Eu, Estudante

A competência é preta

Cientista político negro que venceu a fome é referência na área no DF

Creomar de Souza superou dificuldades da infância escassa em recursos, se tornou doutorando em relações internacionais e CEO de uma consultoria política

Creomar de Souza, 44 anos, é a prova de que esforço e competência são elementos capazes de transformar uma trajetória de lutas em história de sucesso. Ele é doutorando em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), CEO e fundador da consultoria de análise política Dharma Political Risk and Strategy.

O currículo do brasiliense registra passagens pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pelas universidades de Salamanca, Florida e Akron, como pesquisador em ciência política.

A formação robusta de Creomar foi conquistada com dificuldades. Criado pela mãe, empregada doméstica, e pela irmã mais velha, ele enfrentou uma infância de limitações financeiras no Guará. A família o incentivou a estudar com intensidade pela esperança de um futuro melhor.

“Minha mãe limpou muito chão e lavou muita roupa e dizia que esperava de nós uma única contrapartida: o estudo. Ela sempre acreditou que a educação é o caminho”, lembra. Nem sempre foi fácil honrar o pedido da progenitora. Em 1996, Creomar ingressou na graduação de história na Upis (União Pioneira de Integração Social) e começou a trabalhar para custear a formação.

Ele saía de casa, no Guará 2, às 5h40, quando pegava o ônibus para o trabalho, e retornava à 0h, após a aula na faculdade, na W3 Sul. “Eu recebia R$ 230 na época e a mensalidade da faculdade era R$ 222. Não sobrava quase nada. Perdi as contas de quantos lanches uma colega pagou para mim para eu não ficar com fome”, conta.

Carreira acadêmica

Antes mesmo de ter o diploma em mãos, Creomar foi inspirado por um professor a continuar a carreira acadêmica. Com a orientação do docente, ele começou a preparação para a próxima etapa: o mestrado. Juntou recursos financeiros durante todo o ano de 2001 para custear os estudos e concorrer ao mestrado em relações internacionais na UnB.

“Somente em 2002 consegui a meta. Comprei óculos novos e a bibliografia necessária da prova, me inscrevi em um curso de inglês e estudei muito. No fim do ano, fui aprovado”, lembra. Como bolsista, o mestrando precisou continuar o trabalho paralelo aos estudos, dessa vez como professor.

“Por ser egresso de uma universidade particular, as portas demoraram a se abrir. Teve um momento da vida em que eu dava aula nos três turnos e minha mãe ainda estava limpando chão”, diz. O esforço feito pela mãe o incentivou e fez com que ele não desistisse.

Em 2012, ele tornou-se docente e assessor de relações internacionais e institucionais da Universidade Católica de Brasília (UCB), onde atuou por oito anos. A partir da experiência, descobriu que poderia ajudar a sociedade com seus conhecimentos em processos políticos.

Foi assim que ele decidiu abrir, em 2018, a Dharma, empresa de análise e aconselhamento político com foco em empresas e organizações do terceiro setor. “Se você é uma padaria, a decisão do governo em aumentar o tributo na farinha, por exemplo, vai te impactar. Nós vamos te contar da decisão, dizer o impacto e como agir”, resume.

Hoje, o empreendimento é dirigido ao lado do sócio e emprega seis pessoas. “O Brasil não é um país para empreendedores e muito menos para negros, mas nós conseguimos avançar. Hoje, a nossa empresa passa um recado: um homem preto, periférico, que já passou fome, está liderando”, afirma.


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*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa