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Escola de Brazlândia celebra a aprovação de 28 alunos na UnB

Centro de Ensino Médio 01 proporciona aos estudantes,sistema avaliativo, equipamentos tecnológicos e até estimula e orienta os estudantes a se inscreverem nos exames

Diogo Albuquerque*
postado em 09/02/2023 06:00 / atualizado em 09/02/2023 06:00
Os estudantes enfrentaram dificuldades, mas conseguiram entrar em uma das mais importantes instituições públicas de ensino superior do país -  (crédito: Lilian Maruno)
Os estudantes enfrentaram dificuldades, mas conseguiram entrar em uma das mais importantes instituições públicas de ensino superior do país - (crédito: Lilian Maruno)

Com 28 aprovados para ingresso no primeiro semestre de 2023 na Universidade de Brasília (UnB), o Centro de Ensino Médio 01 de Brazlândia é uma das escolas públicas que viu a preparação, ao longo do ano letivo de 2022, render bons frutos. A escola, uma das melhores da rede pública da região, é amparada por uma infraestrutura completa, que vai desde o sistema avaliativo até o equipamento tecnológico.

Para o diretor Vinícius Alexandre Mota Ribeiro, 41 anos, o segredo por trás do expressivo número de aprovação dos alunos é a construção do método avaliativo baseado nas provas de vestibular e de ingresso para a UnB. "A cada semestre os alunos respondem a um caderno de provas com questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), de vestibular e do Programa de Avaliação Seriada (PAS), que conta para a avaliação final de cada semestre. Eles preenchem um gabarito e, no fim, conseguem visualizar as questões que erraram", explica. Com o resultado do Enem ainda a ser divulgado, a expectativa é  que o número de aprovados aumente.

Supervisor por sete anos, até 2022, e atual professor de biologia, Thiago Nogueira da Mota, 38, também destaca o método avaliativo bimestral baseado nas provas de ingresso à UnB e na matriz do Enem. "As nossas provas de avaliação bimestral são praticamente idênticas às aplicadas em vestibular. Isso ajuda o aluno a se familiarizar com o modelo. Até a fonte usada é igual", afirma.

Vinícius Alexandre destaca que, ao longo do ano letivo, os alunos têm à disposição um acompanhamento voltado para o ingresso na UnB. Uma vez por semana há uma aula de redação, na qual são apresentados os principais formatos textuais cobrados pela banca dos exames, além de aulas com foco na revisão de obras do PAS. O diretor lembra que a escola chegou a aprovar mais de 70 estudantes em um ano para a UnB.

Ele afirma, ainda, que a desvantagem entre os alunos da rede pública de ensino e da rede particular foi superada. "Hoje, com as cotas destinadas à escola pública, a reserva de vagas é de 50%. Os próprios estudantes sabem disso. Então, na minha opinião, essa desvantagem é uma coisa do passado", argumenta.

Superação

O professor Thiago Mota reforça que o resultado das aprovações pode ser encarado como superação das dificuldades enfrentadas pelos alunos na pandemia, que se viram obrigados a estudar de forma remota por dois anos. "Certamente a aprovação para esses alunos tem um gostinho especial. Podemos dizer que eles estão prontos para a vida", diz.

Ele conta que o acompanhamento dispensado aos alunos começa desde a inscrição para os exames. "Disponibilizamos os computadores da escola e separamos um momento só pra isso. Auxiliamos com toda a parte da documentação para que eles consigam o acesso pelas cotas", afirma, lembrando que os próprios professores organizavam aulões com conteúdos de vestibular e PAS no auditório da escola, sempre no turno contrário e até mesmo nas aulas de sábado. Além disso, reforça que há, ainda, a preocupação com a atenção psicológica, de forma a motivar os alunos e mostrar que eles são capazes.

Flaviane de Oliveira, professora de redação e língua portuguesa
Flaviane de Oliveira, professora de redação e língua portuguesa (foto: Arquivo pessoal)

Professora de redação e língua portuguesa, Flaviane de Oliveira Santos de Sousa, 36, foi uma das que desenvolveu o projeto de redação na escola e organizou o aulão preparatório aos sábados e nos turnos contrários. O projeto oferece material impresso aos estudantes e resolução de questões das provas. Para ela, a sensação de ver os alunos aprovados é de dever cumprido. "Nosso reconhecimento, enquanto professor, é ver o cumprimento desse papel social. Fico muito emocionada porque também sou 'cria' da escola pública", diz.

Ela observa que muitos alunos são responsáveis pela renda da casa e que, por isso, há dificuldade em conciliar as responsabilidades com os estudos. "Essa conquista é fruto do comprometimento, esforço e desejo de vencer", analisa. A mensagem que a professora deixa aos alunos é jamais desistir dos sonhos. "A educação vale a pena e é por meio dela que somos capazes de mudar nossa vida e a nossa realidade", defende.

Desafio

Alanny Linsem Fernandes Paz, aprovado em pedagogia na UnB
Alanny Linsem Fernandes Paz, aprovado em pedagogia na UnB (foto: Arquivo pessoal)

Para a estudante Alanny Linsem Fernandes Paz, 17 anos, aprovada em psicologia na UnB pelo vestibular tradicional, a conquista da vaga foi um verdadeiro desafio. Ela conta que no dia em que fez a prova, estava doente, com dengue. Esse, no entanto, não foi o único obstáculo. Alanny reitera ter sentido que sua preparação foi prejudicada pelo ensino a distância, devido à pandemia. "Não consegui me adaptar. Perdemos muito conteúdo que não foi devidamente recuperado no retorno presencial", afirma.

