: "conquista com muito sacrifício" - (crédito: Arquivo pessoal)

Diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA) e vivendo em um abrigo para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, a estudante Júlia Camily Teles, 18 anos, foi aprovada na Universidade de Brasília (UnB), no curso de Serviço Social, sem fazer qualquer tipo de cursinho. Depois de se formar, a adolescente pretende atuar na área, de preferência em uma instituição como a que a acolheu, para ajudar outros jovens a trilhar o mesmo caminho.

Depois de passar por quatro abrigos diferentes, Júlia foi acolhida, em dezembro do ano passado, no Lar São José,em Ceilândia Norte, que há 34 anos, acolhe crianças e adolescentes,onde permaneceu até o final de abril deste ano, quando completou a maioridade. Hoje instalada em uma república, a estudante permanece mantendo vínculo com a instituição.

A estudante conta que, para ingressar na universidade, contou com a ajuda da equipe de pedagogos do Lar São José e também de professores do Instituto Federal de Brasília (IFB), onde concluiu o ensino médio.

 

Júlia depois da aprovação na UnB: conquista com muito sacrifício
Júlia depois da aprovação na UnB: conquista com muito sacrifício (foto: Arquivo pessoal)

Júlia ingressou no IFB pelo programa de cotas. Ela lembra que o processo foi difícil e exigiu muito sacrifício. Quando estava no 9º ano, conheceu a instituição levada por um professor, e ficou encantada com as instalações. “Foi amor a primeira vista. Fiz a inscrição no último dia. Faltava documentos da minha família, comprovar que eu era parda, essas coisas. Fui na chuva, sozinha, sem apoio de ninguém. Para completar, no dia matrícula minha avó morreu e minha mãe teve que viajar as pressas para a Bahia. Foi muito difícil, mas too esse trabalho foi recompensado”, conta.

Ela confessa, ainda, que nem pretendia fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por se julgar “incapaz”. “Estava em crise ansiedade, depressão”, recorda. Antes de optar por serviço social, pensou em tentar outras áreas, como biologia, perícia investigativa, psicologia e pediatria, mas constatou que não se encaixava em nenhuma delas. “Me inspirou as pessoas que sempre me ajudaram, que acreditaram no meu potencial”, diz.

Com o início das aulas previsto para outubro, Júlia não esconde sua apreensão e expectativa em ampliar seus conhecimentos. “Quero fazer novas amizades, ampliar redes de apoio e me aprofundar na área”, diz.
“A UnB é um mundo de oportunidades. Lá terei mais prazo para entregar meus trabalhos, por ser autista, mas não vou me acomodar. Meu sonho é ajudar a minha família, retornar ao Lar São José, onde sempre contei com apoio e ajuda de quem sempre acreditou no meu potencial. Desta vez, como funcionária, par ajudar e acolher, assim como eu fui”, diz.

 

Júlia, no Lar São José, auxiliando no preparo de lanche para os colegas
Júlia, no Lar São José, auxiliando no preparo de lanche para os colegas (foto: Arquivo pessoal)

“Quero inspirar jovens que estejam em centros de acolhimento, que, como eu, foram vítimas de preconceito e necessitam do devido apoio. Aprendi que não é onde a gente mora que vi fazer o que queremos ser.”

A coordenadora do Lar São José, Aline Ferreira, conta que Júlia sempre foi muito aplicada nos estudos. “Ela fez o Enem quando ainda estava conosco. Estava tão ansiosa que chegou a cogitar não participar, mas a motivamos. Foi um período de aprendizado mútuo. Ela nos desafiou a avançar, olhar para cada um da forma como é”, diz, frisando que crianças e adolescentes em situação de acolhimento são, geralmente, estigmatizadas, vistas como pessoas aquém de suas possibilidades. “Júlia ilustra bem que tudo é possível. Esses jovens precisam de referência”, completa.

Aline alerta, ainda, sobre a importância de projetos como apadrinhamento afetivo,prática solidária de apoio afetivo a crianças e adolescentes que vivem em instituições de acolhimento,cujo objetivo é estabelecer vínculos saudáveis, garantindo oportunidades de estudo e trabalho.

Para prosseguir nos estudos, Júlia criou uma vaquinha. “Sei que tenho muitos desafios pela frente. Um deles é ter o mínimo de recurso material para estudar, acessar as aulas. Preciso de um telefone celular, vestuário adequado, recursos para comprar livros, para alimentação, pois não tenho condições. Ficarei muito grata se puderem me ajudar doando qualquer valor. Qualquer ajuda é muito importante para que eu possa dar mais esse passo rumo ao meu futuro”, diz.

Para colaborar com a vaquinha solidária de Júlia é só usar a chave pix 3083323@vakinha.com.br.

  • Júlia depois da aprovação na UnB: conquista com muito sacrifício
    Júlia depois da aprovação na UnB: conquista com muito sacrifício Foto: Arquivo pessoal
  • Júlia depois da aprovação na UnB: conquista com muito sacrifício
    Júlia depois da aprovação na UnB: conquista com muito sacrifício Foto: Arquivo pessoal
  • Júlia na comemoração dos seus 18 anos, no Lar São José
    Júlia na comemoração dos seus 18 anos, no Lar São José Foto: Arquivo pessoal
  • Júlia, no Lar São José, auxiliando no preparo de lanche para os colegas
    Júlia, no Lar São José, auxiliando no preparo de lanche para os colegas Foto: Arquivo pessoal
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