Curso desatualizado

Justiça condena faculdade por oferecer pós-graduação desatualizada

A decisão da 2ª Vara Cível de Brasília sustenta que houve dano moral e falha na prestação de serviço. Indenização a ser paga tem valor fixo de R$ 10 mil

Gabriella Castro*
postado em 02/03/2021 14:52 / atualizado em 02/03/2021 16:04
 (crédito: Rawpixel)
(crédito: Rawpixel)

Decisão da 2ª Vara Cível de Brasília determinou que a Faculdade Anhanguera pague indenização à ex-aluna e advogada Jordhana de Paula Franzoni, 35 anos, por ter ofertado curso de pós-graduação em direito penal desatualizado. A instituição deve pagar indenização de R$ 10 mil, acrescida de correção monetária e juros de mora com taxa de 1% ao mês.

“Era para eu estar com uma pós concluída, era para eu estar me sentindo segura nessa área de conhecimento e eu não estou. Então, olha o tempo que eu perdi”, declara a advogada e sócia do escritório Miranda & Franzoni. Jordhana iniciou a pós em direito penal em outubro de 2019 e concluiu em julho de 2020. 

Os conteúdos desatualizados eram referentes ao Pacote Anticrime, Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e Lei de Drogas.

Após o início da vigência do Pacote Anticrime, em janeiro de 2020, a então estudante encontrou as desatualizações no currículo do curso. “Eu passei a assistir aos blocos que eu sabia que não tinha alteração por causa do pacote”, explica. “Foi aí que eu vi que estava tudo desatualizado”, conta.

Segundo a advogada, as aulas faziam menção ao artigo 302 parágrafo segundo do CTB como se estivesse vigente, mas o trecho foi revogado em 2016 pela Lei nº 13.281. No ECA, o artigo 101 inciso 4º, apesar de ter sido alterado em 2016 pela Lei nº 13.281, constava como vigente.

Jordhana Franzoni conta que não se sente segura na área de conhecimento após concluir a pós desatualizada
Jordhana Franzoni conta que não se sente segura na área de conhecimento após concluir a pós desatualizada (foto: Arquivo pessoal)

A decisão da Justiça do DF foi dada em 4 de fevereiro e sustenta que houve falha na prestação de serviço e publicidade enganosa. Também alega dano moral com base na teoria do desvio produtivo do consumidor, que diz respeito a uma situação em que o cliente é obrigado a perder tempo resolvendo um problema que nem deveria existir.

Jordhana explica que relutou em abrir o processo e só tomou a decisão após tentativas de diálogo com a instituição de ensino. “Eu me manifestei em 25 de janeiro de 2020 e a última mensagem que eu mandei foi em 31 de julho de 2020”, conta a advogada.

Apesar de recorrer à Justiça, Jordhana defende que a melhor forma de resolver tudo é sempre com o diálogo. Portanto, aconselha aos estudantes a dialogarem com a instituição, de preferência em formato de texto. “Por mensagem escrita, eu estava respaldada com inúmeras provas”, pontua.

Em janeiro deste ano, Jordhana ingressou em outro curso, desta vez em direito empresarial em outra instituição.

Confira o posicionamento da faculdade citada no processo:

Em nota, a Anhanguera afirmou que preza pelo compromisso com a excelência e a atualização dos cursos. Também relatou que ofereceu o conteúdo relativo ao Pacote Anticrime para a estudante. Jordhana contou que essa oferta ocorreu na última quarta-feira (24/2), mas que ela não estava interessada por ter ingressado em outra pós. Leia o pronunciamento da faculdade na íntegra:


"A Anhanguera informa que as aulas de algumas disciplinas da pós-graduação em direito em questão foram regravadas na seguinte proporção: Culpabilidade, concurso de agentes e punibilidade: aula 4; Tutela penal dos bens jurídicos: todas as aulas; Tutela penal dos bens jurídicos supraindividuais: todas as aulas; Criminalidade econômica e organizada: todas as aulas; Competência, instrução e incidentes processuais: aulas 1, 2 e 3; Medidas Cautelares e Procedimentos Criminais: todas as aulas; Teoria geral do delito e principiologia constitucional: aulas regravadas em 2018 e 2019; Legislação penal e processual penal especial: aulas regravadas em 2018 e 2019; Processo penal constitucional: aulas regravadas em 2018 e 2019; Ferramentas impugnativas e decisão judicial: aulas regravadas em 2018 e 2019.

Com relação ao conteúdo da Lei n.º 13.964/2019, que entrou em vigor em janeiro de 2020, as aulas e materiais passaram a ser atualizados no mês de fevereiro de 2020. A Anhanguera ressalta ainda que a gravação dos materiais tem o prazo de dois meses para serem produzidos, no entanto, tal período coincidiu com a finalização do curso da estudante. Por esta razão, a discente não teve acesso às novas aulas. No entanto, ainda que concluída a pós-graduação, foi oferecida à estudante a oportunidade de ter acesso às aulas com o conteúdo atualizado. A instituição reforça que os materiais citados estão atualizados.

A Anhanguera reitera que não mede esforços para manter a excelência e atualidade de seus conteúdos educacionais, pautados por um corpo docente qualificado e especializado, priorizando o Ensino de Qualidade."


Quais são os impactos da decisão para o ensino?

 
Para Alfredo Freitas, diretor de educação e tecnologia da Ambra University, essa decisão da Justiça impacta na maneira como outras faculdades devem cuidar da qualidade dos cursos ofertados. “À instituição, fica o recado de avaliar bem, em cada oferta de cada disciplina, o conteúdo”, diz.

Sobre a necessidade de atualizar os conteúdos, Alfredo defende que alguns cursos necessitam de atualização com mais frequência. “No caso de direito, realmente fica mais frequente ainda porque eu posso estar no meio de uma disciplina e o conteúdo ser atualizado, por exemplo”, explica o profissional.

Segundo ele, a iniciativa particular tem crescido em qualidade e quantidade na oferta de cursos de pós-graduação, mas enfrenta tentações que podem comprometer os cursos. Um desses fatores é a redução de custos, que pode diminuir a carga horária do professor e afetar no acompanhamento do aluno.

Alfreto Freitas elenca perguntas para se fazer na hora de escolher a faculdade ideal
Alfreto Freitas elenca perguntas para se fazer na hora de escolher a faculdade ideal (foto: Arquivo pessoal)

Na hora de escolher a instituição de ensino, Alfredo aconselha os estudantes a fazerem quatro perguntas. São elas:

  1. Quem são os professores?
  2. Esses professores me conhecerão pelo meu nome (dar feedback e orientação individual)?
  3. Eu terei a oportunidade de tirar dúvidas ao vivo com esses professores constantemente ao longo do curso?
  4. Como é o processo de ensino-aprendizagem?


*Estagiária sob supervisão da editora Ana Sá

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