Alanny recorda que no terceiro ano do ensino médio decidiu focar na preparação para a faculdade. Pela manhã, seguia para a escola e, na parte da tarde, resolvia questões de provas anteriores do vestibular e praticava redação. Mesmo sendo de família de baixa renda, seus pais — a mãe, educadora social em escola infantil pública e o pai autônomo — optaram que ela seguisse se preparando integralmente para o vestibular. A caloura afirma que se identifica com o curso e espera ansiosa pelo início das aulas na UnB.

Realização

Marcelo Marques, aprovado em ciência política na UnB
Marcelo Marques, aprovado em ciência política na UnB (foto: Arquivo pessoal )

Aprovado em ciência política na UnB pelo PAS, o estudante Marcelo Marques Santos da Silva, 18, é o primeiro de sua família, entre quatro irmãos, a ingressar em uma universidade pública. Para ele, a conquista é uma grande realização. "Soube do resultado no intervalo de uma partida de vôlei que eu disputava. Fiquei muito feliz, me senti realizado", conta.

O jovem afirma que no último ano do ensino médio intensificou os estudos, já que, durante a pandemia, sentiu que o conteúdo ficou fragilizado. "Estudava quatro horas por dia, além das aulas que tinha na escola pelo período da manhã. Me preparava, principalmente, com apoio de videoaulas na internet e resolvendo questões de provas anteriores do PAS", explica.

Filho de funcionários públicos com ensino médio completo, ele destaca que a mãe sempre o incentivou a entrar no ensino superior. "Na hora de escolher o curso fiquei entre direito e ciência política. Foi quando minha mãe disse para escolher o que eu mais tinha vontade", lembra. Para Marcelo, estudar na escola pública foi um desafio. "Somente no 3º ano que consegui criar uma rotina e ter foco. Mas precisei estudar praticamente o dobro para conseguir a vaga", observa.

De acordo com Marcelo, os professores foram fundamentais na aprovação. "Eles sempre nos enviavam conteúdos e apostilas. Então, dou muito mérito a eles", ressalta. Ansioso para o início das aulas, em março, ele conta que já entrou no grupo de calouros do WhatsApp e está animado para conhecer os colegas pessoalmente. Para o futuro, a meta é continuar estudando. "Quero fazer mestrado e doutorado em direito ou relações internacionais", diz.

Matheus Scarcela, aprovado em engenharia mecânica na UnB
Matheus Scarcela, aprovado em engenharia mecânica na UnB (foto: Arquivo pessoal)

Aprovado em engenharia mecânica também pelo PAS, Matheus Scarcela Farias, 17, escolheu o curso devido ao avanço da profissão no mercado de trabalho. "Matemática e física sempre foram minhas áreas preferidas. Além disso, também me identifico com a área de tecnologia. Como engenharia mecânica é uma profissão que segue crescendo, optei por esse curso", afirma.

O estudante conta que, como o CEM 01 de Brazlândia é focado no PAS, não sentiu muita dificuldade na hora de se preparar. "No período contrário das aulas estudava cerca de duas horas, principalmente pelas provas anteriores do programa", diz. Para ele, o longo intervalo de ensino a distância vivido na pandemia foi de perda e de redução de conteúdo, apesar de ter conseguido se adaptar. "Mesmo sem uma rotina muito fixa, comecei a estudar por conta própria nesse período", completa Matheus, que também se diz ansioso para o início das aulas.

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Janaína Almeida, pedagoga especialista em neuropsicopedagoga e historiadora. Professora da rede pública de ensino há 27 anos, assessora parlamentar, filiada ao PSB-DF
Janaína Almeida, pedagoga especialista em neuropsicopedagoga e historiadora. Professora da rede pública de ensino há 27 anos, assessora parlamentar, filiada ao PSB-DF (foto: Arquivo pessoal)

Nos últimos anos, registramos um quantitativo cada vez maior, de estudantes de regiões administrativas periféricas, como Planaltina, Brazlândia, Santa Maria, Recanto das Emas, Gama, tendo acesso à universidade. Além da descentralização da UNB, isso se deve a implementação de propostas e projetos pedagógicos que as escolas dessas localidades veem desenvolvendo, somado a isso, podemos destacar a formação e empenho dos professores. Outro ponto importante é o projeto de vida e a forma que essas escolas acolhem os estudantes e desenvolvem as suas metodologias, fazendo com que eles sejam ativos no processo educativo e incentivando-os cada vez mais, no desejo de adquirir conhecimentos e aprendizagens significativas.

Percebemos também, um fenômeno, que é o maior interesse dos estudantes em buscar os processos seletivos, quer seja o vestibular, o PAS. Isso se deve tanto por força de políticas públicas que trouxeram novas propostas para o ensino médio, como também a formação dos professores, para ter esse entendimento que o estudante precisa sim, se preparar para uma vida acadêmica. E quando o acesso à universidade chega para a periferia, é sinal de que estamos desconstruindo a pirâmide social, que sustenta e reproduz o esquema das classes dominantes e dominadas, sabemos e acreditamos que estamos no processo de rompimento dessa construção, o que é um sinal de que vamos, com o passar do tempo, inverter essa lógica.

Precisamos no entanto, não só garantir o acesso à universidade, como também a permanência desse estudante na universidade. É importante que eles não só ingressem, mas que consigam concluir seus cursos e que consigam atuar nas suas áreas de formação, dando retorno para a sociedade. Essa é uma das vitórias que queremos ter na educação todos os dias, especialmente para esses jovens de classes populares, que enfrentam e superam vários obstáculos e dificuldades para vencer.

Jana Almeida, professora, ativista social pela educação de qualidade para todos e educadora antirracista.

 

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

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