Eu, Estudante

Juntas para transformar

As Souzas: advogadas negras potencializam combate ao racismo on-line

Juliana e Silvia compartilham o sobrenome, apesar da falta de parentesco e, juntas, são responsáveis pela defesa judicial de Titi, filha de atores globais

Advogadas e militantes do movimento negro, Juliana Souza, 29 anos, e Silvia Souza, 36, decidiram se unir para potencializar os ventos de mudança no cenário étnico-racial brasileiro. Juntas, atuam no combate ao racismo estrutural e na abertura de diálogos sobre o assunto por meio de rodas de debate.

Durante a pandemia, a dupla utilizou o espaço virtual para fomentar a discussão sobre racismo e, em uma transmissão ao vivo, registraram cerca de 2 milhões de visualizações. O alcance mostrou para a dupla a necessidade de a sociedade ouvir e aprender sobre o assunto. Juntas, lançaram o curso Racismo estrutural e práticas antirracistas.

“Lançamos a capacitação entendendo que a educação emancipatória é fundamental para que tenhamos uma sociedade mais justa e igualitária racialmente”, pontua Silvia. A capacitação tem cinco módulos e aborda a importância de falar de racismo e como aderir a práticas antirracistas.

A potência da dupla chamou a atenção do casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank para assumir a defesa de Titi, filha do casal, que sofreu diversos ataques racistas nas redes sociais. “Foi ancestralidade. Esse é meu entendimento. Ligamos para o Bruno para participar de uma live conosco e, depois, ele nos convidou para o caso”, lembra Juliana, mestranda do Programa Humanidades, Direitos e Outras Legitimidade (Diversitás) da Universidade de São Paulo (USP).

União

Juliana e Silvia se conheceram em grupos de militância negra e descobriram que a história delas é cercada por coincidências. “Morávamos na mesma cidade da periferia do estado de São Paulo, em Itapevi (SP), em bairros próximos; tivemos que superar dificuldades para estudar e ingressamos no ensino superior com bolsa”, conta Juliana.

Na adolescência, Juliana iniciava o dia às 4h30, pegava o primeiro ônibus rumo ao local de trabalho como menor aprendiz; depois, seguia para a aprendizagem industrial em elétrica de manutenção no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e, por fim, ia para a escola de ensino médio. “Muitas vezes, a gente não tinha dinheiro da passagem e eu ia andando, o que me fazia perder a aula”, lembra.

A rotina de Silvia, pós-graduada em direitos humanos, diversidades e violências pela Universidade Federal do ABC (UFABC), era parecida. Ela acreditou no potencial dos estudos e fazia sempre o possível para não perder uma aula. Quando chovia, o ônibus que pegava para a escola não passava no bairro e ela ia andando. No ensino médio, foi em busca de um curso preparatório gratuito para garantir uma vaga no ensino superior e encontrou mais do que esperava.

“Conhecia a Educafro (rede de cursos preparatórios com foco na inclusão da população negra e pobre no ensino superior) buscando um cursinho e foi lá que eu ouvi, pela primeira vez, sobre ações afirmativas. Comecei a ter consciência racial ali e, a partir disso, entrei na militância e comecei a me envolver. Foi o que me ajudou a ser quem sou”, diz.

As duas ingressaram no ensino superior por meio de bolsa e enfrentaram os desafios de serem as únicas negras em turmas majoritariamente brancas. “A maioria dos alunos vinha de uma dinastia, eram filhos de advogados, desembargadores ou médicos. Todos iam para a faculdade de carro e eu fazia o circuito ônibus—trem —ônibus”, conta Juliana.

Silvia formou-se em direito pela Unip em 2011 e Juliana pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Hoje, ambas se alegram em trabalhar em postos que permitam fazer a diferença.

Silvia é líder do departamento jurídico no mandato do deputado distrital Fábio Félix (PSol), em Brasília, e se tornou, em 2019, a primeira mulher negra a fazer uma sustentação no Supremo Tribunal Federal (STF), de acordo com o movimento negro.

Juliana é uma das coordenadoras da área jurídica e parlamentar no mandato da deputada estadual por São Paulo Erica Malunguinho (PSol), equipe formada somente por pretos. Além disso, é coordenadora do departamento de concessão de bolsas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

Para elas, o movimento de mudança é feito junto e com todos. “Temos de erguer nossa voz e falar sobre nossas vivências e olhares. Tudo mudou para mim quando comecei a falar. Nossos saberes são contribuições valiosíssimas e ninguém fará isso para nós, porque, de fato, somos insubstituíveis”, declara.

“Um conselho: aquilombe-se, ou seja, procure viver em comunidade com pessoas negras na luta. Ninguém consegue nada sozinho, mas, juntos, vamos rompendo a estrutura racista”, convoca Silvia. “E, aos que se incomodam conosco, quero falar para aceitarem. Acostumem-se ou retirem-se, porque não vamos retroceder nem mais um passo”, complementa Juliana.

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa