A pandemia, naturalmente, aumenta a preocupação com a saúde. No entanto, ao mesmo tempo, traz mais obstáculos para que as pessoas possam se consultar com médicos, nutricionistas, psicólogos e outros profissionais de saúde. Por medo, justificado, de se contaminar, há quem adie e desmarque consultas importantíssimas. É o que revela estudo feito em julho pela consultoria Demanda Pesquisa e Desenvolvimento de Marketing. Quatro em cada 10 deixaram de ir ao médico durante a pandemia por medo de contágio.
A terceira edição do levantamento sobre o impacto do novo coronavírus no Brasil mostra que, entre as 1.090 pessoas entrevistadas em todo o país, mesmo precisando, 42% dos participantes deixaram de ir a consultas. Esses entrevistados tiveram problemas em diversas áreas, incluindo dores na coluna, crises de ansiedade, agravamento de depressão e lesões na pele. Essas questões continuam sem solução e, para metade dos entrevistados que não foram ao médico pelo receio da covid-19, o problema persiste ou está piorando pela falta de cuidado especializado.
A telemedicina poderia ser uma saída para essas pessoas, e a pesquisa mostra que o serviço de saúde mediado por tecnologia tem ganhado aceitação. Entre os entrevistados, apenas 6% dizem que não gostam ou não fariam uma consulta por telemedicina. Outros 29% não simpatizam muito com a ideia, mas recorreriam a ela se houvesse necessidade. Já os demais, 55% dos entrevistados, são simpáticos a essa nova modalidade de atendimento. Apesar disso, a maioria ainda não experimentou o formato: somente um a cada cinco esteve numa consulta por vídeo.
A visão de médicos
Além de ser positivo para os pacientes, a telemedicina também pode ser benéfico para profissionais de saúde. A pesquisa da Demanda sobre o tema foi realizada, de forma qualitativa, com médicos de diferentes especialidades. É quase unânime o testemunho de que estão sobrecarregados.
A exposição a maiores riscos de contágio pelo coronavírus e o atendimento a pacientes contaminados fazem com que fiquem emocionalmente expostos diante de toda a situação vivida. Outros desafios citados pelos médicos no levantamento são jornadas extensas para estudar e se apropriar de todo conhecimento que o enfrentamento ao vírus requer, além de problemas estruturais e condições inadequadas em seus locais de trabalho.
Tranquilidade para famílias
A pediatra Renata Ferreira Pontes Oliveira é membro titular da Sociedade Brasileira de Pediatria. Ela relata que sempre teve grande demanda para consultas. “Até que, com o advento da pandemia e com as medidas de isolamento social, ocorreu uma diminuição considerável da procura por atendimentos presenciais”, conta. “A partir disso, a telemedicina tornou-se uma ferramenta importante para a manutenção dos vínculos médico-paciente”, relata.
Agora, ela atende crianças e pais por meio de videochamada ou ligações telefônicas. “Estabeleço uma análise minuciosa e detalhada junto da família. Consigo estabelecer um prognóstico inicial e, assim, desenhar um plano de tratamento”, explica. Para Renata, a adaptação ao novo modelo foi tranquila. “Geralmente, os pacientes de telemedicina querem orientações, tirar dúvidas, solicitar algum pedido médico.” Ela conta que o novo modo de trabalho a ajudou a enxergar o método de uma forma diferente.
“Particularmente, adquiri uma visão médica diferenciada da telemedicina, enxergo como uma forma de honrar o juramento de Hipócrates, pois médico não abandona pacientes e a telemedicina facilitou bastante a manutenção do contato médico-paciente em tempos de pandemia”, afirma. Com essa adaptação, Renata continuou a ter alta demanda para consultas, e a procura até aumentou. O Centro Clínico Salutá, onde ela atua há cinco anos, foi pioneiro na adoção das consultas a distância em Brasília.
“Muitas clínicas fecharam devido à pandemia, e pacientes ficaram desassistidos. Ao ver que estávamos funcionando, conseguiram agendar consultas e manter tratamentos.” A migração foi especialmente útil no caso de pessoas do grupo de risco ou que moravam mais longe. Renata percebe que oferecer o serviço a distância também foi fundamental para tranquilizar o público.
“Durante a quarentena, os pacientes ficaram muito eufóricos com tudo o que foi visto e falado sobre a covid-19”, percebe. “A telemedicina apresenta-se como uma ferramenta útil e, devido ao momento de pandemia, é tão importante quanto o atendimento presencial. Para nós, pediatras, negligenciar a vida e as demais doenças por conta do covid-19 é que seria irremediável”, comenta a médica, que tira dúvidas de pais no Instagram @pediatriaepaisjuntos.
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa
Formato aprovado
Confira relatos de pacientes sobre o que acharam de consultas a distância
“Usei a telemedicina durante a pandemia duas vezes para consultas psiquiátricas. Uma vez por telefone e a outra, por videochamada. A médica estava na casa dela e eu, na minha. Nunca a vi pessoalmente. Ela passa a receita digitalmente. Na farmácia, o sistema mostra, inclusive, se a receita foi utilizada em outro lugar. Achei bem confiável. Se não precisar ser avaliado fisicamente, acho muito tranquilo fazer consulta on-line. Às vezes, é só uma solicitação de exames de rotina, mostrar exames ou pegar receita. Achei uma boa iniciativa das clínicas para quem não se sentir seguro em sair de casa e, assim, não precisar se expor ao vírus com deslocamento ou sala de espera.”
Victor Rafael Medeiros Santos, 26 anos, estudante de medicina veterinária
“Minha consulta foi por telefone. Nasceu um carocinho no meu olho, que estava quase fechado. Foi no início da pandemia, e o oftalmologista achou melhor me atender a distância. Ele me passou receita, usei o medicamento, mas o problema persistiu e tive de procurar uma consulta presencial. Deu tudo certo e fiquei bom, graças a Deus. Eu recorreria à telemedicina novamente. Dependendo do caso, posso fazer a consulta por telefone ou pela internet. Às vezes, só precisamos de uma orientação médica. Nem sempre é preciso ter o encontro presencial, dependendo da situação.”
Gonçalo Borges da Silva, 76 anos, motorista aposentado
“Para alguns casos, ainda sinto a necessidade de ter a avaliação física do médico, mas, em situações mais gerais, como mal-estar e sintomas leves, confiaria na telemedicina. Muitas vezes, o ato de se deslocar e enfrentar filas nos consultórios é pior do que o sintoma em si. Faço acompanhamento com psicólogo virtualmente desde o início da pandemia, e os resultados têm sido tão bons quanto. Como tomo medicação psiquiátrica controlada, o receituário digital facilitou bastante. Tive uma pneumonia leve durante a pandemia e fiz uma consulta de emergência virtualmente com uma clínica geral, depois de ter feito um exame presencial. A médica avaliou os sintomas e, em seguida, prescreveu um antibiótico, o que me ajudou. Foi ótimo, pois não precisei me expor tanto aos riscos de um hospital, ainda mais com uma doença respiratória.”
Luís Abrantes, 22 anos, estudante de ciências contábeis na UnB
Modelo híbrido
Michele Delarmelina Reis Borba, 41, é médica endocrinologista, com residência e mestrado pela Universidade de Brasília (UnB). Para ela, a adaptação ao novo formato exigiu organização para padronizar o atendimento e, ao mesmo tempo, manter um contato acolhedor, mesmo que a distância. Junto do marido, o neurocirurgião André Borba, criou um fluxograma com protocolo de contato da secretária durante os períodos pré e pós-consulta. “A pré-consulta tem várias etapas, incluindo confirmação do agendamento e orientações aos pacientes, por exemplo, sobre o ambiente adequado para a consulta e de como o paciente pode preservar a privacidade durante a chamada de vídeo”, afirma Michele.
Também é antes da consulta que a secretária combina com o paciente sobre exames ou outros documentos a apresentar. O pós-consulta inclui agendamento de retorno, pesquisa de satisfação e entrega de orientações e documentos gerados no atendimento, todos com assinatura digital. “Durante o encontro digital, sempre iniciamos explicando que a consulta está sendo registrada em prontuário eletrônico e também esclarecemos as limitações do método de atendimento. A impossibilidade de realizar o exame físico é um exemplo claro”, explica.
Os pacientes inicialmente apresentaram receio, mas, como as doenças precisam ter manutenção de tratamento, aos poucos, os agendamentos foram acontecendo”, relata Michele. Na avaliação dela, esse tipo de consulta consegue ajudar muito. Atualmente, 90% dos atendimentos são feitos a distância, e as pessoas têm se mostrado satisfeitas. “O retorno é muito positivo. E, quando há necessidade, o atendimento presencial é agendado em sequência.” Se não houver essa demanda, a videochamada médica já terá contribuído para menor circulação de pessoas durante a pandemia.
Michele trabalha na Clínica Delaborba e no Centro Especializado em Diabetes, Obesidade e Hipertensão (CEDOH). Ela acredita que os consultórios devem evoluir para um atendimento híbrido. “O futuro é mesclar o presencial e o remoto, uma vez que o exame físico se faz necessário para avaliação completa em casos específicos; e o contato humano sempre será primordial para se estabelecer um vínculo médico-paciente para muitos casos”, afirma. “O consultório físico não poderá deixar de existir, pois vejo que a resolubilidade do atendimento on-line sempre cruzará com momentos de necessidade de apoio do contato humano.”
A distância somente durante a crise
Para o dermatologista Clovis Tsz Young Chow, 28, o início da adaptação à telemedicina foi o mais difícil. “Os atendimentos são mais impessoais, mas me acostumei.” A consulta a distância costuma ser bem mais demorada, pois a orientação precisa ser mais detalhada. “Há casos em que dá para ajudar a pessoa mesmo sem poder realizar o exame físico, principalmente se ela já for minha paciente. Nos casos de primeira consulta, é um pouco mais complicado, pois o exame físico é muito importante”, explica.
“Às vezes, a orientação já ajuda muito. Às vezes, tento prescrever algo paliativo até que o paciente consiga vir presencialmente”, completa. Ele pondera que a dermatologia não é uma modalidade pensada para atendimentos a distância. “Precisamos ver e até mesmo tocar as lesões. Existem algumas que são mais palpáveis do que visíveis. Muitas vezes, temos que utilizar o dermatoscópio (um aparelho que aumenta o tamanho) para avaliar com maior precisão”, relata. Durante a pandemia, a alternativa é pedir que o paciente envie uma foto.
“Mas isso depende de muitos fatores para funcionar, como a qualidade da câmera do paciente, a iluminação e até se ele consegue tirar uma foto nítida. Quando é doença, prefiro ver pessoalmente, pois trata-se de algo mais sério”, descreve. Por isso, em geral, as consultas a distância são mais para esclarecimentos ou pedidos de exames. “Hoje, na dermatologia, muita gente nos procura para ter uma rotina adequada de skincare. Querem iniciar o uso de algum rejuvenescedor, orientação sobre uso de protetor solar. Nestes casos, acaba que é mais tranquilo e dá para avaliar por foto e conversar com o paciente.”
Mesmo com a procura, Clovis acredita que não continuará com os atendimentos por telemedicina quando acabar a pandemia. “Eu valorizo muito a medicina sob uma ótica humanizada e a avaliação do paciente como um todo”, avalia. “O ser humano precisa de contato, nem que seja apenas um aperto de mão ou um abraço”, opina. “Acredito que a tecnologia veio para somar, mas, ainda, não dá para substituir a consulta presencial.” No entanto, mesmo sem a pandemia, há, sim, casos em que a telemedicina ajuda muito. “Claro, existem exceções, como pacientes que não podem ou não conseguem sair de casa”, diz Clovis, que atua nas clínicas Salutá e Feme.
Nunca use em caso de urgência
“As pessoas precisam perder o preconceito de pensar ‘ai, não serve, eu preciso do médico presencial’. Ainda mais se você pensar nas dimensões continentais do Brasil, onde muitos não têm acesso a saúde... Espero que essa tecnologia chegue até onde as pessoas não têm acesso”, afirma Mérces da Silva Nunes, especialista em direito médico, advogada e sócia titular da Silva Nunes Advogados Associados. Segundo ela, a telemedicina é um braço da medicina como qualquer outro.
É importante lembrar que, no caso de situações em que o exame físico é necessário e decisivo ou em que urgências e emergências fiquem implícitas, o teleatendimento deve ser evitado. “É uma área que permite a relação médico-paciente quando não há necessidade de um exame físico. Se um médico, durante a consulta, perceber que o paciente precisa de um atendimento assim, ele deve encaminhá-lo para isso”, diz Mérces.
Mudança de paradigmas
O psiquiatra Caio Gibaile, 27 anos, trabalha em Porto Alegre, mas, com a telemedicina, tudo mudou. “Poderia dizer que atuo em todo lugar”, brinca. Formado em medicina pela Universidade de Brasília (UnB), ele faz residência em psiquiatria forense na capital gaúcha. Caio avalia que, para sua área de atuação, o novo modelo de atendimento funciona de maneira satisfatória. “Já que não precisamos encostar na pessoa ou ter algum tipo de contato nesse sentido”, justifica. A adaptação, segundo ele, ocorreu de maneira natural, pois alguns pacientes não poderiam interromper o tratamento devido à gravidade do quadro.
“Inicialmente, fizemos as consultas de forma mais caseira, por chamada de vídeo no WhatsApp”, relata. Depois, conselhos profissionais questionaram sobre a privacidade desse tipo de ligação. “Então, foi necessário buscar ferramentas que tivessem um pouco mais de segurança. Alguns sistemas criaram uma forma de prontuário on-line para ter acesso a telemedicina”, relata. Caio percebe que alguns pacientes têm uma preferência nítida pelo contato presencial, mas encontram limitações para isso agora, por exemplo, por conviverem com pessoas do grupo de risco.
Então, acabam aderindo à consulta por vídeo. “Todos estão se adaptando. A telemedicina não causa mais tanta estranheza como antes, nos acostumamos com essa maneira de interagir.” Muitos pacientes acabam gostando da flexibilidade oferecida, de não precisar ir até o consultório, o que acaba se encaixando muito melhor na rotina. “Acredito que é um meio adequado, mas, como tudo na medicina, há indicações e contraindicações”, alerta. “Na área da psiquiatria, isso se torna mais fácil devido à menor dependência do exame físico, nós precisamos mais da avaliação do estado mental, que é possível fazer a distância, apesar de perdermos um pouco de parâmetro da comunicação não-verbal.”
Caio observa que o isolamento e a pandemia afloraram em mais pessoas tendências depressivas e ansiosas. “Aí, no caso de um paciente psicótico, suicida, muito grave, acredito que o contato presencial seja fundamental”, compara. A proposta da telemedicina, caso seja regulamentada após a pandemia, promete abrir caminhos para novos modos de carreira na área da saúde. O psiquiatra mostra-se empolgado. “A resistência existe, é grande, mas faço um paralelo com Londres”, diz.
"Quando surgiu a eletricidade, os acendedores de lamparina acharam que não daria certo, tinha muitos contras, mas, hoje em dia, nós não vivemos sem eletricidade”, pontua. “Acredito que o modelo veio para ficar, não vejo como algo temporário como via antes. Aplicando a modalidade na prática, eu vejo que existe espaço para que seja uma maneira importante de atendimento daqui para a frente”, conclui o jovem.
Solução temporária
Atendendo por telemedicina desde o fim de março, a neurocirurgiã Vanessa Holanda, 36 anos, conta que, para se adaptar ao modo remoto, precisou utilizar várias ferramentas, como termo de consentimento dos pacientes, além de receituários e pedidos de exame, que são validados por assinatura digital, enviados por SMS, com QR Code. “A maioria dos pacientes aderiu bem, principalmente, devido ao temor da exposição ao Sars-Cov-2. Além disso, boa parte dos que eu atendo são antigos”, informa. Os que não se adaptaram voltarão em algum momento para consulta presencial.
“Faço atendimentos diariamente por telemedicina e reservo pelo menos uma hora para cada um, pois, além do contato com o paciente, preciso preencher todos os documentos do prontuário e pedidos de exames e receitas com assinatura digital”, relata. No site de agendamento das consultas, vários pacientes deixaram elogios para Vanessa, que avalia a experiência como segura e proveitosa. Mesmo assim, a neurocirurgiã não vê na telemedicina um projeto de longo prazo.
“Creio que serve apenas como uma ferramenta a mais, principalmente, neste momento de pandemia. Não acredito que permanecerá tão forte e não sei se será permitido pelo CRM o uso após a crise sanitária”, reflete. “A longo prazo, acho que não vale a pena pensar nessa opção de empreender por meio da telemedicina porque o paciente faz questão de nos ver pessoalmente em algum momento, principalmente no meu caso, que sou especialista em neurocirurgia”, afirma.
Não é exclusividade médica
O termo telemedicina ganhou popularidade, mas atender pacientes a distância não é exclusividade de médicos. Nutricionistas, psicólogos e vários outros profissionais de saúde migraram para o formato digital. Cinthya Sodré, 26, é psicóloga clínica no Instituto Aliar e admite que a adaptação não foi nada fácil. “A presença é muito importante no trabalho. Então, foi todo um processo para se acostumar e tornar o atendimento mais próximo possível do normal, mesmo com as limitações”, afirma. Para quem procura ajuda, também pode ser difícil se acostumar.
“Nem todos os pacientes se adaptaram, alguns não deram continuidade por não terem privacidade para ter as consultas de casa ou por não se sentirem à vontade nesse novo formato”, desabafa. No entanto, a maior parte preferiu se adaptar a interromper o tratamento. “Por ser um momento em que se distanciar é necessário e nosso serviço ainda é muito importante (e se torna ainda mais neste contexto), precisamos exercer nosso trabalho da melhor forma possível com as ferramentas que dispomos”, reflete. Cinthya também preferia os encontros presenciais.
Terapia digital
“(A distância) é melhor? Não. Mas é possível, ainda assim, realizar um bom trabalho? Sim!”, comemora. “É bem difícil manter a qualidade do trabalho, gera mais esforço, pois muita coisa só se percebe no contato e, no momento, perdemos essa parte”, pondera. Encontrar um espaço em casa para falar com o psicólogo sem ninguém ouvir é um dos grandes desafios para quem procura ajuda psicológica. “A questão da privacidade é delicada, pois são raras as pessoas que conseguem ter um ambiente em que possam ficar sozinhas. Muitas desmarcam porque no dia não conseguiram ter acesso a um local adequado”, revela.
A psicóloga observa que o lado positivo da telemedicina é a inexistência de fronteiras. “Abriu a possibilidade para atender pessoas que não conseguiriam ter acesso ao consultório, seja por morarem muito longe (algumas em outros estados), seja por alguma impossibilidade física.” Caso o paciente não possa ter acesso ao consultório, Cinthya pensa em continuar com o método de atendimento quando a pandemia passar. “Aí entram até pacientes que estão viajando e não querem interromper as sessões. Mas só eventualmente, pois de fato o contato e a presença são insubstituíveis”, pontua.
O que esperar da legislação?
“Após anos de debate sobre o assunto, o Projeto de Lei nº 696/2020, da deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP), transformado na Lei nº 13.989/2020, autorizou, em caráter emergencial, a prática da telemedicina por causa da epidemia do novo coronavírus. Essa liberação ainda não é uma regulamentação em definitivo, visto que esse tipo de atendimento só está autorizado enquanto a saúde pública estiver em colapso por causa da pandemia. No entanto, podemos entender essa medida como um avanço em uma prática cada vez mais condizente com o mundo em que vivemos.
A telemedicina é um termo que engloba a utilização de ferramentas tecnológicas para facilitar o acesso e o atendimento à saúde para a população. De acordo com o artigo Telehealth, do The New England Journal of Medicine, existem quatro objetivos a serem alcançados pelo sistema de saúde, que podem ser auxiliados por esse método: melhorar a experiência do paciente; melhorar a saúde da população; reduzir o custo per capita de cuidados com a saúde; e melhorar a experiência em serviços de saúde.
Médicos e pacientes podem se comunicar por videochamadas. A inserção da telemedicina na rotina das pessoas tem benefícios econômicos e sociais. Também reduz o gasto de operadoras de saúde, influenciando em menores custos para o usuário final. Além disso, será possível levar atendimento a locais com maior dificuldade de acesso à saúde. Assim, existem maneiras de conciliar tratamento com prevenção de doenças de baixa complexidade, ajudando a evitar que as pessoas posterguem os cuidados.
É inegável que se trata de um avanço necessário para a medicina brasileira. Espera-se que esse primeiro teste do uso da telemedicina acelere a autorização de maneira definitiva, já que foi possível perceber vários benefícios. Com essa nova percepção sobre a telemedicina, há ganhos diversos e alguns outros setores precisarão se adaptar. Por exemplo, as operadoras de serviço de internet sentirão a necessidade de entregar seus serviços com mais qualidade, dado que será indispensável para a comunicação entre médico e paciente.
Não se trata somente de regulamentar e esperar que o sistema funcione de forma adequada. O conceito de telemedicina e suas variações é muito amplo e é necessário atenção para o entendimento e o desempenho adequado e ético dessa modalidade de serviço. Vale lembrar que é um início, e que a Frente Parlamentar do Congresso, junto ao Conselho Federal de Medicina, está em constante discussões de temas sensíveis como este.”
Fábio Tiepolo, fundador e CEO da Docway, empresa brasileira de agendamento de consultas médicas
Novos horizontes pós-pandemia
“Nas consultas presenciais, nós avaliamos o paciente para checar composição corporal (percentual de gordura, massa muscular, circunferências) e, pela impossibilidade de fazer essa análise, alguns pacientes preferiram esperar um pouco”, conta a nutricionista Melissa Andrade, 41. Por isso, com a migração para a telemedicina, o número de pacientes caiu. Ela acredita que o fechamento de academias e, depois, o receio das pessoas de voltarem a malhar nesses espaços, mesmo que reabertos, são fatores que afastaram as pessoas das consultas nutricionais.
Pouco a pouco, o novo normal instalou-se e a demanda melhorou. “Os pacientes foram se adaptando”, diz. Como parte da adaptação, agora, a checagem de gordura corporal também é feita a distância. “Eu envio uma imagem com orientação para eles fazerem as circunferências e uso o peso e a altura que o paciente informa”, relata. Com os devidos cuidados, Melissa continua atendendo presencialmente, mas conta que as consultas por telemedicina aumentaram conforme os meses de isolamento foram passando. “Os pacientes que fazem parte do grupo de risco preferem a telemedicina. A maioria dos novos clientes veio por meio do método remoto. Não tive muitos pacientes antigos que aderiram à telemedicina, esses preferiram a consulta presencial”.
Ela ainda relata o efeito contrário. “Alguns pacientes que moram em Brasília e começaram a se consultar por telemedicina, agora, estão migrando para a consulta presencial.” A adaptação e as descobertas não são só para os clientes. Os profissionais da saúde também enfrentam o desconhecido. “No início, achei um pouco estranho. Nossas consultas sempre foram presenciais e o atendimento por telemedicina, além de ser uma novidade, meio que nos pegou de surpresa”, afirma Melissa.
“Hoje, acho muito enriquecedor. Tenho alguns pacientes de outros estados, atendi brasileiros em outros países e isso me deu a chance de conhecer outras culturas alimentares. Também posso continuar acompanhando meus pacientes antigos que preferem ser atendidos por telemedicina, o que evitou que eles ficassem desacompanhados”, comemora. Melissa tem planos de manter tanto consultas físicas, quanto a distância depois que a pandemia passar. “Enquanto o conselho autorizar o atendimento por telemedicina, vou continuar nessa modalidade, sim!”, garante.
Autorização especial
Na corrida para combater a pandemia e manter a população em casa, a telemedicina começa a fazer parte da rotina de parte dos brasileiros em quarentena. Mesmo que pareça estranha a possibilidade de consultar um médico a distância, o tema não é novidade em muitos países. No Brasil, a resolução nº 1.643, de 2002, do Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamenta a prática, permitindo-a em três áreas.
A primeira é a teleassistência, com monitoramento do paciente e troca de informações com outros especialistas por meio de plataformas on-line. A segunda é a teleducação, consistindo em capacitação remota de profissionais da saúde que atuam em locais com pouca infraestrutura e dificuldade de acesso às atualizações da área. A terceira área permitida é a emissão de laudos a distância e exames que podem ser feitos em qualquer lugar por meio de softwares on-line.
Como medida de emergência, o Ministério da Saúde autorizou, por meio da portaria nº 467, de 20 de março de 2020, em caráter temporário e emergencial, o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico a distância, por meio de tecnologia da informação e comunicação como uma solução para agilizar a triagem, esclarecer dúvidas sobre o coronavírus e reduzir a circulação de pessoas expostas à covid-19.
A portaria também orienta que os médicos deverão garantir, durante o atendimento, a integridade, a segurança e o sigilo das informações. Só devem ser utilizadas ferramentas digitais que estão em conformidade com a lei. Além disso, atestados e receitas poderão ser emitidos on-line, mas precisam cumprir requisitos para que sejam válidos, por exemplo, o uso de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), seguras por criptografia.
Verifique o cadastro do médico
O paciente deve procurar o registro profissional do médico com o qual pretende se consultar no Conselho Regional de Medicina (CRM). Para checar se o cadastro está ativo, é possível acessar o portal do CFM pelo link bit.ly/consultacrm. Caso o médico preste atendimento por pessoa jurídica, deverá inscrever-se no Cadastro de Pessoa Jurídica do CRM.
Telemedicina x Telessaúde
Telemedicina: Exercício da medicina por meio de tecnologias interativas de comunicação audiovisual com o objetivo de oferecer assistência, educação e pesquisa em saúde. Telessaúde: Procedimentos de promoção à saúde que não necessariamente estão associados a um médico. Ex: Aplicativos de bem-estar.
Três regras para o teleatendimento
1. Cuidados necessários
Os direitos do paciente são os mesmos da modalidade presencial. É necessário registro de prontuário, proteção de dados e sigilo médico. Gravações de consultas devem ser autorizadas e a legislação de uso de imagem, respeitada. Lembre-se sempre que todo atendimento a distância deve ser consentido pelo paciente.
2. Receitas, pedidos de exames e atestados
A emissão de documentos médicos por meio digital só é válida em caso de assinatura reconhecida pelo Certificado Digital (ICP-Brasil), podendo substituir assinatura e carimbo físicos com receitas emitidas distância — inclusive para medicações controladas. O mesmo vale para pedidos de exames complementares. Fotografias de atestados e receitas não têm validade para dispensação de medicação ou outros aspectos sanitários e legais.
3. Pagamento e convênios
O ambiente virtual equivale ao consultório médico, dessa forma, a emissão de recibos e notas fiscais enquadram-se nas mesmas normativas do atendimento presencial. É importante checar se o seu plano de saúde cobre e reembolsa consulta médica dessa modalidade, os convênios estão se adaptando e, para ficar seguro, é importante solicitar um documento de comprovação de cobertura e garantia de reembolso.
Quatro plataformas de telemedicina
Confira soluções de graça e particulares
2 apps de consultas gratuitas
Teladoc
Disponível para Android e IOS, a plataforma oferece consultas médicas on-line sem custo. É possível agendar teleconsultas conforme a sua disponibilidade de tempo e sem precisar sair de casa, com o atendimento realizado por vídeo ou áudio, e garantia de sigilo e segurança. Após a consulta, o acesso à prescrição médica é disponibilizado digitalmente, possibilitando o envio para farmácias. Há, ainda, outras funcionalidades, como estabelecer metas de passos dados por dia, copos de água bebidos, acompanhar o peso, além de um sistema de geolocalização, com rotas para prontos-socorros, hospitais e farmácias mais próximas. Saiba mais: www.teladochealth.app.
Medictalk
Criada por empresários e voluntários, a iniciativa disponibiliza uma consulta grátis com especialistas por semana para cada usuário, realizada por videochamada e com duração de 20 minutos cada. A plataforma on-line surgiu com o objetivo de oferecer gratuitamente as primeiras orientações médicas e suporte aos pacientes de covid-19, além de diminuir as filas e a circulação de pessoas nos hospitais. Para utilizar o serviço, basta realizar um cadastro simples no site e o usuário imediatamente consegue agendar uma consulta. Cada usuário tem direito a uma consulta por semana, com duração de 20 minutos. Na semana seguinte, é possível agendar novamente uma consulta com o mesmo médico, desde que haja disponibilidade de horário. As consultas são totalmente gratuitas, basta acessar e fazer o cadastro. Saiba mais: medictalk.com.br.
Dois sistemas para médicos
Cuidar Digital
O Grupo Fleury, instituição de medicina diagnóstica, desenvolveu o projeto Cuidar Digital, apoiado pela Amgen, empresa de biotecnologia. A plataforma possibilita a conexão entre médicos e pacientes de todo o Brasil, incluindo recursos de prontuário eletrônico, gravação da consulta, emissão de receita e agendamento de exames. Saiba mais: cuidardigital.grupofleury.com.br.
Docway
O aplicativo tem o objetivo de facilitar a vida de quem precisa de atendimento médico humanizado, levando o médico até o paciente por meio da tecnologia. Presente em mais de 340 cidades, entre elas todas capitais do país, conta com mais de 55 mil usuários. É possível chamar o médico para uma visita onde quer que o paciente esteja. Além disso, oferece soluções em telemedicina focadas na covid-19. Saiba mais: docway.com.br.
Campo de pesquisa
A telemedicina é também campo de pesquisa para cientistas. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no âmbito do Programa de Combate a Epidemias, selecionou 23 projetos direcionados à telemedicina e à análise de dados médicos, com a participação de 272 pesquisadores. O programa vai apoiar 92 iniciativas. Em uma delas, coordenada pelo professor de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Sergio Campos, os pesquisadores desenvolvem um sistema amplo para registrar e organizar as informações das consultas.
O grupo pretende criar um programa com todas as especialidades médicas, que permita ao médico inserir detalhes dos pacientes e exames remotamente. No Rio Grande do Sul, um grupo comandado por Cristiano André da Costa, professor de Ciências da Computação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), desenvolve um modelo de comunicação entre diversos provedores de saúde, conectando hospitais parceiros com dados de prontuários padronizados. O modelo desenvolvido tem a tecnologia blockchain, usada em moedas digitais e que garante a
criptografia dos dados e segurança das informações.