Histórias de consciência

De engraxate a executivo: diretor negro luta por diversidade em empresas

José Marcos da Silva atua como colíder de comitê de raça e etnias e ajuda companhias a entenderem como tornar o empreendimento verdadeiramente diverso

Ana Lídia Araújo*
postado em 13/12/2020 14:18
José Marcos da Silva, 60 anos, diretor de capital humano da Deloitte -  (crédito: M. Suguio/Divulgação)
José Marcos da Silva, 60 anos, diretor de capital humano da Deloitte - (crédito: M. Suguio/Divulgação)

“Antigamente, eu entrava nas reuniões e via só homens e mulheres brancos. Isso me desagradava desde o início da minha carreira”, conta José Marcos da Silva, 60 anos, diretor de capital humano da Deloitte Consultoria. “As empresas, no geral, eram ambientes tóxicos e hostis para mim.”

Mesmo ocupando cargos de gerência, o racismo continuou presente no cotidiano do administrador. Certa vez, quando precisou buscar colegas de trabalho estrangeiros em um hotel, a recepcionista assumiu que ele era o motorista. Na mesma hora, José Marcos questionou o porquê da dedução e explicou que era gerente executivo da mesma empresa dos colegas hospedados ali.

“Até hoje, isso acontece. Se estou de terno na frente de um prédio comercial, pensam que sou segurança. Se estou de jeans e camiseta, imaginam que sou ladrão”, exemplifica. Segundo ele, questionar essas situações faz parte do jeito dele. Há cerca de dois anos, inclusão e diversidade tornaram-se temas de interesse prioritário para José Marcos.

“Como cidadão, eu me pergunto como posso devolver à sociedade um pouco do que eu tive. Apesar de ter tido uma vida humilde, tive a sorte de ter um pai que lia jornal todos os dias e uma mãe que, apesar de analfabeta, me incentivava a estudar”, reflete.

De engraxate a executivo

“Oficialmente, comecei a trabalhar aos 14 anos. Dos 10 aos 13, tinha trabalhos informais como vendedor de sorvete, atendente em balcão de bar e engraxate”, diz. Aos 14, concluiu o curso de ajustador mecânico pelo Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial).

A formação possibilitou o primeiro emprego formal, em uma empresa de motores em que foi promovido a auxiliar de escritório e, mais tarde, tornou-se coordenador do centro de processamento de dados. “Construí carreira ali até os 31 anos”, comenta. Em 1991, o serviço da companhia foi terceirizado para uma empresa de tecnologia.

Nessa migração, José Marcos começou trabalhando com suporte aos usuários, teve o perfil comunicativo reconhecido por um superior e foi convidado a fazer parte do grupo de consultoria. José Marcos passou por cargos de gestão em diversas empresas, inclusive no exterior, até que, em 2007, entrou na Deloitte.

Atualmente, além de atuar na diretoria, é colíder do comitê de raça e etnias da empresa, com o objetivo de “ajudar a Deloitte a se tornar ainda mais inclusiva”. José Marcos é responsável por apoiar clientes a implementar práticas de diversidade e inclusão. Para isso, é preciso fazer com que as empresas entendam a importância do assunto.

“Não é só sobre contratar um monte de negros e negras, pessoas com deficiência e gays e dizer que é uma empresa diversa. É preciso analisar os sistemas de avaliação de desempenho, recompensas, promoções, perguntar-se porque negros ganham menos”, diz.

José Marcos é pós-graduado em gestão de pessoas pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e explica que as ações em prol da diversidade devem partir dos executivos. “Se a alta liderança não der o tom, não é um funcionário que vai dar. Inclusão não é um assunto de RH, mas de negócios. Empresas que não tiverem esse propósito ficarão para trás”, afirma.

Ele tem participado de atividades de monitoria e mentoria para jovens, em parceria com a Comunidade Empodera. Em breve, José Marcos começará a ministrar, na Universidade Zumbi dos Palmares, um novo curso voltado para a inclusão de jovens negros no mercado de trabalho.

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