Ataques raciais

Escritório de advocacia recebe ataques racistas: ação da OAB/DF visa frear preconceito

OAB/DF lança, nesta quinta-feira (13), campanha para conscientizar população a respeito de como o racismo ainda está presente nas estruturas sociais

Ana Luisa Araujo
postado em 12/05/2021 23:46 / atualizado em 13/05/2021 00:01
"O racismo se configura com a tentativa de obstar, dificultar, impedir o negro de ter acesso aos seus direitos enquanto cidadão", afirma presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/DF - (crédito: Paulo H. Carvalho/CB/D.A Pres)

Nesta quinta-feira (13), a Comissão de Igualdade Racial da Ordem de Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF) lança campanha chamada “Dia da não-abolição da escravatura”. O intuito é trazer ao entendimento da sociedade que, com o fim da escravidão, o racismo não foi abolido juntamente. Em razão disso, escritórios de advocacia como o Telesca abrem processos seletivos de estágio, somente para negros, para tentar diminuir uma divida histórica. Entretanto, a ação afirmativa da empresa resultou no recebimento de mensagens racistas, provando que ações como a da OAB ainda são necessárias.

O advogado Max Telesca explicou ao Correio Braziliense que a medida inclusiva foi uma iniciativa inspirada em outras. Ele cita que grandes escritórios de advocacia do país já têm essa postura. “Resolvemos fazer isso também aqui, um local que não é grande com muitos advogados, mas tem alguma tradição na cidade. Temos mais de vinte anos de advocacia aqui, além disso, a gente tem histórico de inclusão social”, afirma.

Ele conta que é presidente do Instituto de Popularização do Direito, local onde busca entregar o direito de maneira descomplicada, sem juridiquês para as pessoas, principalmente, àquelas em vulnerabilidade social.

“Também sou advogado de direitos humanos, eu fui da Comissão de Direitos Humanos da OAB/DF, lá iniciei, por exemplo, o caso da Maria Luiza, que é a primeira transsexual da aeronáutica, que teve toda aquela situação que, inclusive, o Correio Brazilense foi o primeiro jornal a cobrir”, lembra.

Segundo o advogado, foi a esposa dele, Romali de Carvalho, historiadora, quem teve a ideia do processo seletivo exclusivo para negros.

 

A ação da OAB/DF


“Informalmente os negros continuam sendo preteridos nos espaços de poder”, afirma o o presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal Beethoven Andrade. Por esse motivo, no dia 13 de maio de 2021 a ordem lança a campanha para conscientizar a população de como o racismo ainda permeia a sociedade. A data faz referência ao dia da abolição formal da escravatura.

“Nós [negros] não temos, de fato, acesso às melhores vagas, às melhores oportunidades, por isso a importância da cota e dos processos afirmativos”.

São processos afirmativos, como o da empresa de advocacia Telesca, alvo de ataques racistas a que Beethoven se refere. Sobre o caso, o presidente da comissão diz que há o comprometimento e acompanhamento da situação.


“Tem por atribuição [da Comissão] o acompanhamento e tratativa dos casos de preconceito ou discriminação racial trazidos pela sociedade, por meio do canal de denúncias que pode ser acessado no sítio eletrônico (site) da OAB/DF, como ocorreu no caso de ataques à vaga de estágio”.

 

Os ataques racistas


As manifestações ocorreram em dois grupos de Whatsapp de maneira hostil e jocosa, segundo Max “brincando com algo sério”. Ele diz em seguida, que não está falando sobre brincadeira, na verdade, nem mal-entendido, o que eles fizeram foi um crime.

“O diferencial, é que o escritório Telesca, ofertou uma vaga destinada a candidatos afrodescendentes, o que não há impedimento legal, haja vista que se trata de uma ação afirmativa, destinada a um grupo minoritário, não podendo se confundir com uma restrição que impediria o amplo acesso (isonomia)”, explica o presidente da Comissão de Igualdade Racial.

Segundo Beethoven, os ataques feitos via Whatsapp ocorrem devido à falta de informação sobre o quanto o preconceito coloca em desvantagem pessoas negras.

“Para os ‘agressores’, a contratação exclusivamente de negros não tem qualquer cunho afirmativo, em seu discernimento carente de informações acerca das dificuldades impostas pelo racismo estrutural, fantasiam que eles acabam por ser favorecidos com processos seletivos afirmativos ou cotas, o que apenas transparece uma mera ignorância acerca do tema”, explica.

 

Racismo reverso não existe

Um grupo de advogados se sentiu no direito de atacar a empresa e o empresário, simplesmente, porque eles decidiram abrir um processo seletivo para negros. Os ataques vieram desses profissionais que entenderam que “havia uma forma de discriminação reversa”, conta Max.

“Não existe esse conceito de racismo reverso”, afirma o empresário. “Ele é um termo criado para uma narrativa de uma minoria de pessoas que não entende o que é o racismo, e como ele é estrutural no Brasil, quais as consequências da escravidão, e qual é a dívida social do experimento mais determinante da nossa história. Nós somos desiguais porque fomos o país que mais escravizou no mundo”, esclarece o advogado.

Apesar dos percalços enfrentados nos últimos dias, ele diz que não desanima a continuar fazendo processos seletivos inclusivos. “As críticas fizeram com que nós entendêssemos que estamos no caminho certo, porque nós não sofremos só críticas, nós tivemos apoio de muitas pessoas: o SINDILEGIS, a Associação Nacional do Ministério Público de Contas, Associação Nacional dos Advogados Criminalistas do Brasil, a própria OAB/DF e o GDF”.

Beethoven Andrade, em entrevista ao Correio Braziliense, explica que não há problema algum na vaga ofertada pelo escritório Telesca. Ele explicita que a seleção foi uma forma encontrada pelo local de superar a desigualdade imposta pelo racismo.

Ele deixa claro que se algum escritório ofertar vagas voltadas exclusivamente a grupos minoritários, sofrer ameaças ou perceber a tentativa de desqualificar o processo de contratação, deve salvar as imagens e todas as informações que possibilitem identificar os ataques e os envolvidos para, somente após, procurar a Polícia Civil, Ministério Público ou a Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília.

 

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