TRANSFOBIA

Advogado sofre transfobia ao ter nome antigo exposto em lista de braço da OAB-PI

O nome não retificado de Miguel Cardoso Alves constou por 19 horas em lista da vacinação contra o H1N1 no Instagram da CAA-PI

Gabriella Castro*
postado em 22/06/2021 15:24
 (crédito: arquivo pessoal)
(crédito: arquivo pessoal)

O advogado Miguel Cardoso, 28 anos, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Piauí (OAB-PI), denunciou transfobia após ter seu nome de registro antigo divulgado nas redes sociais da Caixa de Assistência da Advocacia Piauiense (CAAPI) em 16 de junho. O erro apareceu em lista de advogados aptos a tomar a vacina contra o vírus influenza A H1N1.


Miguel Cardoso Alves é advogado transgênero, componente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-PI e militante da causa LGBTQIA+. Mesmo já tendo feito a retificação junto à OAB e à CAAPI em 2020, o nome antigo do profissional ficou exposto por 19 horas no Instagram da CAAPI e só foi retirado após pedido dele.


“É incrível que eu tenha que passar tudo isso para ter um direito que todos os outros advogados têm, o próprio nome”, lamenta Miguel. “Para algumas pessoas basta saber disso (do nome morto) para eu virar motivo de chacota, motivo para serem transfóbicos, me chamarem pelo nome antigo de proposito”. No período da retificação, ele ainda teve a solicitação de retificação do nome confundida com um pedido de inclusão de nome social.


Quando viu o nome errado na lista, ele chegou até a olhar de novo, pois não acreditou que, depois de tanto esforço pela retificação do nome, ainda persiste o erro. “Foi a gota d'água porque esse processo é muito desgastante”, explica. “Eu tenho direito ao sigilo e isso foi tudo ferido quando eles postaram em rede nacional em post oficial”.


Após a retificação, a CAAPI publicou nota de retratação na rede social. O órgão afirmou que utilizou a última relação da Ordem, recebida no dia 2 de dezembro de 2020, para elaborar a lista e que, nesta relação, consta o nome sem retificação do advogado Miguel Cardoso.

Segundo Miguel, ele já chegou a ir na CAAPI quatro vezes, pois, quando utilizava os serviços do clube de convênios do órgão, aparecia o nome que não existe mais. Em uma das idas, um funcionário chegou a mostrar que o nome e foto dele estavam atualizados.


Outro constrangimento


Ao chegar no posto de vacinação, mais um ato transfóbico o constrangeu. Apesar da retratação e correção na internet, o nome antigo de Miguel, junto ao retificado, constava na lista impressa de advogados aptos a se vacinar.

“Não se deram o trabalho de colocar nem um corretivo”, reclama. “De que adianta uma retratação pública e continuar o ato transfóbico?”


Ele ainda chegou a ouvir de um um funcionário que ele estaria constrangendo as demais pessoas no local por exigir que o nome fosse corrigido. “Eu estou constrangendo vocês porque eu estou exigindo o meu direito?”, questionou o advogado.


Ele ainda comenta que essa não foi a primeira vez que foi alvo de preconceito na OAB. “Várias vezes eu cheguei lá e alguns funcionários começaram a me tratar no feminino. Eu ficava indignado, mas não fazia alvoroço porque era pior para mim”, conta.


Foi após essa gota d’água que ele percebeu que teria de tomar medidas. Miguel já contratou uma advogada, pois, nesse caso, prefere não advogar por si, e pretende entrar com ação contra a CAAPI.


“Eu tenho um lema que sempre sigo: respeito é a balança da justiça”, pontua. O que ele espera, é que depois desse processo os órgãos tomem providências reais e capacitem os funcionários.


Comissão da Diversidade Sexual repudia o ato


Em nota publicada na segunda-feira (21), a Comissão da Diversidade Sexual da OAB-PI, da qual Miguel faz parte, repudiou o ocorrido.

“Nosso nome é um direito básico atribuído a todas as pessoas. Algo importantíssimo para a construção da identidade do ser humano, que nos identifica e diferencia das outras. Todos têm o direito de serem reconhecidos e registrados refletindo quem de fato são. Negar esse tratamento é um ato de violência contra essas pessoas, muitas vezes usado como forma de humilhar e ofender pessoas não-cisgêneras”, pontuou a nota.

A Comissão ainda listou avanços judiciais para a retificação do nome de pessoas trans. Ao final do texto, Miguel desabafou: “Sou Advogado há 3 anos e tenho uma carreira ilibada e justa, o mínimo que mereço é ser respeitado. E a OAB, CAAPI e ESA, TODOS, NAO PODEM FERIR O DIREITO DO ADVOGADO, com 19 horas de exposição, desculpas é o mínimo, respeito é a balança.”

 

Confira a nota na íntegra:

 

Nota de Repúdio – Comissão da Diversidade Sexual

A Comissão da Diversidade Sexual (CDS) vem repudiar o ato de transfobia ocorrido quarta-feira (16/06) em uma postagem no Instagram da CAAPI, onde divulgou os nomes dos Advogados inscritos para segunda etapa da vacinação contra o vírus influenza A H1N1. Na postagem, o advogado Miguel Cardoso Alves, que já retificou sua carteira da OAB e, também, junto à CAAPI, teve listado seu nome de registro anterior.

E, mesmo após a retratação da CAAPI nas redes sociais, Miguel, ao se dirigir ao ponto de vacinação, foi novamente constrangido ao se deparar com a relação impressa e ainda constando seu antigo nome de registro.

Nosso nome é um direito básico atribuído a todas as pessoas. Algo importantíssimo para a construção da identidade do ser humano, que nos identifica e diferencia das outras. Todos têm o direito de serem reconhecidos e registrados refletindo quem de fato são. Negar esse tratamento é um ato de violência contra essas pessoas, muitas vezes usado como forma de humilhar e ofender pessoas não-cisgêneras.

No processo de aceitação e entendimento em relação à identidade de gênero de cada um, o nome é uma das questões que têm maior impacto, já que os nomes estão diretamente ligados a um conceito de masculino e feminino em nossa sociedade. Felizmente, o processo para que pessoas trans possam utilizar seu nome social em documentos oficiais ficou menos complicado e mais inclusivo.

Desde 2018, com a importante decisão do STF, que decidiu retirar a obrigatoriedade de solicitação judicial e da cirurgia de redesignação de gênero para retificar o nome das pessoas trans, basta ir ao cartório e se autoidentificar uma pessoa trans e alterar o nome e o marcador de gênero. Vindo, no mesmo ano, o CNJ publicar o provimento nº 73/201814, que regulamentou a retificação do registro civil e todos os Cartórios de Registro de Pessoas do Brasil ficaram obrigados a realizar a alteração de nome e marcador de gênero nas certidões de nascimento.

O Advogado Miguel Cardoso Alves desabafa: “Sou oficialmente Miguel Cardoso Alves, Advogado trans com orgulho, primeiro Advogado a retificar nome e gênero no Piauí, estudante, filho, irmão, humano. Tenho a felicidade enorme em mostrar minha carteira da OAB com nome retificado. Nome pra minha pessoa não são somente letras, é minha identidade, fruto de muita luta e determinação. A caminhada é longa e espinhosa, mas acredito que o amor, a justiça e o respeito são pesos base para tudo na vida. E como desabafo, eu afirmo que é, além de uma falta de respeito a minha imagem, é uma lesão que fere além da imagem. Sou Advogado há 3 anos e tenho uma carreira ilibada e justa, o mínimo que mereço é ser respeitado. E a OAB, CAAPI e ESA, TODOS, NÃO PODEM FERIR O DIREITO DO ADVOGADO, com 19 horas de exposição, desculpas é o mínimo, respeito é a balança.”

 

*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Luisa Araujo

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação