A pandemia em si e o risco direto à vida, o isolamento social, uma série de mudanças ao que conhecíamos por normalidade… Isso por si só seria suficiente para desencadear piora em questões como ansiedade e depressão. Várias outras transformações se impuseram no mercado de trabalho e atingiram os mais diversos grupos de distintas formas. Há os que tiveram de ir para o home office emergencial forçado sem nunca terem trabalhado assim. Outros precisam continuar saindo de casa para trabalhar e, por isso, sentem o peso de se arriscar diariamente.
Os profissionais de saúde na linha de frente da luta contra o novo coronavírus, ainda mais que os outros, estão sob a pressão de estarem expostos ao contágio. Muitas pessoas se viram com jornadas reduzidas ou perderam o emprego. Lidar com todas essas questões com as crianças em casa não é pouco. Não é de se estranhar se a saúde mental chegar ao limite, como demonstram os dados da 12ª edição do Índice de Confiança da Robert Half (ICRH). A pesquisa revela que 37% dos profissionais notaram piora na saúde mental e no bem-estar durante o período da quarentena. Outros 33% não perceberam diferença e os demais (11%) sentiram melhora.
Quem passou para o home office pode sentir alguns benefícios, como ganho de tempo por não ter de se deslocar até o local de trabalho e maior proximidade com a família. Pesquisas como a feita pelo ADP Research Institute comprovaram que, em geral, a carga de serviço aumentou. Então, a economia de tempo do formato remoto nem sempre se reverte em mais lazer. Há, ainda, uma grande parcela de trabalhadores que não tiveram como optar pelo home office e precisam enfrentar o perigo cara a cara, como profissionais de saúde, ambulantes, varejistas, entre outros.
Motivos de estresse
Juliana Gebrim, psicóloga formada pela Universidade de Brasília (UnB), avalia que a situação de todos os trabalhadores, tanto a dos que atuam a distância, quanto a dos que precisam se deslocar até o empregador, está delicada. “Vejo muito estresse em ambos os casos”, diz. “As pessoas que estão fazendo home office não têm divisão entre a vida familiar e o trabalho e estão se queixando do excesso nas demandas. Em contrapartida, quem está indo para o trabalho tem aquele receio maior de contrair a doença”, aponta a neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf).
O momento é de incerteza para todos, com grandes preocupações quanto ao presente e ao futuro. No entanto, ainda há como se reestabelecer e aliviar as tensões que tanto atormentam. Para lidar com os desafios emocionais, Juliana Gebrim, especialista em psicologia clínica e no método Rorschach pela UnB, recomenda a aderência a uma vida saudável, a imposição de limites quanto à jornada de trabalho e a busca por profissionais de saúde mental, incluindo psicólogos e psiquiatras.
* Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
Adaptação dos estudos
Para além dos trabalhadores, estudantes de todos os níveis precisaram se adaptar a um novo ritmo em função da pandemia. Acostumada com aulas presenciais, a estudante de fisioterapia Beatriz Justino, 20 anos, compartilha que foi desafiador se acostumar com as aulas remotas. “No começo foi bem difícil me adaptar e focar os estudos. Demorei bastante para me encaixar nessa nova rotina”, diz.
“Por mais difícil que tenha sido, consegui concluir o primeiro semestre remotamente, mas confesso que foi bem desanimador em alguns momentos”, avalia. A estudante conta que precisou lutar com seu lado psicológico e se manter firme. “No começo, eu estava, de certa forma, tranquila, mas, diante das notícias e por causa do isolamento, acabei tendo algumas crises de ansiedade”, relata.
A jovem comenta que, para driblar os momentos difíceis, busca passatempos. “Na quarentena, as crises aumentaram, por isso, busquei alternativas para me distrair, como cantar, fazer alongamentos, ler, ver vídeos engraçados, cozinhar, cuidar do cabelo e das unhas, escrever o que estava me deixando nervosa no momento... Assim, consegui diminuir um pouco a intensidade do que estava me deixando ansiosa”, relata.
Aos estudantes que, como Beatriz, precisaram se adequar melhor a esta nova realidade de ensino remoto, a psicóloga Simone Lavorato aconselha manter o pensamento focado na importância da vida e da saúde neste momento de calamidade. “A incerteza de não saber qual o momento em que a realidade anterior voltará gera a ansiedade. Para combater isso, é preciso internalizar que você está priorizando a sua vida, apesar de tudo”, destaca.
Mãos prontas para ajudar
Clínicas-escolas de faculdades do DF
Alunos de psicologia, sob supervisão de professores, prestam um rico serviço à comunidade com sessões gratuitas ou a preços acessíveis. Durante a pandemia, muitos trabalhos ocorrem on-line
UnB
Por causa da pandemia, o Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos da Universidade de Brasília (Caep/UnB) está com os atendimentos psicológicos e as inscrições suspensas por tempo indeterminado. No entanto, pessoas que estavam em acompanhamento com psicólogos técnicos ou voluntários continuam com seus atendimentos em formato on-line. Psicólogos e voluntários do Caep promovem também O Grupo Entrelinhas, um serviço de suporte emocional.
É uma escuta pontual, qualificada e acolhedora para ajudar as pessoas. Qualquer pessoa maior de 18 anos pode tentar o atendimento. Para participar, no horário indicado na lista abaixo, mande um WhatsApp para o profissional que estiver disponível:
» Segunda-feira: das 9h às 11h, Ribercarla (99843-6455)
» Terça-feira: das 9h às 11h – Leonardo (98460-4686)
» Quarta-feira: das 9h às 11h, Ribercarla (99843-6455) e Leonardo (98460-4686); das 17h às 18h, Eloise (98412-1060)
» Quinta-feira: das 9h às 11h, Leonardo (98460-4686); das 13h às 14h, Eloise (98412-1060)
» Sexta-feira: das 8h às 12h, Mizael (99591-7284); das 9h às 11h, Ribercarla (99843-6455) e Leonardo (98460-4686)
A Diretoria de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária (Dasu/UnB) atende à comunidade interna e externa da universidade, com serviços específicos com informações no site dasu.unb.br/comunidade-universitaria-geral. Para a comunidade externa, o Dasu oferece Escuta Virtual, um espaço de partilha de experiências de vida, problemas, dificuldades, superações e potencialidades. Os encontros, on-line, ocorrem nas terças-feiras, às 16h; nas quartas-feiras, às 19h; e, nas sextas-feiras, às 15h. Para participar, basta preencher formulário on-line no link: bit.ly/formularioescuta ou mandar um e-mail para promo.prev2020@gmail.com.
UDF
O Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) oferece plantão psicológico on-line para a comunidade interna e externa. As inscrições estão abertas pelo link: bit.ly/fomularioudf. As sessões poderão ser agendadas de segunda a sexta, das 8h às 21h.
Iesb
O Serviço de Psicologia João Claudio Todorov do Centro Universitário Iesb oferece atendimento psicológico social aos funcionários e alunos da instituição e também à comunidade interessada. São diversas modalidades de atendimento com inscrições abertas no link www.iesb.br/ServicoDePsicologia. Por causa da pandemia, os atendimentos ocorrem de forma remota.
A unidade Sul oferece também plantão psicológico, aberto para pessoas a partir dos 15 anos que precisem de atendimento urgente. Os atendimentos ocorrem de forma on-line, por videochamada de WhatsApp. Para agendamentos, é preciso ligar para o número 99264-4227. Os horários de atendimento são:
» Segunda-feira: das 15h às 17h
» Terça-feira: das 8h às 10h; das 12h às 16h e das 18h30 às 20h
» Quarta-feira: das 8h às 10h e das 18h30 às 20h30
» Quinta-feira: das 8h às 10h e das 18h30 às 19h30
» Sexta-feira: das 8h às 10h; das 13h às 15h e das 18h às 20h
Estácio
O Centro Universitário Estácio de Brasília promove a Escola de Pais, projeto de extensão desenvolvido pela professora Helen Lima, o qual visa oferecer à comunidade oficinas de orientação e acolhimento acerca de temáticas voltadas à dinâmica familiar e relações entre pais e filhos. Durante a pandemia, as oficinas ocorrem por meio de lives nas plataformas digitais e redes sociais. Os encontros são sempre divulgados pelo Instagram da professora: @helenpsiescolar ou pela página do Facebook: Helen Psi Escolar.
UCB
O Centro de Formação em Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Brasília (Cefpa/UCB) está com inscrições abertas para atendimentos presenciais e remotos em grupo. As modalidades de atendimentos com vagas disponíveis são: grupo para gestantes e puérperas (pós-parto); grupo orientação profissional e grupo reflexivo para profissionais da educação. As inscrições podem ser feitas no site: cefpaucb.wixsite.com/psicologia/inscrições.
Há, ainda, plantões de atendimento por ordem de chegada, às terças e quintas, das 8h30 às 11h30. É preciso ter, pelo menos, 13 anos, e menores de idade precisam estar acompanhados dos pais. O endereço é: campus I da UCB, QS 7, Lote 1, Pistão Sul, Taguatinga. A secretaria do Cefpa fica no Bloco M, sala 008. Telefone: 3356-9328 ou 99267-0473.
UniCeub
O atendimento psicológico fornecido pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), por agora, está com inscrições suspensas devido à alta demanda e procura. É preciso entrar na fila de espera para conseguir agendar pelo telefone 3966-1626. A instituição oferece atendimento individual, em grupo, familiar, para casal e avaliação psicológica. Os atendimentos clínicos são feitos no Setor Comercial Sul, Quadra 1.
Uniceplac
O Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac) oferece escuta qualificada remota. Além disso, atendimentos clínicos presenciais devem passar a ser oferecidos ainda este mês. Interessados podem ligar para o telefone 3035-3957 a partir de 28 de setembro para se inscrever.
Anhanguera
As Faculdades Anhanguera de Brasília (Asa Norte) e de Valparaíso de Goiás promoveram a Jornada de Prevenção ao Suicídio e Valorização da Vida nas últimas quinta e sexta (10 e 11/9). O encontro on-line ficou gravado e estará disponível no YouTube a partir desta segunda-feira (14/9) no link bit.ly/jornadapreventiva. As conversas debateram a prevenção do suicídio da infância até terceira idade.
Professores abalados
Educadores também enfrentam muitos desafios na pandemia e tiveram o estado mental abalado, como revela pesquisa da Nova Escola. Entre professores, diretores escolares e coordenadores pedagógicos, 72% classificam a saúde emocional como regular (41%), ruim (21%) ou péssima (10%). Além disso, 68% identificam uma piora recente devido à pandemia. Em questão aberta sobre a razão da percepção de piora, muitos mencionam medo, ansiedade e excesso de trabalho.
Ansiedade (67%), estresse (33%) e depressão (20%) são os incômodos mais relatados entre os trabalhadores da educação. Sete em cada 10 afirmam não contar com ajuda profissional para cuidar de sua saúde emocional. O levantamento foi respondido por 1.877 educadores entre 3 e 6 de agosto. Apenas 23% disseram que não sofrem com nenhuma das condições listadas pela pesquisa.
Em relação ao tempo, 42% dos profissionais ouvidos pela pesquisa sofrem com esses problemas há menos de um ano e consideram que tudo foi agravado com a pandemia. Vale mencionar que 16% dos participantes sofrem há mais de 10 anos.
Apoio a educadores
A Nova Escola, em parceria com a Fundação Tide Setubal e o apoio da Fundação Lemann, lançou o Movimento Saúde Emocional de A a Z. É uma caixa de conteúdos digitais com sugestões práticas sobre o tema. Acesse: novaescola.org.br/saude-emocional.
Capacitação
A Fundación Mapfre, em parceria com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, vai viabilizar a formação de cerca de 150 mil professores em saúde emocional e mental. O objetivo do projeto é capacitar os profissionais a identificar situações que possam afetar o bem-estar do aluno e o clima no ambiente escolar, colaborando para que a escola seja cada vez mais um espaço acolhedor.
Precisa de ajuda?
Números úteis
Em caso de risco de vida, acione:
» Samu (serviço de Atendimento Móvel de Urgência): 192
» Corpo de Bombeiros: 193
Para conversar, disque 188 para falar com o Centro de Valorização da Vida (CVV)
» Há voluntários e pessoas engajadas disponíveis para escutar um desabafo, auxiliar a pensar mais claramente e oferecer orientação. O número 188 está disponível 24 horas por dia todos os dias. Também é possível conversar por e-mail ou chat. Saiba mais ou entre em contato digitalmente pelo site: www.cvv.org.br
Sanidade na pandemia
Recomendações para manter a saúde mental
Higiene do sono
A psicóloga Simone Lavorato afirma que regular o sono é um dos passos cruciais para acalmar a ansiedade. “Se a pessoa não se preparar antes de dormir, não terá uma boa noite de sono. Sem isso, o organismo não consegue se organizar para enfrentar o dia seguinte”, explica. Um período antes de dormir, ela aconselha que os aparelhos eletrônicos sejam desligados.
Sem energéticos
Simone Lavorato recomenda que bebidas com ativos energéticos, como o café, sejam retiradas do cardápio, pois são capazes de contribuir com distúrbios do sono e, consequentemente, piorar casos de ansiedade.
Atividade física
“Mesmo dentro de casa, é importante fazer exercícios físicos. Isso vai liberar uma série de hormônios que precisamos para o bom funcionamento o corpo e da mente”, ressalta Simone Lavorato.
Acompanhamento profissional
A psicóloga Juliana Gebrim destaca a importância da busca por um profissional adequado em momentos de dificuldades. “Sempre procure profissionais da área de saúde, psicólogos ou psiquiatras. Nunca procure profissionais que não têm a formação adequada para tratar quadros delicados”, alerta. “Assim que você perceber que tem um pensamento disfuncional, é o momento de buscar ajuda. Quanto antes você procurar, maiores serão as chances de evitar consequências trágicas”, pontua Simone Lavorato.
Avalie seu ambiente
Juliana Gebrim observa que, para driblar quadros de ansiedade e depressão, é preciso reavaliar o ambiente onde se vive, rever prioridades e observar quais são as pessoas que trazem impacto negativo. “Recursos dispersores, como as redes sociais, o excesso de informações na pandemia a respeito de mortes, a positividade tóxica e a comparação com terceiros ajudam a piorar quadros de ansiedade”, explica a psicóloga.
Limite de horas
Para muitos que estão trabalhando, a carga horária e as demandas excedem o combinado. Exceder limites não é saudável e, para que a saúde mental permaneça estável, Juliana Gebrim recomenda que os trabalhadores procurem barrar excessos.
Veja o que você pode fazer
Simone Lavorato recomenda que é essencial priorizar o olhar para o que pode ser feito e não para o que deixou de ser feito. “O que a gente teve que deixar de fazer é uma questão que foge do controle. Mas o que podemos fazer está no nosso controle... Vou olhar as coisas ruins ou as coisas boas? Vou olhar o que perdi ou o que posso ganhar? Desenvolver esse pensamento de resiliência é fundamental”, ensina.
Em meio a adversidades
Segundo o questionário da The Bakery, 83% dos respondentes estão ativos no mercado de trabalho. O levantamento mostrou que as principais preocupações atuais dizem respeito à saúde. O medo de perder o emprego foi demonstrado por 22% das pessoas. Um temor comum num país que tinha muitos desempregados mesmo antes da pandemia. Atualmente, o número de desocupados está em cerca de 13 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para quem perdeu a vaga durante a pandemia, o estresse pode ser ainda maior. Yasmin Ramos, 23 anos, trabalhava há 10 meses como educadora social em um abrigo para crianças e adolescentes e foi demitida no fim de julho por redução de gastos. “Eu fiquei muito chateada quando fui demitida porque, apesar de tudo, eu amo as crianças da casa onde eu trabalhava e amava trabalhar lá”, compartilha. Enquanto ainda trabalhava, a ocasião em que uma adolescente contraiu o novo coronavírus foi uma das mais desafiadoras.
Apesar de lamentar o desemprego, a jovem comemora o fato de poder estar isolada. “Estou tranquila por poder estar em casa, mas muito triste por deixar um emprego e pessoas que amo”, afirma. Yasmin encontrou uma possibilidade para repor a renda perdida no artesanato: ela tem feito bordados e pretende continuar com isso até o fim da pandemia. O isolamento social também prejudicou muitos empresários que tiveram que fechar as portas e interromper os serviços por algum tempo.
Gabriella Rodrigues, 21 anos, é uma das donas do salão de beleza Garden Studio, inaugurado no fim de fevereiro no Jardim Botânico, e precisou interromper as atividades com o primeiro decreto de fechamento, em março. Fechar após apenas duas semanas de funcionamento trouxe prejuízos para a visibilidade do novo estabelecimento. “Poderíamos ter crescido bem mais se o salão tivesse continuado aberto por mais um tempo, mas entendo a preocupação com a saúde”, avalia.
Com o decreto que permite a abertura dos salões de beleza, o Garden Studio conseguiu retomar as atividades. Gabriella explica que tem sido bastante complicado lidar emocionalmente com o cenário, ainda mais para quem trabalha diariamente com muitos tipos de pessoas. “É difícil você voltar para casa e pensar que tem muitas pessoas que não acreditam no que estamos passando”, diz. Yasmin e Gabriella têm noção da importância da preservação da saúde, o que ajuda a compreender os desafios, como destacam as psicólogas Simone Lavorato e Juliana Gebrim.
“Quando é possível entender que o bem maior é a vida, outras questões acabam ficando menores”, diz Simone. “A melhor maneira de manter a saúde mental nesses casos é pensar: estou passando por este momento difícil, mas é porque estou priorizando a minha vida.” Juliana recomenda ver a fase como chance de busca de novas experiências. “Pode ser o momento de renovar a vida e procurar novas opções para uma preparação para as próximas décadas”, sugere.
Os desafios da rotina remota
De acordo com estudo da empresa de inovação corporativa The Bakery, para 45% dos entrevistados, a quarentena mudou de maneira expressiva a rotina que levavam. No total, 67% dos respondentes passaram a trabalhar em home office e 35% dizem estar trabalhando mais do que antes. Com relação a desafios pessoais durante o isolamento social, foi apontada com mais ênfase a dificuldade de criar e manter uma rotina que contemple equilíbrio da saúde mental e exercícios físicos. De cada 10 pessoas, sete estão se exercitado menos do que antes da chegada do novo coronavírus.
A designer Isabela Mota, 26 anos, diz que o home office tornou mais complicado separar as demandas do trabalho das demandas pessoais, mas tem se habituado ao novo ritmo. “Depois de cinco meses trabalhando assim, estou um pouco mais acostumada e organizada, mas, ainda assim, as coisas se confundem um pouco, às vezes”, relata. “A rotina do trabalho tem me sobrecarregado mais. Acho que estou um pouco mais cansada por diversos fatores e, às vezes, o trabalho pesa mais do que deveria. Ser produtivo no meio de toda essa situação tem demandado muita energia”, explica.
Para se manter emocionalmente estável, Isabela conta com apoio psicológico. “Faço terapia semanalmente e isso tem me ajudado muito, mas essa rotina conturbada que estamos vivendo, a pressão por ser produtiva todos os dias, as notícias ruins… Tudo isso tem me deixado bem ansiosa. Então, às vezes, é difícil lidar.” Embora se sinta sobrecarregada e, por vezes, pressionada, Isabela reflete que a agência de comunicação onde trabalha tem apoiado os colaboradores. “O diálogo é bem aberto e estamos tentando acertar os limites de cada um aos poucos”, afirma.
Pressões
Para muita gente, esta é a primeira experiência com o home office, que apresentou desafios como conciliar o trabalho com a vida pessoal e delinear o tempo necessário para exercer cada atividade. Segundo um levantamento feito pela multinacional de soluções em RH Randstad, o novo normal do trabalho remoto pode deixar a rotina mais intensa e dificultar a divisão entre o que é expediente e o que é tempo livre.
Entre os entrevistados, 68% dos brasileiros alegam que respondem imediatamente a ligações, e-mails e mensagens mesmo fora do horário de trabalho. Já 62% respondem em um momento conveniente. Segundo os dados, 59% dos funcionários acreditam que a empresa espera que estejam disponíveis fora do horário normal de trabalho e 51% dizem que a companhia aguarda que estejam acessíveis durante feriados e folgas.
O levantamento revela um traço workaholic dos trabalhadores: 42% dos profissionais preferem lidar com assuntos relacionados ao trabalho durante o período de férias porque gostam de permanecer envolvidos e atualizados sobre as demandas. Além disso, 32% respondem a chamadas, e-mails e mensagens de texto relacionadas ao trabalho por se sentirem pressionados.
Erga barreiras
Fabio Battaglia, CEO da Randstad, recomenda que atender a solicitações do trabalho deve se limitar a casos urgentes para que não vire um hábito. “É correto que o trabalho seja feito no horário comercial, mas é inevitável que algumas demandas apareçam fora de hora, principalmente aquelas mais urgentes. Mesmo assim, é necessário que haja um equilíbrio, para que os colaboradores possam descansar e resolver questões pessoais nos períodos de folga”, comenta.
Mesmo em home office, ele recomenda que as pessoas sigam uma rotina, com almoço, horário de descompressão, pausa para o café ou qualquer outro hábito estipulado por cada empresa. A neuropsicóloga Simone Lavorato observa que muitos gestores podem se esquecer dos limites dos funcionários e que estes podem não estar conseguindo distinguir obrigações pessoais e profissionais.
“As pessoas têm dificuldade de estabelecer uma rotina em casa e acabam misturando isso tudo, acarretando, muitas vezes, uma situação de trabalho excessivo”, explica. A carga extrapolada e toda a situação pode acarretar burnout (esgotamento físico e mental intenso). Para fugir desse quadro, ela recomenda que o profissional estabeleça melhor os horários de trabalho, determinando uma rotina bem delimitada, além de ter uma agenda para organizar os afazeres.
Figurinhas definem limites
Atuar em home office provoca aprendizados diários e muitas mudanças na cultura das organizações estão apenas começando. A agência Talent Marcel resolveu ouvir os colaboradores sobre as dificuldades do trabalho remoto e, a partir disso, desenvolveu figurinhas para funcionários, clientes e parceiros que dão um lembrete amigável sobre respeitar o tempo das pessoas. O pacote de stickers “Só pra avisar…” tem recados bem-humorados que ajudam a impor limites sobre demandas fora do período de trabalho.
A ideia é conscientizar e criar uma nova cultura da agência com o trabalho a distância, priorizando a saúde mental dos colaboradores. “Ferramentas on-line, como WhatsApp e Microsoft Teams, são as nossas principais plataformas de comunicação. Estamos com todas as telas sempre à mão, seja no almoço, seja no pós-expediente”, analisa João Livi, CEO da Talent Marcel.
“É muito importante que a gente respeite a vida e a privacidade das pessoas, com empatia e bom senso. Essa é uma das ações que a equipe de comunicação interna está criando para tornar o trabalho remoto viável e respeitoso”, comenta. Os lembretes são: “É urgente? Muito urgente? Urgente mesmo?”, “Ué, não é fds?”, “Tô em reunião, já já falo contigo”, “Não posso falar de boca cheia” e “Hoje, só amanhã”. Baixe as figurinhas para usar no WhatsApp ou em outros programas no link: sticker.ly/s/S547OC.
Na linha de frente
A rotina de todos mudou com a pandemia, e os profissionais de saúde são alguns dos mais expostos ao risco de contágio pela doença. O aumento da quantidade de serviço e o contato com pessoas contaminadas podem acabar desestabilizando parte desses trabalhadores. Não é uma missão fácil, exige bastante controle emocional e, acima de tudo, coragem, como reflete a técnica em enfermagem Zélia Justino, 46 anos.
Apesar disso, a funcionária da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante diz que está conseguindo manter o lado emocional equilibrado. “Ao longo da minha carreira, passei por muitas situações difíceis e consegui me sair bem”, relata. Ela viu alguns colegas de trabalho se contaminarem, mesmo assim se mantém firme para trabalhar sem medo. Ela calcula que a quantidade de serviço tenha triplicado com a pandemia.
Agora, Zélia acostumou-se ao novo normal e não teme tanto a contaminação, quanto no início da crise. “O risco de contaminação é grande, e todos nós estamos correndo riscos, tanto a população, quanto os profissionais de saúde. No começo, era mais assustador, mas essa é a profissão que escolhi e com a qual me identifico”, afirma. Manter a mente tranquila torna-se ainda mais importante para lidar com tudo isso.
É o que Zélia tem feito, além de tentar ver algo positivo mesmo em meio às experiências negativas e manter boas expectativas. “Futuramente, espero que essas doenças que chegam de forma inesperada sejam tratadas com mais efetividade, para que tenhamos soluções rápidas e menos vidas perdidas”, complementa. Há muitas pessoas que, como Zélia, têm mantido o equilíbrio em meio à tempestade.
No entanto, “casos de desgaste e fadiga ocupacionais em profissionais de saúde devido ao aumento do estresse causado pela pandemia da covid-19 estão em alta”, como comenta o médico Rubens de Fraga Júnior. “Ansiedade e preocupação com as perspectivas de carreira futura e com a economia em geral também podem levar ao esgotamento de profissionais da saúde”, observa o especialista em geriatria e gerontologia e Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná.
Maior risco de burnout
Rubens de Fraga Júnior cita artigo publicado na revista Anesthesia & Analgesia, em que o médico Farzan Sasangohar, do Hospital Metodista de Houston, descreve os efeitos da fadiga e do burnout em trabalhadores de unidades de terapia intensiva (UTI), e as etapas que podem ser tomadas para atenuar esses sintomas. Sasangohar diz que “a pandemia de covid-19 exacerbou um problema já existente em nossos sistemas de saúde e está expondo as implicações perniciosas do esgotamento de profissionais”.
Equipes trabalham juntas para combater dois males: o coronavírus e a tensão mental sofrida por profissionais da saúde. As recomendações dos pesquisadores para reduzir o cansaço físico e psicológico desses trabalhadores incluem ações que podem dar maior segurança durante o trabalho, como fornecimento de número adequado de kits de teste e equipamentos de proteção individual.
“Muitas vezes o medo de ter contraído a doença atrapalha o desempenho de um profissional dessa área”, reflete a psicóloga Juliana Gebrim. Neste momento, trabalhadores da saúde veem a carga horária aumentar, por isso, é ainda mais importante ter uma vida equilibrada fora do serviço. “Procurar ter hábitos saudáveis, avaliar como está sua própria saúde e é importante, também, ter um limite de horas de trabalho”, observa a psicóloga.
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Estresse, frustração, desmotivação, falta de ânimo e preguiça e, em muitos casos, doenças crônicas podem ser comuns entre trabalhadores. No livro, a especialista em inovação e pessoas Marina T. Trindade mostra que é preciso desenvolver a cultura emocional dentro das corporações.
Batalha noturna atrapalha
Durante o dia, a preocupação é com a prevenção e o combate à covid-19. Pela noite, a luta é contra a insônia. Esta tornou-se a realidade de muitos. Segundo o estudo do Instituto Ipsos, 26% dos brasileiros têm enfrentado dificuldades para dormir na pandemia. Mais uma vez, o impacto é ainda mais alto no sexo feminino: são 33% das mulheres impactadas com essa dificuldade, contra 19% dos homens.
O Brasil também está no pódio dos efeitos da insônia, mas, desta vez, em segundo lugar, atrás do México, onde 38% da população vêm enfrentado o problema. Em terceiro lugar, estão a Espanha e a África do Sul, empatadas, com 25%. Japão (6%), Coreia do Sul (10%) e Austrália (12%) são os menos afetados.
A psicóloga Simone Lavorato explica que a insônia é um transtorno que está diretamente relacionado com a ansiedade. Ela recomenda um bom preparo físico e mental antes de dormir, com a desconexão de aparelhos eletrônicos e pequenos rituais, como um bom banho relaxante, além de cuidados, como cortar a ingestão de bebidas com ativos energéticos, como o café.
“Se eu não tenho uma boa noite de sono, meu organismo não vai conseguir se restaurar para o próximo dia. E é isso que está acontecendo: as pessoas já acordam cansadas”, afirma. Outra pesquisa feita pela empresa de inovação corporativa The Bakery, revelou que quase a metade dos brasileiros (44%) está com mais dificuldades para dormir por causa das mudanças de rotina provocadas pela pandemia.
Além disso, 47% buscam soluções para melhorar a qualidade do sono, entre elas meditação, exercícios físicos, boa alimentação, medicamentos e tecnologias de aplicativos, nessa ordem. O estudo entrevistou 780 pessoas em todo o país, entre 27 de maio e 3 de junho, quando grande parte das pessoas estava em quarentena havia mais de 60 dias.
Brasil tornou-se uma nação de ansiosos
Estudo do Instituto Ipsos investigou como a covid-19 afetou a saúde mental em 16 países. O Brasil ocupa a primeira posição no que diz respeito à ansiedade: 41% dos brasileiros sofrem com o problema como consequência da pandemia. Em segundo lugar está o México (35%), seguido pela Rússia (32%), em terceiro. No outro extremo, Japão (6%), Alemanha (7%) e Coreia do Sul (15%) são os menos impactados pela ansiedade. Comer muito (39%) e exercitar-se pouco (35%) são outros problemas que os brasileiros desenvolveram com a crise.
No país, 11% dos entrevistados passaram a sofrer de depressão a partir da pandemia. Por aqui, as mulheres são as mais ansiosas: 49% delas têm sofrido com a condição, em comparação com 33% dos homens. A cobrança cultural e os antigos costumes domésticos impostos à mulher explicam a disparidade dos resultados. Essa é a avaliação de Simone Lavorato, psicóloga com formação em neuropsicologia pela Universidade de São Paulo (USP).
“Quando a gente pensa culturalmente, a mulher é educada para dar conta de tudo. São muitas demandas atribuídas a ela. É uma carga muito grande”, pontua a especialista em terapia cognitivo-comportamental. Além do aumento das demandas profissionais e domiciliares, da dificuldade em separar as atividades laborais das domésticas (para aqueles em home office) e do medo constante em contrair o novo coronavírus, Simone Lavorato explica que outro fator que contribui para o desconforto mental durante a pandemia é o contexto incerto e repentino instaurado pela crise sanitária.
Problema geral
“Eu diria que não só os trabalhadores, mas as crianças e os idosos e todos nós passamos por um momento muito difícil em relação a manter o equilíbrio, a manter a saúde mental”, avalia ela, que também é pedagoga e doutora em educação pela UnB. “De uma hora para outra, nós fomos obrigados a conviver com outra realidade, sem planejamento, tudo foi feito de uma maneira muito rápida e muito brusca. Sem contar o medo que foi gerado em todos nós, o medo de perder os entes queridos, o medo de pegar e transmitir a doença... Isso tudo gera muito desequilíbrio emocional”, declara.
Procurar ajuda psicológica é fundamental, mas Simone Lavorato recomenda, também, dicas práticas que podem ajudar a lidar com tensões neste período. Para a ansiedade, ela sugere exercícios de controle de respiração e mexer o corpo. “Mesmo dentro de casa, é importante fazer uma atividade física, isso vai liberar uma série de hormônios que precisamos para um bom funcionamento do corpo e da mente”, ressalta. Com relação à depressão, Simone aconselha um trabalho intenso de acompanhamento psicológico e psiquiátrico.
As preocupações latentes dos brasileiros
Desde o começo da pandemia da covid-19, para além dos profissionais de saúde, muitas pessoas não puderam se isolar. Giuliana Gomes, 20 anos, é auxiliar administrativa no Ministério da Defesa e precisou continuar a trabalhar fisicamente em esquema de rodízio. No entanto, a equipe presencial está reduzida. O órgão também adotou medidas preventivas. Moemo assim, o medo da infecção e a preocupação constante ainda permeiam a mente de Giuliana. Para não se deixar abalar, ela tenta ao máximo se distrair no tempo livre, com hobbies, como pintura em aquarela e exercícios. “Basicamente, tento me cercar das coisas que eu gosto para não surtar”, afirma.
Os medos de Giuliana são compartilhados por muitos brasileiros. A saúde é a principal preocupação das pessoas no momento, antes das questões econômicas e de trabalho, conforme estudo da empresa de inovação corporativa The Bakery. “Se, antes, estávamos muito no piloto automático, sem tempo para pensar nos planos futuros, agora tivemos a chance de desacelerar. Isso foi visto como um benefício”, comenta Ana Cláudia Rasera da Silva, diretora do The Bakery Health Lab. “Porém, o fato de as pessoas ficarem isoladas em casa também provocou o surgimento de sensações ligadas à ansiedade (42%), ao estresse (14%) e ao medo (10%)”, completa.
Prevençã o ano todo
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), organiza nacionalmente o Setembro Amarelo, o mês de prevenção ao suicídio. Internacionalmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) marcou essa campanha em setembro em 2003. Além disso, o 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. O objetivo da campanha é evitar que problemas de saúde mental levem ao autoextermínio. O tema ganh,a ainda, mais importância durante o momento pandêmico.
Para tratar das questões que envolvem o equilíbrio psicológico, a pandemia e o mundo profissional, o caderno Trabalho & Formação Profissional publica este especial sobre saúde mental. Na próxima edição, leia sobre o que os empregadores podem fazer para apoiar os colaboradores e descubra 61 hábitos físicos, mentais, emocionais e espirituais para ajudar a ter uma vida mais saudável em todos os aspectos no trabalho.
No entanto, a atenção com a saúde mental não pode durar um dia ou um mês: isso deve ser constante, o ano inteiro. “O Setembro Amarelo é um marco para a conscientização da prevenção para o suicídio. No entanto, esse assunto deve ser discutido sempre, pois é um problema de saúde pública e não de fraqueza de personalidade, como muitos costumam pensar”, explica a psicóloga Simone Lavorato.
Quanto ao ambiente de trabalho, ela explica que é importante que os empregadores também tenham um posicionamento pró-prevenção ao suicídio. “As organizações precisam se posicionar no sentido de apoiar essa conscientização. Afinal, muitos de nós passamos boa parte da vida trabalhando.” O diálogo e a compreensão são formas de prevenir o autoextermínio.
“A criação de grupos de conversa, o compartilhamento de informações por meio de palestras, redes sociais, e-mail, seriam de grande valia no contexto organizacional”, pondera. “Entretanto, não adianta as empresas fazerem a divulgação só neste mês e depois passarem o ano todo sem tocar no assunto. É um apoio que tem que ser constante e gradual.”