desesperança juvenil

Jovens brasileiros não estão otimistas para o futuro, segundo estudo

Desemprego e pandemia diminuem o otimismo da juventude, mas eles seguem buscando alternativas para continuar acreditando

Jéssica Gotlib
postado em 14/06/2021 20:25 / atualizado em 14/06/2021 22:41
Ingrid brinca que os familiares consideram que ela tenha ganhado na loteria ao ser aprovada na UnB -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Ingrid brinca que os familiares consideram que ela tenha ganhado na loteria ao ser aprovada na UnB - (crédito: Arquivo Pessoal)

Já dizia Chorão, ‘o jovem no Brasil nunca é levado a sério’. Brincadeiras à parte, o inconformismo expressado no sucesso cantado pelo Charlie Brown Jr e Negra Li na virada do século 20 para o 21 está mais presente do que nunca na geração de brasileiros que chegam agora ao mercado de trabalho.

Em outubro do ano passado, um estudo chamado Youth Barometer (algo como Termômetro da Juventude, em tradução livre) mostrou que o otimismo dos brasileiros com idades entre 16 e 25 anos está no menor patamar da última década. A pesquisa foi feita pelo banco Credit Suisse e ouviu mil pessoas em países como Estados Unidos, Suíça e Singapura.

Para se ter uma ideia, em 2012, por exemplo, os brasileiros otimistas na faixa etária pesquisada eram 75% do total. Nove anos depois, o grupo dos que esperam um futuro melhor é de apenas 45%. Crise econômica, pandemia e, principalmente, desemprego são as preocupações dos entrevistados. Mas se a vida adulta chegou muito mais turbulenta que o esperado para a Geração Z (ou Nativos Digitais), a solução pode estar no sucesso cantado pelo ídolo dos Millenials.

“O que eu consigo ver é só um terço do problema. É o sistema que tem que mudar. Não se pode parar de lutar. Senão não muda. A juventude tem que estar a fim. Tem que se unir”, diz o rap de Negra Li logo após Chorão desabafar sobre a falta de voz, de perspectiva e de respeito que sentia das instituições para com os jovens no distante ano 2000.

E foi assim que a reportagem do Correio encontrou quatro jovens de classe média ou baixa, aprovados na última seleção do Acesso UnB Enem, e que esperam construir um futuro melhor, mesmo com todo o cenário negativo à sua volta. Não são histórias de heroísmo.

Todos os entrevistados contaram com a ajuda de pelo menos um familiar, professores, amigos, cursinhos voluntários, são diversas redes de apoio que se conectaram para dar o mínimo de suporte necessário ao sonho de entrar no ensino superior.

Apesar disso, as quatro histórias são de pessoas que estão começando a vida adulta com desafios muito maiores do que poderiam imaginar enquanto estavam crescendo. Luís Henrique, André e Ingrid pegaram a realidade imutável com a qual se depararam e usaram-na para amadurecer e correr atrás de dias melhores.

Para lembrar de uma palavra da moda, foram resilientes. Não aquela resiliência que torna o cidadão apático, mas a que permite a cada um tirar o melhor do que tem a seu dispor no momento. Leia o que eles disseram.

Tecendo o futuro

Ingrid Cândido, 22 anos, tem grandes esperanças sobre o futuro reservado a ela depois da entrada na UnB. Nascida em Fortaleza (CE), ela se mudou com a mãe para São Paulo (capital) aos 9 anos de idade e, aos 14, para Brasília. Sempre em busca de melhores oportunidades. A mãe de Ingrid é costureira autônoma e criou a filha sem a ajuda do pai.

“Eu não trabalho fora, só ajudo a minha mãe no que posso com o trabalho dela e as coisas da casa. Fora isso, meu tempo era dedicado para estudar”, conta. A jovem foi aluna do Centro Educacional 2 de Sobradinho. E, apesar de se dedicar bastante aos estudos, enfrentou grandes dificuldades com matemática. “Antes do Enem eu estudava em média nove horas por dia para me preparar. Sempre fui curiosa e quis saber de tudo um pouco, então muitas coisas me interessavam”, lembra.

Para tentar direcionar melhor os esforços, ela ingressou no Galt Vestibulares — cursinho gratuito destinado a jovens de baixa renda — que descobriu por meio de um anúncio nas redes sociais. “Como em 2020 as provas foram canceladas, acabei ficando dois semestres no cursinho e o auxílio que tive de lá foi fundamental. Os professores eram muito acessíveis e consegui criar uma técnica para fazer a prova”, coloca.

Buscando compensar o desempenho em matemática, por exemplo, ela diz que focava os estudos em biologia e física — disciplinas da área de exatas com as quais tinha mais familiaridade. E, no decorrer das pesquisas para a prova, acabou encontrando também uma nova paixão. “Entrei no Galt querendo fazer administração, mas um dia estava vendo um blog em que o autor falava sobre comunicação organizacional, como era o curso e o que eles estudavam e meus olhos brilharam”, declara.

Com o novo curso em foco, o sucesso na prova do Enem deu a ela a tão sonhada vaga na UnB. “Minha mãe pulou de alegria quando soube, ela acompanhou tudo, me viu estudando de domingo a domingo, minhas crises de ansiedade. Meus familiares também ficaram muito felizes. Nenhum deles estudou na UnB. Eles dizem que é como ganhar na loteria”, brinca.

Mas os bons frutos do futuro não dependem da sorte, Ingrid garante. “Acho que minhas perspectivas de carreira, com certeza, vão ser maiores com o diploma da UnB. Além do peso e renome de uma federal perante o mercado de trabalho, a qualidade no ensino e pesquisa também fazem muita diferença. E espero uma boa colocação profissional porque a comunicação nunca foi tão necessária no Brasil como é agora”, conclui.


“Eu não trabalho fora, só ajudo a minha mãe no que posso com o trabalho dela e as coisas da casa. Fora isso, meu tempo era dedicado para estudar”

Luto e luta

Luís Henrique trabalha atualmente na construção civil e diz que a conquista de uma vaga na UnB é em homenagem ao avô
Luís Henrique trabalha atualmente na construção civil e diz que a conquista de uma vaga na UnB é em homenagem ao avô (foto: Arquivo Pessoal)

Para Luís Henrique Linhares, 21 anos, egresso do Instituto Federal de Goiás (IFG) em Valparaíso, não foram as descobertas pessoais, mas as reviravoltas externas os maiores desafios da caminhada profissional. “Era meu último ano na escola quando a pandemia começou. Tive, se não me engano, duas ou três semanas de ensino presencial e depois veio o ensino a distância. Foi muito difícil no começo. Não é um modelo fácil de se adaptar, não só para mim, para os professores também, ainda mais com todo o contexto (da covid-19)”, descreve.

Para driblar o problema, a saída foi não tentar nada sozinho. “Foquei em dar o meu empenho máximo e buscar ajuda — recorrer a amigos para solucionar exercícios, fazer trabalhos. A estrutura do IF sempre permitiu contato bem próximo com os professores, então isso ajudou passado o período de adaptação”, reflete. Ao longo de quase todo o ano de 2020 ele se dividiu entre assistir aulas pela manhã, fazer o serviço de casa à tarde e revisar o conteúdo à noite.

“Quando começaram os adiamentos do Enem eu fiquei muito preocupado porque essa era minha principal meta, tanto que eu não fiz nenhuma das etapas do PAS (Programa de Avaliação Seriada). Fui me preparando para fazer o vestibular da UnB, mas as coisas iam acontecendo, vinham os adiamentos e ficou difícil segurar a ansiedade”, detalha.

Apesar das dificuldades, até aí o rapaz estava confiante. Entretanto, em dezembro, uma triste surpresa tirou dele o equilíbrio. Sem muito contato com o pai, ele diz que o núcleo familiar é composto pela mãe, que é assistente de contabilidade, pelos dois irmãos, as tias e o avô.

“Eu morava com meu avô e ele era bem cuidadoso com a pandemia. Quando precisava ir ao mercado era eu que ia, usava máscara, higienizava tudo. Mas aí os casos foram aumentando e ele achou melhor ir viajar, ficar com minha tia que mora em uma cidade que é mais tranquila. Infelizmente, minha tia não teve a oportunidade de trabalhar em home office, aí ela e meu avô acabaram pegando a covid e meu avô faleceu no início de janeiro”, conta.

E, assim, perdeu o foco nos estudos que tinha conseguido manter até então. Em meio à dor, o Enem foi remarcado e Luís Henrique fez a prova três semanas depois de perder o avô. “Eu ainda estava muito abalado e muito triste, fiquei com medo de não conseguir a nota (para passar na seleção)”, confessa. Mas a dedicação aos estudos que ele manteve antes dos problemas ocorrerem foi suficiente para garantir a vaga em licenciatura em química.

“Meu avô sempre me incentivava muito a tentar uma universidade pública, por causa da qualidade e porque eu teria mais oportunidades. Até foi sobre isso que nós falamos quando conversamos presencialmente pela última vez. Ele se preocupava muito com meu futuro e essa é uma conquista que eu queria que ele tivesse visto”, diz emocionado. Apesar do luto, ele tem certeza de que o sonho compartilhado por ambos vai garantir um futuro melhor.

“Eu acredito com muita força que vou ter um bom futuro profissional. Escolhi licenciatura porque sempre admirei muito os professores, essa habilidade de transmitir o conhecimento e inspirar as pessoas, assim como tive professores que me inspiraram. Mas também sou muito curioso e gosto muito de pesquisa, quero participar dos projetos e, quem sabe, esse meu sonho de ser professor acabe nem se tornando realidade e eu me torne um pesquisador”, imagina.

O jovem continuará se dividindo, não mais entre os trabalhos da casa, mas, agora, entre o atual emprego na construção civil durante o dia e a graduação à noite. “Tenho um pouco de medo porque, apesar de o nível de exigência no IF ser alto, sei que na UnB é bem mais alto. Mas planejei como vai ser, meus fins de semana serão para estudar e fazer os trabalhos. Talvez eu não consiga aproveitar muito a parte de sair e fazer amigos, mas espero que isso aconteça também”, afirma. Para os dois irmãos menores, Luís Henrique espera que a conquista não traga pressão, mas inspiração. “Quero que eles saibam que qualquer que seja o sonho deles, o importante é correr atrás.”


“Era meu último ano na escola quando a pandemia começou. Tive, se não me engano, duas ou três semanas de ensino presencial e depois veio o ensino a distância”

Recomeço

Para André Mendonça, 22 anos, o processo seletivo foi uma oportunidade de recomeçar. Nascido em Anápolis (GO), ele sempre sonhou em vir para Brasília, inspirado pela tia e pelos primos e, por isso, fez todas as etapas do Programa de Avaliação Seriada (PAS) ao longo do ensino médio cursado no colégio militar da cidade natal. Aprovado em geofísica, precisou driblar a decepção da mãe que se entristeceu pela possibilidade de o filho único sair de casa. Superado esse primeiro desafio, ele chegou ao DF para aquilo que seria o começo de um sonho.

André perdeu o pai, caminhoneiro, ainda bebê e precisou convencer a mãe, cabeleireira, a deixar o filho único partir para Brasília rumo ao sonho da UnB
André perdeu o pai, caminhoneiro, ainda bebê e precisou convencer a mãe, cabeleireira, a deixar o filho único partir para Brasília rumo ao sonho da UnB (foto: Arquivo Pessoal)

“Quando eu era criança e vinha passear aqui e minha tia me levava para ver o câmpus da UnB. Eu sempre quis estudar lá, mesmo antes de saber que curso faria”, lembra. A escolha por geofísica foi dica de uma professora do ensino médio e, a princípio, pareceu uma ótima ideia. “Comecei a me sentir uma pessoa muito frustrada, empacada. Não gostava das matérias e não me desenvolvia, não conseguia ir para a frente. Foi quando comecei a pegar disciplinas de módulo livre em várias áreas e me encontrei nas ciências sociais”, diz.

Segundo André, uma das coisas mais desanimadoras foi ver que o mercado de trabalho parecia muito fechado na área em que se dedicava. “Eu estagio na Sociedade Brasileira de Geofísica e com o meu estágio comecei a gostar mais da área, mas eu não me via tendo um emprego no futuro. Pensava em fazer mestrado e doutorado, mas não sabia o que poderia acontecer depois disso”, comenta.

Nas sociais, por outro lado, ele se sente mais instigado e já sabe que futuro quer trilhar. “Espero que o novo curso me ajude a me desenvolver. Gosto muito de pesquisar sobre cultura, história das civilizações. Sempre achei que poderia ser legal dar aulas, então acho que vou ter uma boa oportunidade no novo curso”, complementa. Para a troca, ele também precisou lidar com a resistência da mãe. “Ela ficou um pouco apreensiva, achou que era melhor terminar geofísica primeiro, já que já passei da metade, mas depois me entendeu, ficou feliz e me deu os parabéns”, diz.

O jovem conta que não conheceu o pai, que era caminhoneiro e morreu quando André tinha poucos meses de vida, mas diz que a mãe, cabeleireira, é seu principal ponto de apoio para os sonhos e desafios que enfrenta. “Espero construir uma boa carreira e conquistar espaço no mundo acadêmico”, ambiciona.


“Quando eu era criança e vinha passear aqui e minha tia me levava para ver o câmpus da UnB. Eu sempre quis estudar lá, mesmo antes de saber que curso faria”

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