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HISTÓRIA

UNE: Congresso de Ibiúna é revisitado em livro

O jornalista Jason Tércio reconstrói os bastidores da 30ª reunião da União Nacional dos Estudantes, que desafiou a ditadura em 1968. O episódio é considerado a maior prisão em massa da história brasileira

O maior marco do movimento estudantil brasileiro, o Congresso de Ibiúna, completa 57 anos. De maneira clandestina, mais de mil alunos se reuniram em anos de repressão militar, com objetivo de discutir maneiras de resistência, luta pela redemocratização e novas lideranças do movimento. Na fazenda de Mucuru, no município de Ibiúna, em São Paulo, ocorreu o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Na madrugada de 12 de outubro, o local foi cercado e a maioria dos participantes foi presa.

 

Divulgação/ Editora Matrix - Capa do livro Sitiados: a saga do Congresso de Ibiúna em 1968

Resgatando essa história,o jornalista, escritor e biógrafo Jason Tércio lança Sitiados: a saga do Congresso de Ibiúna em 1968, pela Matrix Editora. Com base em documentos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), extinto órgão da Ditadura Militar Brasileira, notório pelos processos de repressão de opositores do regime, depoimento de estudantes e registros da época, o autor reconstitui o episódio e mostra os bastidores do evento. A narrativa mistura jornalismo investigativo, crônica histórica e suspense.

O Correio conversou com Jason Tércio sobre os desdobramentos do Congresso de Ibiúna, o processo de escrita do livro e as mudanças e perspectivas do futuro, além da relação do episódio com o  julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus do núcleo crucial da tentativa de golpe de Estado.

Qual o peso do Congresso de Ibiúna na história do movimento estudantil brasileiro e da Ditadura brasileira?

Jason Tércio: Foi o maior acontecimento político de 68, protagonizado pela juventude. Interferiu nos acontecimentos que viriam a seguir, como o sequestro do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, exigindo a libertação de líderes de movimento estudantil presos. 

Também é uma grande lição para as gerações futuras. O livro, de certa forma, tem cunho pedagógico. É preciso realmente entender o que aconteceu nos anos ditatoriais, para que não sejam cometidos erros do passado. É interessante ver que, pela primeira vez na história brasileira, estão sendo julgados golpistas. No caso da Ditadura Militar, não houve punição. Pela primeira vez, o Brasil aprendeu alguma coisa.

Como surgiu o interesse para contar essa história com mais detalhes?

Jason Tércio: A Ditadura Militar brasileira tem muitas histórias que ainda não foram contadas. Foi um período muito longo, 21 anos que já deram milhares de livros e filmes e ainda rende alguma coisa. Mas contar a história do Congresso de Ibiúna foi por curiosidade pessoal. O maior símbolo da resistência à ditadura, em que mais de 800 estudantes estavam no local e foram detidos, e não havia um livro que contasse, com detalhes, essa história. 

Como foi o processo de pesquisa e apuração das fontes, incluindo os estudantes, documentos do acervo público e documentos do Dops?

Jason Tércio: Para ter contato com o maior número de participantes do Congresso foi um trabalho intenso. Mesmo tendo acontecido em 1968, a maioria ainda está viva e reside em vários estados do Brasil, já que a UNE tem alcance nacional. Além de um grande volume de depoimentos e pesquisas de arquivos da ditadura, disponíveis em arquivos públicos, que focavam nos principais líderes estudantis do país. Luís Travassos, Vladimir Palmeira e José Dirceu estavam presentes em vários deles, já que os movimentos estudantis eram os únicos movimentos de massa que ainda permaneciam ativos em 1968. A imprensa também foi muito importante. Consultas ao Jornal do Brasil, ao Estado de São Paulo e ao Correio também foram frequentes. 

Divulgação/Editora Matrix - Luís Travassos, Vladimir Palmeira e José Dirceu no julgamento sobre a participação no Congresso da UNE, de 1968.

Durante a  investigação, foram encontradas informações inéditas sobre o Congresso?

Jason Tércio: É um episódio pouco comentado, então posso afirmar que cerca de 80% do livro é inédito. Como se organizaram, o processo de logística das operações e o cotidiano da luta estudantil. É importante retratar como se vivia o cotidiano na ditadura, como eram as táticas de resistência e as formas de ativismo contra a repressão constante. 

Em relação ao que é descrito no livro, como foi a repressão aos estudantes presentes em Ibiúna?

Jason Tércio: É importante ressaltar que a repressão começou logo depois do golpe. Um dia depois do decreto militar depredaram e incendiaram o prédio da UNE, localizado na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro. O apogeu do confronto entre militares e estudantes aconteceu em 1968. Mas, sobre o Congresso, eles sabiam que a polícia viria. De madrugada, alguns dos líderes presentes receberam o aviso, mas não estavam confiantes na fonte e confiavam na localização da fazenda, de difícil acesso até para eles. Quando os policiais chegaram, não houve resistência, nem tortura por parte parte das autoridades. As organizações de luta armada ainda não estavam presentes na época. Houve a pressão psicológica e as condições precárias do presídio Tiradentes, já que quase 800 estudantes foram enviados do dia para a noite. 

A UNE, no site oficial, diz que mais de mil estudantes foram detidos. Quantos foram, de fato, presos com base na sua apuração? 

Jason Tércio: Realmente é um dado muito difícil, já que os documentos variam bastante. De acordo com relatório do DOCS, foram quase 800 presentes no congresso. Detidos, cerca de 750, já que muitos fugiram. 

Divulgação/ Editora Matrix - Estudantes pedindo por ajuda nas grades de uma das celas do Presídio Tiradentes, onde foram alojados pós detenção.

Podem ser traçados paralelos entre a juventude de 1968 e a atual?

Jason Tércio: Os estudantes tiveram papel político importante na ditadura. Naquela época, pela necessidade, tínhamos uma juventude mais politizada e unida por um inimigo em comum. Hoje em dia os movimentos políticos são mais independentes. A sociedade age quando é pressionada. O governo de Fernando Collor, por exemplo, com o grande escândalo de corrupção, teve uma movimentação social gigantesca. Mas movimentos a favor da democracia devem sempre ser incentivados e celebrados. O ex-presidente Bolsonaro  fazia apologia à ditadura, e cresceu na política pedindo intervenção militar. Falas como essa não deveriam ser cogitadas, tendo em vista os 21 anos de repressão violenta e cerceamento da liberdade que vivemos. 

Ficha Técnica

  • TítuloSitiados: a saga do Congresso de Ibiúna em 1968
  • Autor: Jason Tércio
  • Preço: R$ 60,46; Ebook: R$ 55
  • Número de páginas: 296
  • Editora: Matrix

*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá.